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Agro tem desafios e oportunidades no mercado de carbono brasileiro

Especialista explica como o mercado de carbono pode recompensar práticas sustentáveis já implementadas no campo

Mundo Agro|Fabi GennariniOpens in new window

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Baixo Carbono, Alta Competitividade: O Futuro do Agro Nacional Foto cedida: FDC

O agronegócio brasileiro está no centro das discussões sobre sustentabilidade e descarbonização da economia.


Com práticas cada vez mais eficientes e tecnologias inovadoras, o setor tem potencial para se tornar referência mundial em agricultura de baixo carbono — mas ainda enfrenta desafios técnicos, políticos e de governança.

Em entrevista à Mundo Agro, Fábio Marques, professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC Agroambiental), analisou o papel do mercado de carbono, as novas metas climáticas do Brasil e o caminho para que produtores de todos os portes possam ser reconhecidos e recompensados por práticas sustentáveis.


Fábio Marques, professor associado da Fundação Dom Cabral (FDC Agroambiental) Foto cedida: FDC

Mundo Agro: Como o mercado de carbono pode reconhecer de forma justa as práticas sustentáveis já adotadas pelo agronegócio brasileiro?

Fábio Marques: Em um mercado regulado, ou seja, um sistema de comércio de emissões caracterizado por limites obrigatórios de emissões de carbono, aqueles produtores que tiverem níveis de emissões menores que o limite obrigatório, teriam a possibilidade e venderem essa diferença como “créditos”.


Geralmente, esses limites são baseados em uma abordagem histórica ou com base em benchmarks (referenciais de emissões) daqueles que têm as melhores práticas. Assim, aqueles produtores que já estiverem adotando práticas de menor intensidade de emissões de carbono em relação a esses referenciais, em tese, poderiam ter sobras e assim obter valor pela venda de “créditos” no mercado.

Porém, no Brasil, o setor agropecuário não entrou no mercado regulado. Já no mercado voluntário, existe o critério de “adicionalidade”, ou seja, existe a possibilidade de valorização para aquelas práticas de baixo carbono cuja implementação seja baseada no incentivo do crédito de carbono e, portanto, adicional em relação a um cenário sem o uso do crédito (linha de base).


Por fim, existe também a possibilidade indireta de reconhecimento de valor por meio de metas corporativas integradas em cadeias produtiva. Nesse caso, não necessariamente haveria o “crédito de carbono”.

Mas, grandes players engajados em mercados de compromissos de descarbonização têm espaço para gerar mecanismos de apoio e incentivo para aqueles produtores que já tenham ou queiram implementar práticas que gerem reduções de emissões ou aumentem as remoções (sequestro de carbono da atmosfera).

Mundo Agro: Quais são os principais desafios para incluir o agronegócio nos modelos regulados de precificação de carbono?

Fábio Marques: Em geral, são dois grandes grupos de desafio. O primeiro é de natureza técnica e diz respeito à dificuldade de se gerir, mensurar e monitorar um grande número de atores presentes em setores como o agro.

Por exemplo, no Brasil, são milhões de produtores. É uma tarefa complexa estabelecer metas obrigatórias e o monitoramento no nível de cada propriedade rural. Determinar o que chamamos de “ponto de regulação” é altamente desafiador.

Já o segundo grupo de desafios é de natureza política e competitiva. Existe o receio de que a inserção do setor no mercado regulado gere custos adicionais e que esses custos impliquem perda de competitividade no mercado global, já que praticamente não há outras jurisdições onde o agro faça parte de mercados regulados e, portanto, tenham custos análogos.

Mundo Agro: De que forma o mercado voluntário de carbono pode complementar o mercado regulado no Brasil?

Fábio Marques: No caso do agro, essa é a principal hipótese a ser perseguida, já que o setor não entrou no mercado regulado. Por meio do mercado voluntário é possível gerar créditos de carbono e vendê-los não só para compradores que queiram utiliza-los para cumprir objetivos voluntários de redução de emissão, mas também para empresas de outros setores que estejam sujeitas ao mercado regulado.

Essas empresas poderiam usar os créditos oriundos de projetos do mercado voluntário para cumprir parte dos seus compromissos em mercados regulados. Mas, para isso, é necessário que o órgão regulador aceite as metodologias utilizadas e que determine qual seria o limite máximo do uso dos créditos voluntários no sistema regulado.

No caso do Brasil, existe essa possibilidade, mas ainda precisa ser discutida e regulamentada no âmbito do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) instituído por lei no final de 2024.

Mundo Agro: Quais critérios devem ser considerados para valorizar o carbono sequestrado por práticas como integração lavoura-pecuária-floresta?

Fábio Marques: Existem diversos critérios. Destaco aqui dois que têm papel estrutural: (i) determinar a adicionalidade, ou seja, o papel do crédito de carbono na tomada de decisão de implementação do projeto, demonstrando que se trata de prática adicional a um cenário de linha de base que ocorreria na ausência do projeto e (ii) o uso de metodologias reconhecidas pelo mercado voluntário para a mensuração, relato e monitoramento das remoções (sequestro de carbono) geradas pelas práticas de integração lavoura-pecuária e floresta. Essas remoções podem ser obtidas tanto pelo aumento de carbono no solo quanto pelo sequestro de carbono por meio do plantio florestal.

Mundo Agro: O que muda com a nova NDC brasileira em termos de exigências para o setor agropecuário?

Fábio Marques: Na verdade, a NDC brasileira foi elaborada com base na lógica “economy-wide” ou seja, engloba todos os setores da economia nacional. Portanto, o setor agropecuário já estava presente desde as primeiras versões da NDC.

Agora, com a versão atual, também está sujeito a um objetivo de redução de emissões mais ambicioso para todo o conjunto da economia, uma vez que a cada renovação, a NDC deve se tornar mais ambiciosa conforme os princípios do Acordo de Paris.

Talvez uma das principais mudanças, que ainda dependem de uma série de discussões técnicas e políticas, seja a possibilidade de deixar mais claro o papel das remoções de carbono no balanço de emissões do setor agropecuário, ou seja, como será considerada a somatória entre emissões e remoções. Trata-se de aspecto fundamental para que a propriedade rural seja integralmente considerada.

Mundo Agro: O agronegócio está preparado para cumprir metas como a redução de 53% das emissões até 2030?

Fábio Marques: Primeiro é importante esclarecer é o valor de 53% se refere a todo o conjunto da economia brasileira. Isso significa que esse número não está atrelado a setores específicos, como o agronegócio, e que há flexibilidade para que certos setores contribuam mais ou menos do que esse valor. Mas, de maneira geral, podemos dizer que existem duas perspectivas para a contribuição do agro.

A primeira é que o setor tem demonstrado certo êxito em aumentar sua base de produção, em hectares por exemplo, de uma maneira maior do que o aumento de suas emissões. Parece haver claros ganhos de eficiência.

A segunda é mais desafiadora e envolve a necessidade de redução de emissões absolutas, ou seja, reduzir o volume de emissões mesmo que haja crescimento de produção. O Brasil já tem acesso a práticas e tecnologias de baixo carbono no agro, mas para implementa-las em grande escala é necessário que haja incentivos econômicos adicionais e muita capacitação no meio rural.

Certamente, o agronegócio brasileiro pode ser referência mundial em práticas de baixo carbono e obter ganhos de competividade, tornando cada vez mais claro o seu papel de liderança para a segurança alimentar mundial.

Por fim, é crucial que o setor também seja um aliado no combate ao desmatamento e na comunicação do seu papel na conservação em larga escala de vegetação nativa, que também pode ser exemplar com a instituição de áreas de preservação permanente e reserva legal.

Vale notar que a esmagadora maioria do desmatamento no Brasil ainda é de origem ilegal. Portanto, é necessário antes de mais nada cumprir o código florestal brasileiro e explicitar os diferenciais que isso traz para o agro brasileiro.

E, além disso, desenvolver incentivos adicionais para desestimular o desmatamento. Sem redução do desmatamento, o país tem um triplo prejuízo: (i) prejudica as suas próprias condições de produtividade, com perdas em recursos hídricos por exemplo além de outras grandes perdas socio- ambientais (ii) não cumpre seus compromissos no Acordo de Paris e (iii) abre margem para medidas protecionistas por diversos países, onde os justos correm o risco de pagarem pelos pecadores. Não podemos deixar que esses riscos ofusquem a liderança global do agro brasileiro.

Mundo Agro: Como alinhar as metas da NDC com a realidade econômica e tecnológica dos pequenos e médios produtores?

Fábio Marques: Com muita capacitação e incentivos econômicos adicionais que podem ser ancorados em diversos instrumentos: difusão de mercados voluntários de carbono em parcerias com empresas líderes de cadeias produtivas, financiamento, compras governamentais, acordos bilaterais que reconheçam as práticas de baixo carbono brasileiras, melhorias na gestão de riscos como seguros rurais, tropicalização de métricas que muitas vezes não são adequadas ao contexto do país, etc.

Mundo Agro: Como as tecnologias desenvolvidas por empresas como a Syngenta e a DSM-Firmenich podem apoiar a transição para uma economia de baixo carbono?

Fábio Marques: São dois conjuntos de práticas que têm papel fundamental. No caso da DSM-Firmenich, os aditivos alimentares que reduzem as emissões de metano da fermentação entérica bovina contribuem para reduzir a maior fonte de emissões no agro. Já no caso da Syngenta, práticas como o programa Reverte buscam apoiar agricultores a converterem áreas degradadas em áreas produtivas, com base em protocolos específicos para o contexto de cada propriedade.

Mundo Agro: Que papel a agricultura regenerativa pode ter na construção de um mercado de carbono mais justo?

Fábio Marques: A agricultura tropical regenerativa é totalmente coerente com uma encomia de baixo carbono, pois é baseada em práticas que alinham produtividade, redução de emissões ou aumento de remoções, por exemplo, melhores práticas de gestão de solos que aumentem a absorção de carbono, maior uso de bioinsumos, difusão de sistemas integrados (lavoura – pecuária – floresta), entre outras.

Várias dessas medidas podem ser implementadas com base em mercados voluntários de carbono. Além da necessidade de capacitação, um grande desafio é assegurar que as metodologias adotadas nesses mercados sejam mais coerentes com a realidade dos trópicos e, portanto, da maior parte dos países em desenvolvimento.

Para isso, o setor precisa se mobilizar cada vez mais no sentido de participar ativamente da elaboração e difusão das regras de mercados voluntários e de sistemas de relato de emissões corporativas. No mundo da economia de baixo carbono, a governança não depende só de governos.

Precisamos também ter voz ativa em outras instancias que têm impacto direto no redesenho de vantagens comparativas. Para transformar a economia, precisamos de novas regras do jogo e se não houver uma atuação proativa na elaboração dessas regras, no Brasil e no mundo, sairemos em desvantagem mesmo que o nosso agro tenha vários diferenciais em nível global.

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