Do crepe na escola ao impacto global: como Vinicius Lima leva empreendedorismo ao campo
Presidente do Grupo Besouro já capacitou mais de 170 mil pessoas e criou iniciativas que conecta jovens do interior à tecnologia e ao futuro do trabalho

Aos 14 anos, ele vendia crepes na porta da escola, em Porto Alegre. Hoje, à frente do Grupo Besouro, sua atuação ultrapassa fronteiras: já são mais de 810 mil pessoas impactadas em 28 países, com projetos voltados à educação empreendedora, formação para o futuro do trabalho e desenvolvimento comunitário.
Nesta entrevista, ele relembra sua trajetória de empreendedor de origem periférica, explica a criação do Instituto Besouro e destaca o projeto Agro Maker, que leva inovação ao campo e abre caminho para que jovens do interior permaneçam em suas comunidades com dignidade, conhecimento e oportunidades reais de transformação.
Mundo Agro: Você começou a empreender muito cedo — vendia crepes na escola e, a partir daí, não parou mais. Como surgiu a ideia de criar o Grupo Besouro e o Instituto?
Vinicius Mendes Lima: Eu tinha 14 anos e morava em um bairro periférico de Porto Alegre quando comecei a fazer crepes e a vender na porta da escola no turno contrário às aulas. O maquinário que utilizava foi comprado em 12 vezes com cheques que a minha avó me emprestou.
O Crepe dos Prazeres — nome do meu empreendimento informal — deu tão certo que no primeiro mês eu quitei a compra do equipamento e comecei a adquirir outros. Em poucos meses, com o auxílio de outros colegas adolescentes, montei seis franquias em colégios da região.
Daí para a frente não parei mais mesmo. Aos 18 anos, fui convidado a produzir a festa de formatura da turma da escola. A experiência foi tão positiva, que montei outro empreendimento, a Shock Produtora, voltada a fazer eventos para instituições de ensino.
Três anos depois, eu, ainda muito jovem, uni forças com uma empresa concorrente. O negócio explodiu. Em dezembro de 2006, a empresa fez 120 formaturas em 30 dias.
A criação do Grupo Besouro foi consequência da minha inquietude. Não consigo conviver com a gritante desigualdade social. Quando comecei a estudar o poder econômico e de desenvolvimento que há nas comunidades, conheci muitos empreendedores que dão certo, que ganham dinheiro — mais do que muita empresa do chamado “asfalto”, ou seja, aquelas que ficam fora das favelas.
A Besouro propicia que mais pessoas vivam a possibilidade de fazer diferente, com todas as dificuldades que enfrentam. Isso para mim é um prazer inexplicável.
Estar perto do público menos favorecido — e aqui entenda-se a população que recebe menos assistência do poder público — é muito gratificante. Não apenas vivi essa ascensão na minha vida, como vi inúmeros outros casos crescendo a partir da vontade própria e com pouco conhecimento.
O objetivo da Besouro é transformar a vida de uma pessoa, uma família, de uma rua, de um bairro — não importa o alcance.
Mundo Agro: Em quais setores vocês atuam hoje e quantas pessoas já participaram dos cursos e passaram a empreender com o apoio do Instituto?
Vinicius Mendes Lima: Os projetos da Besouro já impactaram mais de 810 mil pessoas em 28 países. Já capacitamos mais de 172 mil pessoas e, como resultado, mais de 109 mil novos pequenos negócios foram abertos em todo o mundo. Hoje, trabalhamos em três frentes principais: educação empreendedora; educação para o futuro do trabalho; e pesquisa e análise de dados.
Na educação empreendedora, usamos a metodologia By Necessity, que ensina de forma prática e acessível como abrir pequenos negócios com baixo ou nenhum investimento inicial. A By Necessity parte do conhecimento e das experiências de cada aluno para ajudá-los a começar o próprio negócio, aliando sonho e necessidade.
Já na educação para o futuro do trabalho, levamos a cultura maker para escolas e espaços públicos, com oficinas de robótica, programação, impressão 3D e outras tecnologias que ampliam o repertório dos jovens e fortalecem o vínculo com a aprendizagem.
Nessas oficinas, os alunos aprendem fazendo — as atividades estimulam a inovação e a criatividade, desenvolvem habilidades técnicas e ajudam a melhorar o desempenho escolar dos estudantes.
Por fim, realizamos pesquisas e análises de impacto social com os alunos, gerando dados socioeconômicos que, além de embasar melhorias nos próprios projetos, podem contribuir para políticas públicas mais eficazes.
Mundo Agro: Como nasceu a ideia do projeto Agro Maker? E como tem sido a experiência até agora? Quem é o público que mais busca essa formação e que tipo de retorno vocês já observaram?
Vinicius Mendes Lima: A Besouro começou com educação empreendedora, que é capacitar pessoas para o empreendedorismo, nesse caso, o público são pessoas que tentaram se inserir no mercado de trabalho ou saíram do mercado de trabalho. Mas, no desenvolver do projeto, percebemos o problema de formação de base, um problema estrutural de educação.
Baseados nisso, começamos a desenhar projetos voltados para o futuro do trabalho. Ou seja, inserir a tecnologia na vida de crianças, adolescentes e jovens.
O Agro Maker surgiu nessa vertente de educar para o futuro do trabalho. Muitas vezes, o que acontece com aqueles que tentam se inserir no mercado de trabalho é falta de acesso à tecnologia, falta de oportunidades, falta de conhecimento. Dentro desse contexto de voltar o olhar para crianças e jovens, a gente percebeu um grande déficit dentro do agronegócio.
Precisávamos contribuir para que adolescentes e jovens deixassem de sair de suas comunidades para ir para as capitais porque eles não tinham qualificação profissional para trabalhar ali.
Um dos retornos mais interessantes que a gente recebeu é o impacto imediato que o conhecimento adquirido pelos jovens traz para as suas famílias e para as comunidades.
O que os estudantes aprendem no Agro Maker, eles colocam em prática na lavoura dos pais ou na horta comunitária da escola. Até as noções de marketing que recebem no curso são beneficiais para os negócios das famílias.
Mundo Agro: Quais foram os maiores desafios na implementação do Agro Maker, especialmente em regiões mais afastadas dos grandes centros?
Vinicius Mendes Lima: A logística e a conectividade em regiões mais afastadas são sempre desafiadoras. Levar capacitação, tecnologia e metodologia empreendedora para o interior do país exige muito mais do que planejamento. Exige presença, escuta e adaptação verdadeira à realidade local.
Muitas vezes, a estrutura de internet é limitada, o acesso às comunidades exige deslocamentos longos e, em alguns casos, até a desconfiança inicial precisa ser quebrada com diálogo e exemplos concretos. Mas foi justamente aí que o Agro Maker se fortaleceu. O programa se molda a cada território. E tem, como um de seus princípios, respeitar as culturas locais.
Mundo Agro: O que você espera dos jovens formados pelo Agro Maker nos próximos 10 anos?
Vinicius Mendes Lima: Os alunos do Agro Maker aprendem sobre empreendedorismo rural, automação, mecanização, finanças e até sobre drones agrícolas. O curso está formando uma juventude qualificada no campo. Nos próximos 10 anos, eles vão multiplicar informação, se capacitar ainda mais e provar, na prática, que é possível empreender no campo com inovação e sem perder as raízes.
Temos o papel de mudar a realidade de jovens que, muitas vezes, precisam sair dos seus municípios porque não encontram oportunidades na região onde vivem. Queremos contribuir para que eles possam permanecer perto de suas origens se essa for a vontade deles.
Mundo Agro: Sem o apoio de parceiros — públicos e privados — seria possível chegar até aqui?
Vinicius Mendes Lima: A Besouro chega onde ninguém chega. Então, não há como executar esse trabalho sem o apoio de parceiros públicos e privados. Os parceiros se utilizam da expertise da Besouro para chegar a esses territórios.
A gente não oferece produtos e serviços desconectados da realidade. Temos parceiros que vivem nos locais e conhecem cada realidade. Se por um lado temos grandes parceiros públicos e privados que nos permitem viabilizar os projetos, por outro lado, muitas ONGs e pequenas instituições locais nos apoiam. Por isso, a gente consegue chegar tão longe. Nós não apenas temos parceiros como vivemos nas comunidades.
Mundo Agro: Para você, empreender é?
Vinicius Mendes Lima: Empreender é resistência, é coragem, é transformar um sonho em realidade. É acreditar que, mesmo vindo da viela ou da quebrada, a gente pode criar, inovar e construir um futuro diferente — não só para a gente, mas para toda a comunidade.
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