Botafogo representava o exótico, antes da decadência
Nos domingos em que passava no seu clube de campo, o Macabi, pode-se dizer que o Botafogo o acompanhou em muitas ocasiões
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Para um garoto que sempre gostou de marzipan e bala de alcaçuz, o Botafogo dos anos 70 e 80 era encantador. Por transmitir algo exótico. Dos grandes clubes do Rio, dava um jeito de se encaixar, meio que impulsionado pela sua história e montando equipes cheias de diversidade, aparentando ser uma espécie de "catado" que dava certo.
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E, com aquele uniforme tradicional listrado com fortes contornos e meias pretas, reunia jogadores com características próprias, identificados com essa excentricidade, como Perivaldo, Dé, o loiro Rocha, Osmar, Paulo Sérgio, Marinho Chagas, Ziza, Marcelo, Ademir Lobo e o craque Mendonça.
Nos domingos em que passava no seu clube de campo, o Macabi, pode-se dizer que o Botafogo o acompanhou em muitas ocasiões, quando ouvia um rumor aqui e ali sobre os jogos transmitidos pelo rádio.
Andava pelo amplo espaço naquelas tardes, mais observando do que conversando.
Via os senhores sentados em suas cadeiras, outros assistindo F-1 naquelas antigas TVs portáteis a pilha, passava pelo balcão coberto da Malka, que vendia falafel, e chegava até a parte do fundo, onde havia um grande campo, uma quadra de bocha, onde seu tio se divertia com os amigos, e uma quadra aberta.
Quando não conseguia entrar em algum jogo de bola, voltava para a parte da churrasqueira, após caminhar solitário por uma ladeira grameada, que ficava já nos limites do clube, perto de uma cerca de onde se via uma volumosa vegetação.
A própria experiência de estar lá era exótica. Não era o clube dos ricos. Na comunidade, havia outro, a Hebraica, próximo dos Jardins. No Macabi, hoje esvaziado, iam mais as famílias que moravam no Bom Retiro e parte de Higienópolis e que não eram abastadas.
Em meio à atmosfera bucólica, pairava então uma sensação de exclusão que se encaixava no menino. Ele também se sentia exótico em sua identidade. Seus amigos da escola não eram frequentadores do clube, o que o fazia se ver de como estranho.
Por outro lado, ele também não se considerava exatamente incluído por lá. Pairava de um lado ao outro, colecionando vivências, vendo as reações humanas, por entre familiares e conhecidos que estendiam toalhas na grama e riam e discutiam e choravam e conversavam em busca de um sentido.
A ligação com o mundo lá fora eram as comuns narrações de jogos pelos rádios, a se misturarem com o canto dos pássaros e com o cheiro de mato, no distante bairro do Tremembé.
No mais memorável jogo do Botafogo, já no estacionamento com chão de pedras, ouviu o gol de Everton, do São Paulo, que, em um sem-pulo sensacional fez o terceiro, na vitória por 3 a 2, e eliminou o Botafogo do Brasileiro, em 1981, de virada.
Ele não sabia, mas aquela época era o começo da decadência botafoguense.
Parecida com o entardecer que envolvia a cidade, quando ele voltava no carro junto aos familiares, com o sol se escondendo por trás dos prédios da Prestes Maia e da Santos Dumont.
Era muito repetido, na época, o nome de Charles Borer, então presidente do Botafogo. Era um nome que ele admirava, dava uma imagem de força. Só recentemente, ao pesquisar na internet, descobriu que, em vez de ser o patriarca que ele imaginava, o dirigente vendeu o patrimônio botafoguense e repetia frases desvalorizando a torcida e o próprio futebol.
A cada dia nos despedimos um pouco mais da infância. Nestas descobertas, há aprendizados e decepções. Exóticas, por serem individuais.
Assim como eram, para ele, as noites daqueles domingos. Quando tudo se tranquilizava. No silêncio do quarto, as imagens do dia, os conhecidos, a Malka, a grama, o Botafogo, as narrações de futebol e o pôr-do-sol se misturavam em seus pensamentos. Antes mesmo dele adormecer, já faziam a vida parecer um sonho.
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