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Futebol na Hungria volta a ser motivo para intolerância

Regimes de direita e de esquerda fomentaram discursos de ódio, em que até o sobrenome alemão Purczeld mudou para Puskas

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Escritor judeu já ouviu insulto racista em jogo
Escritor judeu já ouviu insulto racista em jogo Escritor judeu já ouviu insulto racista em jogo

Numa Europa marcada por convicções nacionalistas, futebol e intolerância se tornaram símbolos de algumas sociedades locais. Hungria e Alemanha, que se enfrentam nesta quarta-feira (23), pela Euro 2020, são dois exemplos que, no pêndulo da história, oscilaram entre um e outro em diferentes momentos.

O futebol na Hungria, sempre foi uma forma da população pobre de Budapeste e outras cidades se sentirem incluídas. Ferenc Puskas era um dos garotos que jogavam na rua, enquanto o país fervilhava em regimes políticos autoritários.

Para se livrar de ameaças, sua família adotou novo sobrenome em 1935, fugindo da origem alemã em um momento no qual o regime nacionalista de extrema-direita do almirante Miklos Horthy exigia fidelidade plena. A família então, mudou o sobrenome Purczeld para Puskas.

Os jogos no país costumavam, e ainda costuma, ser marcados por uma intolerância que fervilhava em uma sociedade atormentada pela perda de territórios e por regimes autoritários, corruptos e manipuladores.

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O rolar da bola expressava um sentimento de libertação, que se misturava a gritos antissemitas e homofóbicos, como até hoje ocorre no país, agora sob o regime do presidente Viktor Orban, de extrema-direita.

Ondas imigratórias e guerras fizeram os húngaros perderem mais de dois terços de seu território desde o fim do século 19.

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Antes, eles já haviam perdido outra parte por causa da invasão dos turcos-otomanos. Isso explica, e nem de longe justifica, a prevalência de um discurso de ódio que se perpetuou em boa parte da sociedade local.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o país oscilou entre o comunismo, que durou apenas quatro meses em 1919, no regime de Bela Kun, executado para que a extrema-direita, de Miklos Horthy assumisse, em 1920, para ficar, aliado dos nazistas, até 1944, quando os soviéticos, comunistas, retomaram o controle do país, no fim da Segunda Guerra.

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Jogos ocorriam em meio à guerra e a ascensão do famoso time do Kispest Honved, base da seleção húngara, serviu como um cartão postal para o regime comunista. 

Ferenc Puskás, Zoltán Czibor, Sándor Kocsis, Nándor Hidegkuti, József Bozsik e Gyula Grosics, inclusive, eram vistos como símbolos da Hungria e, na Copa de 1954, se depararam com uma Alemanha que queria se desfazer do vínculo com o nazismo.

Em campo, os húngaros eram mais soltos. Eram campeões olímpicos e acumulavam sequências invictas, contra grandes seleções.

Mas, fora dele, o regime húngaro ainda era aprisionante, apesar de o presidente Imre Nagy, entre 1953 e 1955, ter promovido um regime mais aberto, tirando até a exclusividade do Partido Comunista, mas tendo sido destituído em 1956, para aí sim, com uma reação brutal, os soviéticos invadirem a Hungria e, dois anos depois, executarem Nagy, colocando o país sob a linha-dura de Janos Kadar (que havia sido ministro do rebelde Nagy).

Os alemães, ao contrário, eram mais pesados dentro de campo, mas começavam a construir um regime de liberdade, após anos de nazismo e seu regime atroz e intolerante. Prevaleceu, naquela Copa, a liberdade fora de campo, com os alemães se sagrando campeões.

Puskas e seus companheiros eram constantemente perseguidos e punidos pelo regime. Até que, em 1957, alguns foram suspensos, como punição por uma excursão que o Honved fez à América do Sul. A Fifa atendeu ao pedido da Associação Húngara de Futebol.

A criatividade do futebol húngaro, usada pelas autoridades comunistas como símbolo da estratégia perfeita, estava totalmente atrelada a interesses obscuros do regime.

O preconceito de boa parte da sociedade se mantinha silenciado pelo fechamento do governo para o mundo. Muitos judeus, conforme conta o escritor húngaro Péter Gárdos, ao Expresso, sobre o regime de Kadar, sentiam uma animosidade velada.

"O pacto era: se quiserem viver aqui, ficam calados. Se aceitarem a nossa ideologia, não questionamos a vossa origem", disse.

Gárdos também sofreu preconceito em um jogo de futebol, em 1989, na Hungria, quando os policiais não o acudiram após ele ser insultado. Naquele ano, a Hungria já havia saído do regime comunista, que perdurou até 1988.

A sociedade, atormentada, procurava novas diretrizes sob um regime de liberdade, privatizações, problemas econômicos e eleições, de onde emergiram partidos como o MDF (Fórum Democrático Húngaro), o MSzP (Partido Socialista Húngaro) e o Fidesz, do atual premiê Orban.

Em 2008, a intolerância ocultada pelos anos de comunismo começou a aparecer com mais ênfase, quando a Uefa suspendeu o Honved, após insultos racistas de torcedores em um jogo contra o Sturm Graz.

Com a onda de refugiados da Ásia e da África, em 2015, a postura do governo espelhou o discurso de ódio que prevalecia.

O atacante Mbappé, da França, reclamou de insultos racistas em jogo contra a Hungria, no sábado (19), pela Euro. O racismo, aliado à postura do governo de rejeitar a manifestação em defesa dos LGBT no estádio de Munique, mostram que, da esquerda à direita, a história do preconceito na Hungria continua. Adaptada apenas aos novos tempos. 

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