Grécia Antiga também serve para quem gosta de futebol
No momento em que estudava História com o pai, o menino só queria falar sobre assuntos ligados ao futebol
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
O menino liga o tablet e, com uma dose de má vontade, clica no botão que aciona o moodle, ferramenta que o conecta com os assuntos da escola. A tecnologia o faz se deparar com um tema antigo: a Grécia, berço da civilização ocidental.
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Diante de mapas do Peloponeso e desenhos da Acrópole, ele diz para o pai:
"Quero ver coisas sobre futebol, é muito mais legal", conta o esperto garoto.
O pai, alcançando do fundo da memória palavras como Gerúsia e Eupátridas, tenta buscar na retórica grega alguma explicação para manter o filho entretido. E solta, movido pela intuição.
"Mas saber sobre a Grécia é também saber sobre futebol", emenda.
E logo ouve a resposta implacável, que o acua, em tom de desafio.
"Como? A Grécia não é tão boa no futebol, já perdeu muitas vezes!"
O pai se vê em uma enrascada. Do futebol grego, conhece algumas equipes grandes como o AEK e o Panathinaikos, de Atenas, e o Olympiacos, de Pireus, na grande Atenas.
"Eu sei, mas, por outro lado, nem sempre o melhor vence. A seleção brasileira de 1982 tinha o melhor time mas foi eliminada da Copa", respondeu o pai.
Da retórica, passou para a filosofia. E sem perceber, estava viajando pelos conceitos da Grécia. Ou melhor, de Atenas. Porque, lendo junto com o menino, lembrou-se que Esparta era uma cidade-estado, completamente diferente.
"Quem era melhor, Atenas ou Esparta"?", perguntou-lhe o filho.
E lá foi o pai quebrar a cabeça novamente. Explicou que uma era o oposto da outra.
Atenas criou a democracia. Ainda era algo precário em comparação com os melhores modelos de hoje, mas foi um importantíssimo início.
Por ter sido povoada pelos jônios, de cidades próximas do mar, como Mileto, Atenas tinha em seu espírito a busca das descobertas: marítimas, tecnológicas e...existenciais. Condições estas que abriram caminho para a poesia, a mitologia e a filosofia. A vida em Atenas era muito ligada à cultura, às artes e ao Esporte como qualidade de vida.
Esparta, até hoje na região da Lacônia, tinha um caráter muito mais militar. As crianças aprendiam apenas o básico: ler, escrever e contar. A mitologia tinha forte influência, mas, mesmo assim, desde cedo, os meninos se voltavam a treinamentos de guerra, morando inclusive longe dos pais. E falando o mínimo necessário. Daí o termo lacônico para aqueles que pouco falam.
Esparta venceu Atenas, que também era forte militarmente, mas de outra maneira, na Guerra do Peloponeso (431 a 404 a.C.). Antes, ambas unidas haviam vencido as Guerras Médicas, contra os persas (499 a.c a 449 a.c). Mas, após a vitória no Peloponeso, Esparta se enfraqueceu e a Grécia acabou sendo dominada pelos macedônios e pelos romanos.
"Acho que Atenas era melhor do que Esparta", concluiu o menino. E explicou.
Disse que, assim como no futebol, é melhor jogar um futebol criativo, solto, para frente, do que ficar na defesa, com uma estratégia militar típica dos espartanos.
O pai concordou em grande parte, pensando em times como a própria seleção brasileira de 1982, cuja filosofia era muito mais ateniense do que espartana.
Mas, por outro lado, logo lhe veio na mente uma réplica, como se iniciasse consigo mesmo uma discussão socrática. "Mas a seleção de 1994, que parecia mais espartana, também tinha algo de ateniense. É difícil ter apenas um dos lados".
Muitas vezes, o coletivo prevalece. Menos é mais. Em outras, o individualismo é mais decisivo.
Os contrastes, levados de forma construtiva, vencem batalhas, como a das Guerras Médicas. E enriquecem a filosofia, a cultura e as discussões sobre futebol. Fazendo até um menino que só pensa em futebol passar a gostar de estudar História no tablet.
"Até que eu achei legal esse negócio de Grécia e futebol, pai", disse o garoto. "Gosto dessa polêmica", completou.
Polêmica, aliás, é uma palavra grega.
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