Messi e as brigas constantes do futebol argentino
Na briga do Boca, não se justifica qualquer explicação de que "o juiz roubou", de que "ele me provocou"
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
O que aconteceu no vestiário do Mineirão após a eliminação do Boca Juniors para o Atlético-MG é muito mais do que uma simples briga de quem estava com a cabeça quente.
Acostumou-se por aqui, com uma certa submissão, a se louvar o futebol argentino de todas as formas. Parece haver um chip na cabeça de muita gente, que repete sempre um discurso padrão de depreciação apenas quando o assunto é futebol brasileiro.
Mas essa cultura violenta, não só de torcedores, mas de alguns jogadores, membros das comissões técnicas e dirigentes, na Argentina, não é uma característica glamourosa. É um sinal de que, há anos, há décadas, existe algo de muito grave em parte da sociedade argentina.
Que, por outro lado, tem aspectos muito evoluídos, que propiciaram a arte de Ricardo Darín, as obras humanistas de Jorge Luis Borges, o orgulho entristecido do tango e a voz profunda de Mercedes Sosa.
Diante de tanta sensibilidade, não é natural os jogos na Argentina serem tão intimidadores, com torcedores gritando cantos de guerra violentos, muitas vezes camuflados por cânticos criativos que apenas indicam romantismo.
Enquanto cantam, jogam objetos, ameaçando qualquer representante do adversário.
Já falei aqui sobre a obra "As veias abertas da América Latina", escrita pelo uruguaio Eduardo Galeano, um apaixonado por futebol.
A tal ascendência europeia dos argentinos, algo que, em infame declaração, o presidente argentino Alberto Fernandez louva, também explica um pouco deste ímpeto existente em parte da sociedade local.
A origem europeia não é a única no país. Ela também contribui para explicar essas posturas de ódio, daqueles que argumentam terem "sangue nas veias".
É o mesmo ímpeto, contrariando a exaltação do presidente, moldado na relação selvagem de exploração do continente.
Acompanhada da frustração dos dominados e da opressão odiosa dos dominadores.
Resultante do permanente derramamento de sangue, indígena, de opositores nas inúmeras ditaduras locais, de adversários.
Quem tem sangue nas veias, na verdade, é o educado, o equilibrado, o assertivo diante de uma adversidade, aquele que é maduro diante de uma derrota.
Não se justifica qualquer explicação de que "o juiz roubou", de que "ele me provocou". De que "argentino é bravo mesmo".
Basta relatar.
Os jogadores Villa e Pavon arremessaram bebedouros nos seguranças e funcionários do Atlético-MG. Policiais receberam cusparada de Zambrano. Norberto Briasco agrediu um dos funcionários com uma barra de ferro.
Mariano Rojo e Diego González agrediram seguranças e funcionários, com Rojo pegando um extintor de incêndio. As grades foram usadas como armas e, em determinado momento, emergiu das cenas até mesmo um ímpeto assassino.
Onde é que estamos? Que exemplo é esse dado pelo mais popular clube argentino? Sangue nas veias é isso? Futebol de garra? Se há alguma explicação lógica, por que tais absurdos só se repetem quando há alguma equipe argentina envolvida, e derrotada?
Não se trata de um caso isolado.
A Conmebol, há muito tempo, tem adotado uma postura conivente com este tipo de barbárie.
Que tem sido considerada por muitos, erradamente, como glamour.
É um drama humano, incitado no mesmo ódio que De Paul tinha ao iniciar um cântico para depreciar os brasileiros, após a vitória na última Copa América.
É algo que precisa ser tratado com seriedade.
A mesma seriedade que levou Messi, um exemplo da educação argentina, a interromper, com autoridade, a provocação de De Paul.
Somente posturas como a de Messi é que bloquearão a irracionalidade e, organizando de verdade os valores do esporte, ajudarão a cicatrizar as veias abertas do futebol argentino.
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