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Músicas feitas em campos de concentração são tocadas em Israel

Evento é parte da comemoração dos 70 anos do Estado de Israel e foi regido por italiano que recuperou as composições, feitas de esperança

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Sobrevivente Aviva canta acompanhada por Lotoro
Sobrevivente Aviva canta acompanhada por Lotoro Sobrevivente Aviva canta acompanhada por Lotoro

Eles viam as farpas das cercas do campo de concentração nazistas e as transformavam em pautas musicais. Os nós dos arames eram notas. Era assim que, enclausurados e torturados, muitos prisioneiros judeus esqueciam a fome: cantando.

Quem disse isso foi um jovem prisioneiro, Manka, para quem foi dedicada uma música. Na letra de Zitra (Amanhã), feita nos galpões silenciosos de noites soturnas, Manka é o protagonista, e aguarda com expectativa o dia em "que todos serão felizes". A música foi composta por outro prisioneiro, Joseph Roubicek, em homenagem ao jovem.

Um total de 11 canções, incluindo essa, foi apresentado no último domingo (15), em Jerusalém, em evento que faz parte das comemorações dos 70 anos do Estado de Israel, o Notes of Hope (Notas da Esperança). As informações são do The Guardian.

Foi uma noite emocionante. A apresentação foi patrocinada pelo Jewish National Fund UK e teve a presença do ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman. Pela primeira vez as músicas foram apresentadas em público. Elas foram compostas por prisioneiros quando estavam nos campos de concentração.

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Como mensagem de prisioneiro do campo de concentração de Auschwitz foi decifrada após 7 décadas escondida

Neste notável trabalho de recuperação das partituras e das melodias, o pianista e compositor italiano, Francesco Lotoro, 54 anos, pesquisou por mais de 30 anos, em vários países, as músicas, sinfonias e óperas feitas durante o Holocausto. Como regente do evento, ele destacou:

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— Algumas [das músicas] foram escritas em cadernos, em sacos de carvão, embalagens de comida, ingressos. Uma ópera de cinco atos foi encontrada em folhas de papel higiênico. E parte da músicas foi mantida apenas nas memórias dos sobreviventes, agora com seus 80 e 90 anos.

Lotoro viajou pelo mundo, procurando em livrarias, sótãos e arquivos, e entrevistando sobreviventes, conforme relata o jornal inglês.

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— Eu salvei e gravei 8.000 músicas, mas há mais de 10.000 esperando para serem decifradas e que eu ainda não toquei.

As composições foram apresentadas por dezenove crianças de duas academias de música no deserto Negev, que treinaram por dois anos com Lotoro, e pela Orquestra Sinfônica de Ashdod.

Como judeu, Lotoro disse que sua busca continuaria.

— Não posso parar. Eu sinto um dever moral como pessoa, como judeu, de continuar. É uma mitzvá [uma boa ação religiosa], uma reparação.

Também participaram alguns dos artistas mais eminentes de Israel, que cantaram em hebraico, ídiche, alemão, tcheco e romani. Entre as cerca de 3 mil pessoas presentes, estavam sobreviventes e familiares de vítimas do nazismo.

Música e esperança

Para compensar a crueldade da vida concreta, a música enriquecia o mundo abstrato e ajudou muitos prisioneiros a sobreviverem, alimentados pelas melodias e pelas letras esperançosas e otimistas.

Entre os aprisionados havia muitos cantores famosos de óperas e músicos de alto nível, que ajudaram também a trazer outros para essa atmosfera mais tranquilizadora. Um estado de espírito vivo, dentro do espírito da morte encarnado nestes campos.

Outro momento marcante foi a apresentação da sobreviente Aviva Bar-On, de 85 anos, que cantou uma música que ela memorizou na infância. A canção era repetida pela menina Aviva, que a conhecia desde os nove anos, enquanto vivia sob o controle de guardas brutais no campo de Theresienstadt (hoje Terezin), na Tchecoslováquia anexada pela Alemanha.

Cantando com clareza, ela resgatou apenas a sua essência, vitoriosa naqueles anos de morbidez. A melodia transcendeu o tempo, rompeu as barreiras do entendimento humano e se sobrepôs com tanta força, que parecia esmagar com amor a mesquinhez, e revelar com nitidez toda a fragilidade daquele regime e dos homens que o compunham.

A música cantada por Aviva era inédita, nunca havia sido apresentada. Foi composta pela poeta e música judia Ilse Weber, que mais tarde morreu nas câmaras de gás em Auschwitz.

Muitas vezes, os prisioneiros utilizvam a cantoria para disfarçar a dor de ver seus colegas irem embora, sem saber ao certo para onde. Aviva não só lembra da música, mas do cenário em que ela foi cantada muitas vezes. Em uma precária "clínica" do campo, em que ela passava os dias, se recuperando de uma doença.

— Foram anos muito difíceis de fome, doenças e epidemias. A coisa mais terrível para mim foram os banheiros e as longas filas. A situação de higiene era muito ruim. Mas a vida musical do acampamento era muito rica. Havia famosos cantores de ópera e músicos de alto escalão. Houve muitas apresentações e um coral feminino. Nós não sabíamos sobre as câmaras de gás. Quando as pessoas recebiam a ordem para ir ao trem, não sabíamos para onde estavam indo.

Aviva conta que a poeta Weber a ajudou naqueles momentos de aprisionamento e de internação.

— Ela era uma senhora maravilhosa e sorridente. Ela tocava bandolim e cantava; algumas de suas músicas eram muito engraçadas. Agora sou a única no mundo que se lembra delas. (No campo) as pessoas queriam ser otimistas, sempre buscávamos ver algo positivo, porque tudo era tão terrível. A morte acontecia todos os dias.

Companhia de teatro

Em Westerbork, outro campo de concentração, estava preso Max Ehrlich, um proeminente intérprete, artista de destaque na vida cultural de Berlin, com seus cabarés, nos tempos pré-guerra. Ele se uniu ao músico Willy Rosen para criar no campo o Grupo de Teatro Westerbork.

Quem contou a história foi o sobrinho de Max, Alan Ehrlich, nascido sete anos após a morte do tio, conforme informou o The Guardian.

— De repente, o melhor cabaré da Europa foi encontrado em um campo de concentração. As músicas deles se transformaram em sucessos de Westerbork, com prisioneiros constantemente cantando.

Alan passou décadas pesquisando a vida e a obra de Max e, em 1998, fez uma descoberta importante. Encontrou partituras, letras, roteiros e instruções feitas pelo tio. Quem o ajudou a recompor as músicas e as apresentações foi outro sobrevivente: Louis de Wijze, participante do grupo.

Muitos deles cantavam para sobreviver. Da primeira fila, o comandante do campo via todas as apresentações. E se divertia com as canções, piadas, esboços e danças. Por isso, ele manteve, por um tempo, os nomes dos artistas fora das listas dos destinados aos campos da morte.

— Eles estavam cantando por suas vidas.

Mas nem o talento livrou Max da traição dos oficiais. Ele foi deportado para Auschwitz em 1944. Foi reconhecido por um guarda nazista e obrigado a cantar pela última vez antes de ser morto. Alan afirma que a música, porém, serviu para eternizar a imagem do tio que ele não conheceu.

— Nos campos, houve uma explosão de criatividade. Quando sua vida está em perigo, você cria mais como um testamento para o futuro. 

Alan considera que as futuras gerações precisam ter em mente o que realmente foram os campos nazistas. E eventos como este em Jerusalém, onde ele esteve presente, servem também para esse objetivo. No período nazista, cerca de seis milhões de judeus foram executados. E também foram assassinadas vítimas como ciganos, negros, homossexuais e outros civis de vários países.

— No mundo de hoje existem histórias conflitantes [sobre o Holocausto] que são mentiras totais. É muito importante estabelecer o que aconteceu como fato absoluto.

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