O que é necessário para o sucesso de uma Liga de futebol no Brasil?
Para que proposta enviada recentemente por clubes à CBF dê certo, são necessárias mudanças no futebol e na sociedade
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Para que uma Liga Nacional tenha sucesso no Brasil, conforme os grandes clubes propuseram recentemente, em reunião na CBF, o futebol brasileiro precisa mudar.
Precisa ser como era no tempo em que Sócrates, maior ídolo do Corinthians, ia para o Parque São Jorge em seu simples Fiat 147, verde oliva. E ninguém lhe cobrava o que hoje, no mundo dos valores distorcidos, se chama de respeito.
Quando Sócrates estacionava o carro no espaço ao lado do campo, embaixo de uma parte da arquibancada, dezenas de torcedores e frequentadores do clube o esperavam, sem, no entanto, roubar-lhe a intimidade.
Assim como os outros jogadores, após o banho no vestiários, ele se misturava a sócios de maiô, que acabavam de sair da piscina, jovens de boné, crianças com bandeiras, bolas e picolés na mão. E dedicava pelo menos meia hora do sábado ensolarado a autógrafos e conversa, de cabelos molhados, bolsinha na lateral e a perna com a calça jeans apoiada no muro.
No momento de encerrar os autógrafos, dizia, placidamente, "Agora chega, pessoal." Era atendido, pelo menos por uma maioria que ainda entendia o que era limite e que não ameaçava sua integridade física.
Em várias ocasiões, Sócrates deu carona para torcedores que vestiam a camisa de outras equipes, sem ser policiado ou "miliciado."
Para que tenha sucesso uma Liga no Brasil, dirigentes do Flamengo não podem mais achincalhar o Botafogo, após ficarem contrariados com uma ou outra declaração que feriu seus egos. Não podem exigir isoladamente que o futebol volte em meio à pandemia.
Para que uma Liga seja bem-sucedida no Brasil, o Palmeiras deveria aceitar o adiamento do jogo do Flamengo, quando a equipe tinha vários com covid-19, no Brasileiro de 2020. O clube dos 13 não deveria ter sido desfeito por interesses individuais de cada clube.
Para que uma Liga tenha êxito no Brasil, técnicos como Renato Gaúcho teriam de aceitar comandar rivais de suas ex-equipes, num maior sinal de tolerância, sem acirrar os ânimos de uma rivalidade irracional.
Para uma Liga ter sucesso no Brasil, alguns jornalistas não deveriam incitar rivalidades, considerando natural corintiano não usar verde, sem perceber que a inocente brincadeira acaba sendo a ponta de um iceberg para a intolerância e falta de empatia, dos que vivem de aparência e de tentar preencher um vazio nas redes sociais.
Trabalhos de jogadores e técnicos também não deveriam ser tão depreciados como têm sido.
Muitos torcedores, jogadores e dirigentes não precisariam ser tão influenciáveis. Em vez de jogarem para a plateia, poderiam tentar pensar por si mesmos e buscar o bem comum.
E ainda se perguntarem, por trás da aparência, se buscam alguma verdade no que fazem.
Para que uma Liga vingue no Brasil, seria conveniente ter a coragem de ir além da "solidariedade e a conscientização por um dia", presentes em momentos como o acidente da Chapecoense e a primeira semana da pandemia, mas logo esquecidos.
Para se ter uma Liga plena no Brasil, a sociedade deveria entender qual o valor e o sentido do futebol.
Se é a integração por meio do amor pelo futebol ou a competição por meio do apego aos próprios interesses.
Para se ter uma Liga empolgante no Brasil, os clubes e os treinadores deveriam advertir jogadores que cercam árbitros, que simulam faltas, que dão entradas desleais.
Seria bom se não mais reclamarem mesmo sabendo que não foram prejudicados.
Também poderiam ter mais consideração com técnicos em início de trabalho e não demiti-los na primeira crise, para se eximir da própria responsabilidade perante a mídia e a torcida, que compõem uma ciranda de insanidade.
Para se ter uma Liga eficiente no Brasil, seria necessário encontrar um mediador justo, um gestor que não se apegue apenas a palavras modernas e joviais, a números e prime pelo humanismo. E que eles sejam respeitados por todas as partes, até aquelas que abrirão mão de algo (será?).
Para se ter uma Liga bem-sucedida no Brasil, é preciso tudo isso e muito mais. Confiança nos dirigentes, uma CBF aberta e a serviço dos clubes e o reconhecimento das derrotas sempre que elas surgirem.
Quando existir essa Liga no Brasil, ela será símbolo de uma sociedade que amadureceu.
Se todas essas condições forem consideradas ingênuas e, mesmo assim, se tentar criar uma Liga eficiente no Brasil, o resultado não tardará a aparecer.
Depois de um tempo, será possível perceber que, se essas condições não se desenvolverem, ingênua é a própria ideia da criação de uma Liga Nacional de sucesso no Brasil.
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