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O silêncio absoluto nos tempos de coronavírus

A humanidade embarcou junta numa viagem pelo tempo e pelo espaço, parecendo ter sido levada a outra dimensão, a outra era

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7

Quadras ficaram vazias na cidade silenciosa
Quadras ficaram vazias na cidade silenciosa Quadras ficaram vazias na cidade silenciosa

Um dia, em 1951, o compositor norte-americano John Cage (1912-1992) se viu desafiado pelo conceito de silêncio.

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Em busca do silêncio absoluto, entrou numa câmara anecoica, ou seja, uma cabine totalmente à prova de sons.

Ficou lá por alguns minutos e, ao sair, concluiu com as seguintes palavras: o silêncio absoluto não existe.

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Dentro do local, mesmo sem nenhum som exterior, ele não conseguiu deixar de ouvir um som agudo produzido por seu sistema nervoso, e outro grave, resultante da circulação do sangue. O interior do ser humano, portanto, jamais se cala.

Enquanto um homem vivencia a estranheza da quarentena, sua mente e suas emoções vão relatando uma série de acontecimentos. Fazem coro com seus sistemas nervoso e circulatório.

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Neste sentido, à sua experiência, Cage deveria acrescentar o pensamento e as emoçóes humanas como algo que também quebra a ausência de som.

O homem, então, fica de frente para a quadra do prédio onde o menino joga futebol. Está trancada.

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Ao fundo, olha para os edifícios e seus apartamentos iluminados que continuam por lá, mantendo a mesma forma, apesar do conteúdo ausente.

As imagens da criança jogando bola, fazendo zigue-zague nos cones, com o professor Mário a estimulando, no entanto, são nítidas.

Assim como a fala incessante, a pureza dos gestos, as brincadeiras, os desafios de falta, de dribles, de esforço e descontração.

O barulho dessas cenas se mantém mesmo no silêncio externo da quadra, do prédio e da cidade quase adormecida.

Muito mais do que o coronavírus, o invisível dá espaço para que os acontecimentos continuem presentes na imaginação humana.

Há até aqueles que preenchem o silêncio com o som da torcida nos estádios. Com aquele murmúrio uníssono da multidão efervescente. Som intermitente, sempre presente.

O mundo parou neste mês de março. De repente. Em 31 de dezembro, todos comemoraram o réveillon pensando em vivências menos ameaçadoras para esse ano.

E, também de repente, toda a roda-viva da rotina se transformou numa espécie de contemplação.

A humanidade embarcou junta numa viagem pelo tempo e pelo espaço, parecendo ter sido levada a outra dimensão, a outra era, desnudando, por trás da ganância, da pressa, da globalização, da tecnologia, as limitações humanas. Planeta dos Macacos? Blade Runner?

Mas limitações fazem evoluir. Como são grandiosos os momentos rotineiros das aulas de futebol daquele menino. Até o entardecer se sente incompleto sem eles.

E como é grandioso um simples jogo de futebol. O clamor da torcida. Na reprise de um Flamengo e Vasco de 2009, viu Obina obstinado atrás do gol. Comemorando um, vislumbrando nele a sensação de imortalidade.

Luizão fez outro, em meio à explosão da multidão, que parecia eterna em seu clamor, assim como cada momento, cada reclamação, cada luta por um espaço, cada sorriso e cada lágrima. Nos botecos, nos palácios, nos estádios, nas ruas.

O novo coronavírus deixou mesmo os homens mais sensíveis.

Quando ele for embora, ficará a mensagem de que até uma briguinha entre jogadores nervosinhos não será tão absurda. Será imperfeita na bela existência. Aquilo que ele, coronavírus, tentou deixar abalada.

Obina, Luizão e outros hoje são-ex-jogadores. Passado, presente e futuro se unem quando o mundo para.

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Jogadores, ex-jogadores, pobres, ricos, estão no mesmo barco da verdade. Cheios de descobertas. Um treininho na quadra e um jogo épico também caminham juntos.

Os títulos se mostram, então, apenas alegorias dessas buscas. Elas é que valem mais. Coubertain dizia que o importante é competir.

O coronavírus está mostrando que a nossa rotina, anseios, um grande jogo de futebol nada mais são do que celebrações da vida. É verdade, Cage, o silêncio absoluto não existe.

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