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Saiba como Charlie Chaplin, cuja morte completa 40 anos, pode ser atual nos tempos modernos

Obra do cineasta inglês é crítica à indiferença humana e inspirou gerações

Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky

Mensagem de Carlitos espera o acolhimento das novas gerações
Mensagem de Carlitos espera o acolhimento das novas gerações Mensagem de Carlitos espera o acolhimento das novas gerações

O inglês Charlie Spencer Chaplin, um homem de estatura média, franzino, um dia ousou dizer que o progresso deveria ser usado para o bem-estar social. Foi tachado de comunista por isso.

E proibido, pelo macarthismo, de voltar aos Estados Unidos, onde havia desfrutado da liberdade criativa que antes emanara daquele país, quando o termo desenvolvimento integrava os lados econômico, cultural e humanista, dos tempos do presidente Franklin Delano Roosevelt (1933-1945).

Tempos difíceis aqueles anos 50, cheios de inovações e de consumismo pós-guerra. Um prenúncio de nossos tempos modernos. A data da morte de Chaplin, no último dia 25 de dezembro de 1977, completou 40 anos.

E desde que ele morreu, em sua casa na Suíça, aquelas passadas desengonçadas do personagem Carlitos, com os pés para os lados, parecem ter se enveredado por trilhas tortuosas.

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Parecem ter se perdido em tantas cidades desiguais, caminhando pelas luzes inebriantes da tecnologia mal utilizada; perambulando por selvas distantes, nas quais imperavam o egoísmo e a lei da sobrevivência; beirando, cambaleante, o abismo do esquecimento. Mas aguardando, com esperança, o acolhimento das novas gerações.

Quantos e quantos Carlitos não se multiplicaram nos últimos quarenta anos de descobertas e de exclusão, nesta paradoxal contradição entre desenvolvimento e desespero que é a vida?

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Vários vagabundos, de terno escuro e esfarrapado, cartolas e bengalas, nas periferias, surgiram de forma simbólica, refletindo a simplicidade, esta invertida em suspeitas, preconceito e muitas vezes traduzida na violência gerada pela exclusão.

Morreram em tiroteios, confundidos com bandidos, ou tendo se transformado neles. Foram desprezados nos farois, diante das tarefas urgentes de cada um. Nasceram em leitos precários, revigorando-se apenas na ilusão de um braço acolhedor. Lançaram malabares em troca de tostões, enquanto os carros se engalfinhavam à espera do farol verde, sem perceber a luz das estrelas e do olhar cansado daquele que lhes estendia a mão.

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Quem iria hoje aceitar Carlitos entrando em um salão VIP com aquele semblante indefeso, sem saber apertar o botão da senha ou se comunicar por WhatsApp? Acredito, no fundo, que a obra dele é tão atual, que abrange a mesma proporção de pessoas daqueles anos 10,20, 30, 40 e 50, em relação à frieza, à indiferença e à futilidade humanas, alvos da temática crítica de seus enredos.

A cor de seus filmes estava na alma dos personagens. A mensagem, emanava na voz interior de cada um, estampada em forma de silêncio. Ele chegou a se recusar a realizar obras faladas. Tendo começado a vida artística ainda criança, no teatro de revista, ele preferia o cinema mundo.

Assim o gênio descortinou para o mundo o espírito nobre do vagabundo que acolheu o garoto órfão, de perfil similar inclusive à história de Chaplin, em O Garoto (1921).

Ou se apaixonou pela generosidade e pureza da mulher cega que vendia flores, em Luzes da Cidade (1931). Ou clamou contra a padronização e submissão, na vida dos trabalhadores nas indústrias, em Tempos Modernos (1936).

Também denunciou as mazelas do autoritarismo, revelando, em discurso épico do protagonista, o desejo de que da democracia aflorasse a justiça social, a fraternidade e a esperança dos povos, em O Grande Ditador (1940).

Foi meu pai quem me apresentou Carlitos, contando-me, quando eu era criança, sobre algumas cenas de O Vagabundo (1915). Naquele tempo não era tão simples obter imagens.

Como médico, ele procurava alcançar as profundezas da alma dos pacientes. Suas consultas demoravam, ele auscultava, apalpava, observava a laringe com uma lanterninha, batia com o martelinho nos joelhos. Fazia isso mesmo com sua impressionante intuição de médico, já sabendo o diagnóstico desde o começo.

Fazia como Chaplin, tentando apresentar ao público toda a gama dos valores humanos, os saudáveis e os doentes.

Quando Chaplin morreu, meu pai, que também mantinha um bigode, porém vasto, entrou com passos suaves no meu quarto. De leve, me cutucou na escuridão. Ele sabia que eu ainda não havia dormido. Sentou à beira da cama e falou:

— Perdemos um grande homem. Só espero que a mensagem que ele passou continue para sempre.

Naquele momento, não entendi direito. Pensava em dormir e acordar logo para jogar futebol com meu time no campeonato de férias, no dia seguinte. Mas não dormi mais.

Fiquei inebriado com os encantos da noite, ouvindo os latidos distantes dos cães, observando os contornos do armário em ilusórios movimentos, percebendo a luz diáfana dos prédios ultrapassarem a cortina do quarto, como se minha alma flutuasse da minha cama para a cidade, e de lá para o mundo, de uma maneira chapliniana.

E, mesmo com a insônia, fui o melhor em campo no dia seguinte, ganhando até prêmio.

Só fui compreender com plenitude o que meu pai falou muitos anos depois, quando ele já não estava mais aqui.

Assisti à noite, pela TV a cabo, O Vagabundo. Mal terminou o filme e, no meu quarto de adulto, veio de roldão aquela fala dele. Chegou como se fosse sussurrada pelo tempo. Trouxe revelações que resumiam toda a obra muda do cineasta.

E as intenções ocultas de meu pai.

Quando me deu aquela notícia, descobri, ele falava dele mesmo. Queria, naquela longínqua noite de 1977, inconscientemente, que eu o achasse um grande homem e entendesse a mensagem que buscava, incansavelmente, me passar a cada dia.

De novo veio a insônia, junto com as reflexões, com a luz da cidade, com os contornos do armário moderno se misturando aos da minha infância.

Tudo culpa da ternura de meu pai, tão parecida e inspirada na obra de Charlie Chaplin, base do real significado da palavra força. Tão presente e tão atual, assim como a mensagem de Carlitos. Independentemente da passagem dos anos. No dia seguinte, nem lembro mais o que fiz. Tenho apenas uma certeza. Só sei que venci.

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