Saiba por que 30 milhões de curdos não têm apoio para criar Estado
Vítimas de perseguição, eles estão espalhados por vários países e se sentem desamparados na luta por uma nação independente no Oriente Médio
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Eles possuem uma população próxima de 30 milhões de pessoas e não têm um Estado próprio. Os curdos surgiram há mais de 3 mil anos, nas arenosas terras do Oriente Médio. Descendente dos Medos, este grupo é originário de etnias arianas, como a do Irã.
E conviveu com sumérios, assírios, babilônios, gregos, ao longo da história. A solidariedade em relação a eles, entretanto, se é que um dia houve, também está recolhida nos milênios.
"Ninguém ficou com os curdos", diz líder da região após renunciar
Atualmente a maioria reivindica um Estado próprio, negado pelos governos da Turquia, do Irã, da Síria e do Iraque, único país no qual eles adquiriram autonomia, sob o regime do presidente Massoud Barzani, eleito em 2005 e reeleito em 2009.
E além de sofrerem perseguições e desrespeito aos direitos humanos de sua população, os curdos não contam com o apoio da comunidade internacional para fundar um Estado próprio, que seria localizado em uma região rica em petróleo e recursos naturais.
Justamente aí reside um dos pontos para o desinteresse das potências e da opinião pública mundial em relação à questão curda, segundo o professor Maurício Santoro, de Relações Internacionais da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
— Trata-se de uma situação muito complicada, pois a independência do Curdistão iria afetar o território de seis países, em regiões com recursos naturais. Daí a grande dificuldade de os curdos terem um Estado.
Estado curdo
Em outras situações, como no caso da reivindicação dos palestinos por um Estado, a situação é mais simples de ser defendida, segundo Santoro.
— A criação de um Estado Palestino não afetaria o território dos países árabes e os interesses de outros na região. Já um Estado curdo obrigaria vários países a modificarem suas fronteiras e perderem territórios.
Antigos moradores da montanha (o nome curdo tem relação com isso) na Mesopotâmia, eles já foram chamados de Gardu, Qurti, Qurdaye e Qadu, por vários povos. Todos eles, com exceção dos judeus, já se diluíram. Os curdos sobreviveram ao longo do tempo sem um Estado, mas mantinham o direito de viver no chamado Curdistão, pelo menos na maioria dos países.
Chegaram a ter um território autônomo no Império Persa, depois passaram a fazer parte do Império Otomano, no qual, com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ganharam o direito, com o Tratado de Sevres (1920) a ter um território autônomo, delimitado por fronteiras, de nome Curdistão.
Mesmo composto por religiões diferentes, que incluem o islamismo e Iazdâni (dos yazidis, perseguidos pelo Daesh por cultuarem anjos e mesclarem partes do hinduísmo, judaísmo e islamismo, entre outras), os curdos se consideram um povo que se manteve basicamente integrado, há milênios.
Curdos sem direitos
E, no entanto, a partir da divisão do Império Otomano, após a Primeira Guerra, os países recém-fundados, entre eles a Turquia, o Irã e o Iraque, temeram perder parte de seus incipientes territórios para os curdos, negando qualquer possibilidade deles terem alguma autonomia. Pelo contrário, o povo curdo passou a ser vítima de perseguições muitas vezes brutais.
Referendo de independência curda tem 76% de comparecimento no Iraque
Em todos esses países, do Irã à Turquia, curdos não têm direito a falar o próprio idioma, a vestir roupas tradicionais, a manter hábitos culturais e muito menos fazer qualquer tipo de reivindicação por um Estado. O artigo 312 do Código Penal da Turquia, determina que o apoio meramente verbal ou escrito aos direitos dos curdos permite a acusação de provocação de ódio ou animosidade entre grupos de raças, religiões, regiões ou classes sociais diferentes.
Após a derrota em Afrin, região que fazia parte do Curdistão na Síria, a luta pela independência sofreu um baque, principalmente após os Estados Unidos deixarem de apoiar o grupo PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), fundado em 1978 basicamente por estudantes, liderados por Abdullah Öcalan (“Apo”, preso, condenado à morte, mas com pena atenuada para prisão perpétua). O PKK é considerado terrorista pelo governo turco.
Turquia invade Afrin, mas curdos fazem protesto na Alemanha
Santoro considera que a perseguição à população curda é um problema sério, e principalmente a Turquia, tem sofrido pressões para rever suas políticas de desrespeito aos direitos humanos. Mas não tem sido pressionada a dar aval para a implantação do Curdistão.
— Os países em geral não defendem essa ideia, preferem, no máximo, trabalharem pela autonomia dos curdos. As fronteiras foram definidas após a Primeira Guerra, em um período em que havia predisposição para isso, hoje os tempos são outros, o maior interesse da comunidade internacional é por uma maior estabilidade das fronteiras.
Os textos aqui publicados não refletem necessariamente a opinião do Grupo Record.