Também somos culpados pela ideia da Superliga
Futebol europeu passou a ser pautado também pela ganância e pelo delírio de grandeza
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky, do R7
Os românticos do futebol estavam sendo oprimidos. Enquanto isso, os jogos na Europa, rolavam e, muitos deles, impressionavam pela qualidade inegável. O futebol europeu está mesmo acima dos outros neste momento.
O romântico, no entanto, teve de se calar nos últimos anos. Mesmo admirando o estilo europeu, era avesso a verdades consideradas absolutas, que contrariavam seu romantismo.
Seria massacrado se ousasse dizer que não há como comparar Messi com Zico, por exemplo. Ou que é subjetivo dizer que o Real Madrid é o maior clube do mundo. Como medir grandeza, diante de um Flamengo ou Corinthians?
Além de seu poderio financeiro e da globalização, que abriram mercados, o futebol europeu acabou se desenvolvendo mais do que os outros também no impulso destas ditas verdades absolutas.
Desenvolvendo-se e se inflando. Um é saudável, baseado na assimilação de novas técnicas. O outro é nocivo, com base nos frágeis suportes da arrogância e do delírio.
Parecia até prazeroso para muitos ficar desmerecendo de forma implacável o futebol brasileiro, por exemplo, colocando-o de forma submissa diante do jogado no velho continente, com novidades em termos de organização, mas velhas práticas calcadas na corrupção e na ganância.
As verdades tidas como absolutas tentavam mostrar que a corrupção de lá parecia estar ligada apenas a nomes dentro de entidades como Fifa e Uefa que, assim como a CBF, foram relegadas à condição de vilãs, independentemente de terem, além de seus dirigentes, uma leva de funcionários trabalhando de forma árdua, digna e competente.
O fato de o Brasil ser o único país pentacampeão, por exemplo, passou a ser ridicularizado, para alguns dos mais jovens: "O que é a tradição? Kkk", debochavam, ao mesmo tempo que enalteciam como súditos tudo que vinha da Europa. Os gigantes da Europa.
A devoção foi tamanha que começou a ganhar seguidores, termo tão usado atualmente para as redes sociais. Entre eles estavam patrocinadores, dirigentes, fundos de investimento em busca de ampliar mercados, alguns lavando dinheiro, fazendo as cifras subirem a valores astronômicos.
Ninguém se importou nem com o fato de muitas destas cifras não terem sido reveladas pelos jogadores, que, em boa parte, estão em dívida com a receita de vários países. Não. Fechava-se os olhos para esse detalhe. Eles estavam acima de tudo e de todos. Jogavam, afinal, nos sagrados tapetes europeus.
A verdade tida como absoluta estava estabelecida. Os números foram inflando também o ego dos envolvidos, inclusive de jornalistas e torcedores, que não se opuseram em calar os românticos no momento em que estes ousavam abrir a boca para questionar algo neste cenário.
Os românticos, então, foram obrigados a se refugiar em outras áreas. Tentaram afogar as mágoas assistindo "O Ovo da Serpente", de Ingmar Bergman; "Cria corvos e eles te comerão os olhos", de Carlos Saura, ou lendo o texto completo de Hamlet, de Shakespeare. Ou então, no Brasil, lendo "Ai de ti, Copacabana", de Rubem Braga, para entender o delírio de grandeza humano.
Sempre souberam que "havia algo de podre no Reino da Dinamarca". Só não sabiam escolher entre "ser ou não ser". A grande ilusão de onipotência e submissão só foi interrompida quando a bolha gananciosa da Superliga estourou e a maioria dos torcedores resgatou o romantismo.
A tentativa expôs toda essa Caixa de Pandora que confundia qualidade com presunção. Que quis diminuir até as seleções nacionais. Mas, como se viu, elas continuam vitais. No fundo, todos nós fomos responsáveis por esta Superliga ter surgido. Ainda bem que sempre é tempo de acordar.
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