"Venezuelanos são bodes expiatórios em Roraima", diz professor
Especialista aponta sinais de xenofobia no Brasil e destaca que acolhimento de venezuelanos na Colômbia é mais solidário
Nosso Mundo|Eugenio Goussinsky
Um mesmo drama leva os venezuelanos a buscarem refúgio em dois países vizinhos. O maior contingente está indo para a Colômbia. Os que vêm para o Brasil, a minoria, em geral não têm recebido o mesmo tratamento por parte das autoridades, segundo várias entidades humanitárias, cuja opinião é resumida pelo professor de Relações Internacionais da Universidade de Roraima, Elói Martins Senhoras, que tem acompanhado de perto o drama de refugiados venezuelanos no Estado.
— Não está havendo entre os brasileiros em Roraima o mesmo sentido de solidariedade presente entre os colombianos. Na sociedade roraimense existe um forte conservadorismo e alguns traços de xenofobia persistem. Assim, têm se verificado alguns episódios de violência em relação à população venezuelana, vulnerável. Os venezuelanos que migraram para Roraima estão sendo tomados como bodes expiatórios de problemas que tradicionalmente já exisitiam na sociedade.
O presidente do Brasil, Michel Temer, até assinou um decreto reconhecendo a "situação de vulnerabilidade" do Estado, além de ter editado uma medida provisória para dar atendimento emergencial de saúde, educação e alimentação, entre outros, a essa população. Mas, de acordo com Senhoras, a situação é dramática em relação ao percentual da população, mas em um grau muito menor do que na Colômbia, que, no entanto, tem oferecido melhores condições aos refugiados.
Na capital de Roraima, Boa Vista, centenas de venezuelanos não têm para onde ir, e permanecem em condições precárias, dormindo em ruas, avenidas, praças, implorando por alimentos e por um emprego. Há filas em frente à sede da Polícia Federal, em busca de um visto de permanência no país.
Para piorar o drama, eles são vítimas de ataques xenofóbicos, como os dois que ocorreram nos últimos dias 5 e 8, quando duas casas onde moram imigrantes foram incendiadas em Boa Vista, em ações nitidamente hostis a estrangeiros. A secretária de Segurança Pública de Roraima, Giuliana Castro, afirmou que qualquer crime de ódio será punido.
Se em Roraima o número de venezeulanos chega a cerca de 60 mil, o que significa pouco mais de 10% da população do Estado, na Colômbia eles já são mais de 200 mil. A onda imigratória é fruto de uma crise política e econômica na Venezuela, que passa por um colapso nos serviços públicos e se depara com uma inflação que deve ser de pelo menos 700% em 2018.
O professor Alejandro Villanueva Bustos, da Universidade da Colômbia, considera que na Colômbia a situação é outra. Segundo ele, o governo do presidente Juan Manuel Santos não está levando em conta diferenças com o regime esquerdista de Nicolás Maduro e tem orientado as autoridades de fronteira a acolherem o maior número de pessoas possível.
Um sentido de gratidão permeia essa determinação colombiana, já que, nos anos 80, quando a violência dos cartéis de droga ameaçava a população colombiana, mais de 2 milhões de pessoas foram acolhidas na Venezuela, que por sua vez vivia um período de crescimento econômico. Villanueva lembra que o governo colombiano está preocupado em dar serviços de educação, saúde, alimentação, com voluntários buscando dar amparo aos recém-chegados.
— Há inclusive campanhas para combater a xenofobia, muitos venezuelanos chegam e se deparam com um desemprego de 10% na Colômbia e, como muitos deles estão aptos apenas a realizar trabalhos não-qualificados, os mais pobres na Colômbia podem achar que estão tomando o lugar deles, algo que, com esclarecimento, o governo tem sabido contornar.
Senhoras explica que, neste atual contexto, há três formas de imigração de venezuelanos. Os de renda mais baixa buscam as fronteiras vizinhas, no caso Colômbia e Brasil, na chamada imigração Sul-Sul. Os de renda um pouco maior, ainda que baixa, buscam a Argentina e o Peru, enquanto que os de renda mais alta vão para os Estados Unidos e Europa, do tipo Sul-Norte. A Colômbia é mais procurada entre os mais pobres por fatores como densidade populacional e afinidade cultural.
— A fronteira colombiana tem muito maior densidade populacional, e, portanto, econômica, diferentemente da fronteira brasileira, que tem menor densidade. Também há o sentido da reciprocidade, em relação aos anos 80. A Venezuela sempre teve muitos colombianos em sua população e a reciproca é verdadeira. Existe um sentido de parceria baseado no estreitamento cultural entre os paises, o que não é tão grande em relação ao Brasil.
Preso homem suspeito de queimar venezuelanos em Roraima
O aumento do contingente de militares nas fronteiras, que exigem a apresentação de passaporte, segundo Senhoras, não significa necessariamente restrição à entrada de imigrantes na Colômbia.
— Pelo contrário, além de um maior controle, pode servir também como uma referência para um melhor acolhimento dessas pessoas.
São naturais, segundo ele, aumentos de casos de violência, mas estes ocorrem de maneira pontual, não podendo ser colocados como um fator de instabilidade que levará a uma alta geral da criminalidade. A questão humanitária tem um valor muito mais relevante nesta balança.
— Claro que um número crescente de refugiados leva a um aumento do número de crimes, mas, no entanto, isto não quer dizer que façam parte de um boom de violência. As questões de insegurança no Brasil e na Colômbia já estão prestabelecidas, independentemente deste fluxo migratório.
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