Janeiro Branco, o poder das palavras e o desejo pelo suicídio de Bolsonaro e Trump
Incitação pela morte de presidentes traz à tona a necessidade de discutir a diferença entre crítica e ofensa.
Refletindo Sobre a Notícia por Ana Carolina Cury|Do R7 e Ana Carolina Cury
Janeiro é uma época de muitos planos, onde as pessoas estão mais focadas em resoluções e metas para o ano. É normalmente neste período que a vida ganha contornos para os próximos meses que virão. Por isso, desde 2014, este mês foi escolhido para a campanha “Janeiro Branco” que chama a humanidade à reflexão de questões e necessidades relacionadas à saúde mental e emocional das pessoas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o campeão mundial em casos de transtorno de ansiedade e ocupa o segundo lugar em transtornos depressivos, que podem levar ao suicídio. E, quando se fala num ano de pandemia, o cenário piora, uma vez que casos de ansiedade, depressão e suicídio aumentaram muito desde que o novo coronavírus chegou.
Além da tristeza pelas mortes, a pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, trouxe outras consequências ruins para a população mundial. O excesso de informação, o medo da contaminação, as perdas financeiras e a necessidade da quarentena fizeram com que muitas pessoas tivessem que lidar com um sentimento que deprime e, segundo especialistas, pode matar aos poucos: a solidão.
Inclusive, diante do crescimento expressivo de casos de pessoas que tiram a própria vida, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) alertou sobre a necessidade de se falar abertamente e de forma responsável sobre o assunto. A ideia é que, mesmo com o distanciamento físico, as pessoas permaneçam conectadas com familiares e amigos e aprendam a identificar os sinais de alerta.
Palavras que matam
Para quem tem algum tipo de transtorno, muitos fatores podem servir de gatilho para um agravamento do caso. Nos dias atuais, os comentários de ódio, sobretudo no universo online, podem ser um deles, segundo especialistas.
Diante disso, quando li o texto do jornalista e escritor Ruy Castro, que afirmou que a melhor solução para o presidente dos EUA, Donald Trump, é se matar, sugerindo que Bolsonaro faça o mesmo, lembrei que estamos no mês onde esse grande trabalho de conscientização é feito por milhares de especialistas da área da saúde mental para ajudar aqueles que precisam e cobrar das autoridades públicas mais projetos e iniciativas.
Não bastasse isso, o também jornalista Ricardo Noblat republicou em seu Twitter o texto de Ruy Castro, dando o seguinte destaque: "Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais".
Depois da repercussão, Noblat disse que não estava desejando a morte de Bolsonaro e que só costuma reproduzir textos de outros jornalistas. O tuíte original foi apagado.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, afirmou no domingo que pedirá a abertura de inquérito policial para "apurar ambas as condutas" dos jornalistas.
O crime de incentivo ao suicídio tem pena de 6 meses a 2 anos de prisão e, se for praticado online, a pena pode dobrar.
Por mais que seja uma crítica política, o comentário foi muito infeliz. Porque, por conta de palavras como essas, muitas pessoas, de fato, tiraram a própria vida.
Como foi o caso da blogueira, Alinne Araújo, de 24 anos, que ficou conhecida pelo perfil Seje Sincera no Instagram. Em julho de 2019 ela, que sofria de depressão, cometeu suicídio ao se jogar do nono andar do prédio onde morava na zona oeste do Rio de Janeiro.
O gatilho para isso acontecer foi o excesso de comentários negativos, repletos de ódio, sobre o fato dela ter feito um relato sobre a decisão de casar consigo mesma, após seu noivo ter cancelado o casamento na véspera.
Consciência democrática
É triste ver que pessoas públicas, que se dizem tão inteligentes, estão fazendo uso do poder e influência que têm para disseminar ainda mais intolerância. Já não basta o momento difícil que estamos atravessando?
"Ah, mas os presidentes em questão também já falaram muitas bobagens", talvez você diga. Mas, não podemos "confundir alho e bugalho". O problema aqui não tem a ver com a política, mas sim com a responsabilidade, sobretudo, jornalística, humana. O mínimo esperado de quem afirma ser compromissado com a ética é não usar o suposto erro do outro para errar também, ou até mesmo, fazer pior.
Pelo menos 800 mil pessoas cometem suicídio anualmente, isso sem falar nas que tentam e não conseguem e nas milhares de famílias que têm suas vidas destroçadas por terem que conviver com esse tipo de luto. Então, precisamos ter mais consciência. Democracia e respeito não podem ser relativos, são direitos e devem ser cumpridos.
Quando alguém deseja a morte de outro ser humano revela o que tem em seu interior. Precisamos parar de dar audiência para tanto conteúdo tóxico, porque eles só sobrevivem porque têm ibope. Cabe a nós lutar por uma democracia para todos, consciente. Porque quando ela é usada para o ódio, tira a liberdade e aprisiona.
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