Pizza, guardanapo, extrato. Mulheres disfarçam para pedir socorro
Durante a pandemia, vítimas imploram por ajuda após serem agredidas pelos companheiros. Advogado reforça a importância da denúncia
Refletindo Sobre a Notícia por Ana Carolina Cury|Do R7 e Ana Carolina Cury
Neste período de pandemia, as denúncias de violência doméstica, além de terem aumentado, também se deram por meio de disfarces. Em Sobradinho, no Distrito Federal, uma mulher de 27 anos foi socorrida em março deste ano após pedir ajuda ao atendente de uma agência bancária, por meio de um recado no extrato bancário.
Ela escreveu no recibo de um saque: "Você pode me ajudar. Violência doméstica. Ele tá aí fora. X" O "X" é um símbolo de pedido de ajuda popularizado em uma campanha contra a violência doméstica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
A vítima era agredida e mantida em cárcere privado. Em 2019, já havia feito uma denúncia de violência doméstica. Após o novo pedido de socorro, a Polícia Militar foi acionada pelos funcionários do banco, foi até a casa dela e a encaminhou, junto com os dois filhos, para um abrigo. O agressor não foi encontrado e o sargento da Polícia Militar do Distrito Federal, Sérgio Borges, afirmou que a mulher estava com muito medo quando foi socorrida.
Pedido de pizza e guardanapo
Outro caso que chamou atenção foi o de uma moradora de Andradina (SP) que, semana passada, ligou para o 190 e fingiu pedir uma pizza para, na verdade, pedir socorro e denunciar que estava sofrendo violência doméstica. Os políciais entenderam que aquela ligação se tratava de uma denúncia e enviaram uma viatura ao local, mas o agressor conseguiu fugir.
Já na última sexta-feira, em Chapecó, Santa Catarina, uma jovem de 19 anos, usou o guardanapo de um lanche para pedir socorro. Na mensagem, ela dizia estar sendo assediada. O homem foi conduzido à delegacia onde foi registrado um boletim de ocorrência.
Agressão em dose dupla
Todas essas mulheres usaram disfarces para pedir ajuda, em um momento de desespero. Nesse sentido, o medo acaba sendo um sentimento muito comum entre as vítimas de violência, o que, muitas vezes, as impede de pedir ajuda assim que as agressões se iniciam, segundo o advogado criminalista, dr Guilherme Miguel.
"Além de a mulher ter receio de denunciar, muitas vezes não reconhece que está vivendo um ciclo de violência e se culpa. Aí, as agressões vão piorando até que elas se veem em uma situação de fundo de poço, onde parece não haver mais saída. Infelizmente, para muitas não têm, vide o aumento dos casos de feminicídio", observa.
O cenário fica ainda pior quando pensamos que estamos numa pandemia onde, para muitas pessoas, o famoso "fica em casa" traz mais medo que segurança. Infelizmente, uma das consequências negativas do isolamento social tem sido o aumento generalizado da violência contra idosos, mulheres e crianças.
Dados do Disque 100 revelaram que, só no ano passado, o Brasil somou mais de 105 mil denúncias de violência doméstica contra a mulher, o equivalente a 290 denúncias por dia, uma a cada cinco minutos.
"Os números chamam atenção, por isso é essencial que essa mulher busque ajuda e não espere a situação ficar grave. A Lei Maria da Penha está entre as melhores e mais avançadas do mundo quando o assunto é enfrentamento à violência contra as mulheres. Assim, é essencial que a mulher procure uma delegacia. Ela também pode contratar um advogado capacitado para que ele avalie a situação e para que se dê o encaminhamento jurídico", observa o advogado.
Após fazerem a denúncia, que pode ser realizada pelo Disque 100, 180, 190, em uma delegacia, ou pelo aplicativo Proteja Brasil, as mulheres devem procurar apoio, porque, sozinhas, dificilmente conseguirão dar fim à violência. É por isso que existem os mecanismos e as instituições.
"Depois de se proteger juridicamente, é preciso buscar apoio emocional e espiritual para conseguir resgatar a autoestima. Costumo sempre recitar para as minhas clientes um poema que uma vítima de violência doméstica me enviou, que diz: 'Não importa onde você parou, em que momento da vida você cansou, o que importa é que sempre é possível e necessário recomeçar. Recomeçar é dar uma nova chance a si mesmo.' Então, que todas as mulheres que estejam passando por essa situação entendam a importância de denunciar e, sobretudo, de cuidarem de si mesmas", conclui o dr Guilherme Miguel.
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