Há quatro dias, soldados da Índia e do Paquistão trocam tiros na Linha de Controle da Caxemira. A escalada da tensão histórica entre os dois países se dá após um ataque a turistas na Caxemira indiana no último dia 22 de abril deixar ao menos 26 mortos. Indianos acusam paquistaneses de apoiarem o terrorismo transfronteiriço, ao que o governo do Paquistão nega envolvimento e qualifica as tentativas de atribuição do ataque, o pior contra civis em 25 anos, como “fúteis”. “A Índia capturou suspeitos desse atentado, todos eles associados a movimentos radicais islâmicos. O Paquistão tenta acalmar a Índia dizendo que está reforçando a sua fronteira e que, inclusive, chegou a matar mais de 70 pessoas que tentaram atravessar do Afeganistão para o Paquistão, desejando chegar até a Índia e realizar atentados. Portanto, tentando demonstrar uma cooperação com a segurança regional”, diz o analista internacional Vladimir Feijó, em entrevista ao Conexão Record News.A China, que tem grande influência na região, disse esperar que os países exerçam moderação, enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) pediu que as divergências sejam resolvidas pacificamente. Mas as rusgas entre Índia e Paquistão não são novidade no cenário internacional. Desde a independência do território do domínio britânico, em 1947, as nações disputam o território a noroeste do subcontinente indiano.Enquanto a Índia defende que a região é parte integrante do país, o Paquistão defende que a Caxemira é um território disputado, e afirma apoiar moral e militarmente os que se revoltam contra o domínio indiano de 43% da região.Em 1947, a Índia Britânica é dissolvida em Índia e Paquistão. Situada entre fronteiras, a Caxemira é dividida entre domínio indiano, paquistanês e chinês — que hoje administram, respectivamente, cerca de 43%, 37% e 20% da área.Ao longo do século 20, os países se enfrentam em uma série de conflitos pelo controle do território. Entre eles estão as guerras indo-paquistanesas — em 1947, 1965 e 1971 — e a guerra sino-indiana — em 1962. O saldo dos conflitos é maior para a Índia, que passa a controlar as áreas mais produtivas e populosas da Caxemira. Em 1989, no entanto, diante do descontentamento com a administração indiana, uma ampla insurreição armada se inicia. Alguns grupos de cidadãos caxemiras defendem a separação da Índia e a autonomia completa da região, enquanto outros defendem uma adesão ao Paquistão. Além do controle de territórios, pesa no conflito a identificação étnica da população da Caxemira. A maioria islâmica entra em choque com a tradição religiosa hindu da Índia, e se sente mais próxima a um Paquistão majoritariamente muçulmano.A Índia, que rejeita a teoria das duas nações que originou o Paquistão, defende que a Caxemira é parte da Índia secular, ideologia que não considera a religião como fator importante para governança. O país utiliza o argumento do instrumento de adesão assinado pelo marajá Hari Singh, líder do território durante a Partilha, em troca de ajuda militar indiana contra um ataque do Paquistão.Os paquistaneses, por sua vez, defendem que o documento foi assinado sob coação por um líder tirano, rejeitado pela população. Argumentam ainda que a maioria muçulmana deveria ter colocado a região sob domínio do Paquistão, que o domínio indiano deu palco a sistemáticas violações de direitos humanos, e as circunstâncias levaram a população a defender sua autodeterminação com a militância.Por fim, a disponibilidade de recursos hídricos dentro da Caxemira acentua o interesse pela área. Vários rios e afluentes do rio Indo permeiam a região, e irrigam tanto a Índia quanto o Paquistão.No entanto, a vantagem territorial indiana põe em risco a economia agrária paquistanesa. Em 1960, os países assinaram o Tratado de Águas do Indo, com o objetivo de resolver a divisão da água. Em meio aos atuais desdobramentos do conflito, o tratado foi revogado.Após o Acordo de Simla assinado em 1972, para então pacificar as relações entre as nações, foi estabelecida uma linha de controle militar na região da Caxemira. É nessa faixa de terra que, atualmente, se dão as trocas ofensivas entre as nações.A Índia acusa o Paquistão de apoiar grupos terroristas na região. Ao longo dos séculos de disputas, grupos armados entraram em conflito com as forças indianas e deixaram dezenas de milhares de mortos. O ataque aos turistas no último dia 22 foi reivindicado pela Frente de Resistência, um grupo rebelde insurgente relativamente novo, classificado como terrorista pelo Estado indiano. Outro ponto de preocupação quanto à escalada do conflito é o fato de ambos os países protagonistas da disputa possuírem arsenal nuclear. Em meio às novas tensões, o ministro da Defesa paquistanês afirmou não descartar o uso das armas diante de “iminente ameaça da Índia”.Segundo o analista Vladimir Feijó, o Paquistão tenta demonstrar cooperação no combate ao terrorismo, mas a população indiana, diante das circunstâncias, tem exigido respostas imediatas. “A Índia [respondeu] de uma forma até bastante dura, suspendeu um tratado de águas que vigorava desde 1960, portanto, não prometendo que vai continuar deixando o fluxo sair da Índia para alimentar os principais rios do Paquistão”, diz.O especialista comenta os riscos de um conflito maior. “Já que esses países têm uma disputa que repetidas vezes conduziu guerra, eles criaram [a LOC], em que ambos controlam a movimentação de pessoas e de exército dos outros países. Mas historicamente, quando muito, com demonstrações simbólicas de força e não com troca de tiros“, pontua. As disputas dos últimos dias, porém, envolveram disparos. ”Felizmente, sem nenhuma morte de soldado, porque, se isso acontecesse, o risco de guerra generalizada seria imenso”, finaliza Feijó. *Sob supervisão de Arnaldo Pagano