Intervenção não resolve problemas estruturais, dizem especialistas
Presença das Forças Armadas deve proporcionar sensação de segurança, mas não oferece políticas públicas ao estado
Rio de Janeiro|Fabíola Perez e Plínio Aguiar, do R7
A crise de segurança pública que assola o Rio de Janeiro fez com que o presidente Michel Temer (PMDB) convocasse, nesta sexta-feira (16), as Forças Armadas para intervir nas atividades de segurança do Estado - o Congresso tem até 10 dias para aprovar o decreto.
“A intervenção deve gerar uma sensação de segurança apenas nos primeiros meses”, afirma Arthur Trindade, sociólogo da Universidade de Brasília e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Apesar disso, ela não resolve problemas conjunturais como a corrupção na polícia", diz.
Mudanças na segurança
Embora as principais mudanças ainda estejam em discussão entre as autoridades, segundo Trindade, pelo menos duas linhas de planejamento são esperadas: ações de segurança com foco no cotidiano, com a presença de militares nas ruas, e mais autonomia para planos emergenciais.
Apesar disso, mudanças importantes na segurança pública do Rio de Janeiro continuariam à margem do planejamento. Não seria possível, por exemplo, reestruturar o serviço de inteligência da polícia até o fim da intervenção, em dezembro. "Precisamos de um planejamento mais eficiente do que apenas a ação das Forças Armadas para, de fato, reduzir a criminalidade", afirma.
Uma dimensão promissora da intervenção federal, segundo Trindade, é que o interventor possui autonomia para a tomada de decisões, sem sofrer eventuais pressões hoje impostas às autoridades. “Não sabemos como o general vai agir, porém, ele teria condições de melhorar investigações e dar celeridade a eventuais expulsões de policiais corruptos da corporação”, afirma.
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Trindade explica que a intervenção poderá provocar impacto positivo frente à opinião pública. “Há muito tempo, existe um anseio de que as Forças Armadas assumam o controle das áreas de segurança no Rio", diz. "O legado tem que ser estrutural e não imediatista."
Segundo ele, a intervenção pode gerar, inclusive, impacto na disputa pelo território em áreas dominadas pelo tráfico de drogas no estado. “Muitas dessas disputas são também motivadas ou tem como participantes grupos de policiais corruptos.”
O analista criminal e também integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Guaracy Mingardi acredita que a “intervenção não tem sentido”. A medida tiraria das mãos do Estado o controle sobre os policiais.
O que muda
O presidente Michel Temer anunciou nesta sexta-feira (16) que o general Walter Souza Braga Netto irá comandar a intervenção federal no Rio de Janeiro. Na prática, o oficial substituirá o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) nas decisões sobre a segurança pública.
A intervenção federal implica dizer que um general estará à frente da Secretaria de Segurança Pública e das polícias. Trindade explica que Braga Netto “não será um novo secretário, nem subordinado ao governador”.
O professor afirma que a operação é diferente de todas as propostas já existentes nessa área em termos de configuração política: “temos uma área de segurança submetida a um general, ou seja, não recebe pressão de prefeitos nem de deputados”.
Natural de Belo Horizonte (MG), Braga Netto já recebeu 23 condecorações nacionais e quatro internacionais. Possui carreira no Exército, passando pelo comando do 1° Regimento de Carros de Combate e pela chefia do Estado-Maior da 5ª Brigada de Cavalaria Blindada.
Assume, atualmente, o comando do CML (Comando Militar do Leste). O órgão é responsável por coordenar, controlar e executar as atividades administrativas e logísticas do Exército Brasileiro no Rio, em Minas Gerais e no Espírito Santo. Abrange 141 organizações e mais de 50 mil militares.
Nova pasta
O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB), afirmou que o Palácio do Planalto discute a criação de um Ministério de Segurança Pública. Trindade afirma que é necessário esperar para saber a criação da pasta representaria alguma mudança prática ou seria apenas uma mudança burocrática.
Para Guaracy Mingardi, a criação de mais um órgão para discutir políticas públicas de segurança não geraria soluções na prática. “Será dinheiro jogado fora.” Segundo ele, um eventual futuro ministério cuidaria dos mesmos temas hoje tratados pelo Ministério da Justiça.