Marielle: RJ tem dificuldade para resolver crimes contra políticos
Em 10 anos, de 22 crimes contra políticos, só 3 tiveram suspeitos presos ou condenados pela Justiça. Apesar de prisões, polícia não encerrou caso Marielle
Rio de Janeiro|PH Rosa, Karolaine Silva*, Lucas Ferreira*, Lucas França*, Matheus Nascimento* e Rayssa Motta*, do R7
Em 14 de março de 2018, há exatamente um ano, a vereadora Marielle Franco (PSOL) foi vítima de um atentado político que, segundo revelou a Polícia Civil esta semana, foi premeditado com cinco meses de antecedência e dois suspeitos estão presos. Desde então, parcelas da sociedade civil e da classe política cobram uma resposta para a pergunta: “Quem mandou matar Marielle?”.
O caso da parlamentar ganhou repercussão, mas o Rio de Janeiro, um Estado que não chega a solucionar 7% dos homicídios dolosos (com intenção de matar), segundo levantamento da Agência Lupa, coleciona muitos outros casos de atentados contra a classe política.
Para o cientista político e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) André Rodrigues, a ausência de respostas para crimes contra agentes públicos é ainda mais grave por criar um ambiente inseguro para os cidadãos se manifestarem.
“Uma morte não investigada é sempre grave. Mas um crime político não investigado e sem resposta do Estado é um crime que afeta profundamente a democracia, que afeta nossa constituição política. A pessoa não foi morta apenas por um conflito interpessoal. Ela foi morta pelas ideias que ela defendia”, explica.
Desde 2008, o Disque Denúncia do Estado recebeu 1.126 informações sobre ameaças contra políticos. Encabeça a lista o ano de 2012, de eleições municipais, com 121 registros.
Um levantamento do R7, com base em dados do ISP-RJ (Instituto de Segurança Pública), concluiu que as áreas mais perigosas são Baixada Fluminense e zona oeste do Rio.
Autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense”, o sociólogo e professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) José Cláudio Souza Alves estuda grupos de extermínio na Baixada Fluminense há 26 anos.
“Oficialmente se falou em 13 assassinatos de candidatos a vereadores na última eleição municipal, em 2016, na Baixada Fluminense. São 13 municípios. É algo muito exponencial na lógica da violência.”
Apesar do alto número de mortes, a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, que investigava os 13 casos que aconteceram na região, afirmou que apenas dois tinham motivação política. O Tribunal Superior Eleitoral, contudo, concedeu ao Estado do Rio um reforço da Força Nacional durante os pleitos.
Rodrigues, cientista político e professor da UFF, destaca que o principal fator de risco para a segurança dos agentes públicos fluminenses é o crescimento de grupos paramilitares.
“As milícias se expandiram muito na última década, saindo de seus redutos na zona oeste, se instalando na Baixada e no interior do Estado, e impondo essa dinâmica que define uma relação entre grupos armados criminosos e interesses políticos locais. Uma dinâmica muito conhecida no ambiente rural brasileiro. Nossa democracia nunca resolveu esse problema”, diz.
O R7 reuniu 22 casos de políticos ameaçados, mortos ou alvos de atentados entre 2008 e 2019. O portal também procurou assessores, partidos e familiares das vítimas para apurar o andamento das investigações. De acordo com as fontes, que terão as identidades preservadas, apenas três deles tiveram suspeitos presos ou condenados.
A reportagem procurou a Polícia Civil em diversas ocasiões desde 28 de fevereiro para solicitar informações sobre os casos. Nesse período, apenas um e-mail foi respondido. Por telefone, os assessores informaram que a demanda estava sendo analisada pelo setor responsável.
No caso do vereador de Cabo Frio Aires Bessa (PSDB), o inquérito parece nem ter sido iniciado. Em maio de 2011, ele e seu assessor foram mortos a tiros em uma pizzaria na cidade.
“A polícia não chamou ninguém para depor. Mataram e ficou por isso mesmo. Minha mãe faleceu há dois anos sem ter resposta sobre a morte do meu pai”, disse o filho do parlamentar, Junior Bessa, que é funcionário público. Segundo ele, a polícia também não apresentou uma linha inicial de investigação.
O trabalho para elucidar a morte de Lúcio do Nevada (PRP), em outubro de 2012, chegou a três suspeitos. Apesar da conclusão do inquérito, o julgamento do suposto mandante do crime foi adiado cinco vezes. Os outros dois envolvidos foram condenados a mais de 20 anos de prisão, mas já estão em liberdade.
“A mensagem que passa para nós é que dentro do Estado, pessoas que são investidas de um poder público, reconhecidas formalmente pela sociedade, operam uma estrutura ilegal e criminosa, e fazem com que todas as pessoas que se deparam com essa forma de poder sejam ameaçadas por ele. A mensagem é que esses grupos têm um poder intocável, inatingível”, diz o sociólogo e professor da UFRRJ, ao apontar que os grupos de extermínio se transformaram em “grupos de milicianos dentro do Estado”.
O cientista político e professor da UFF concorda que a milícia tem a política como aspecto básico e tem uma “relação carnal de fundação com o poder político”.
“Quando esses grupos criminosos surgiram na Baixada Fluminense e na zona oeste do Rio como grupos de extermínio, promoviam mortes em nome da segurança local. Rapidamente fica estabelecido que o poder de matar desse grupo se reverte em poder político. O capital que alimenta essas organizações criminosas vem das atividades políticas, da proximidade que eles têm com os poderes políticos locais, estaduais e nacionais”, detalha.
Uma das linhas de investigação das mortes de Marielle e Anderson, tornada pública pelo ex-secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes, é que o trabalho da vereadora para conscientizar moradores da zona oeste sobre a posse de terras tenha incomodado paramilitares que ocupavam e loteavam terrenos ilegalmente.
Uma testemunha também envolveu o vereador Marcelo Siciliano (PHS) e o miliciano Orlando da Curicica no crime.
Na última terça-feira (12), uma operação conjunta da Polícia Civil do Rio e do Ministério Público estadual prendeu dois ex-PMs suspeitos pela execução. O policial reformado Ronnie Lessa foi apontado como autor dos disparos e o ex-policial militar Elcio Vieira de Queiroz estaria conduzindo o Cobalt usado no ataque.
Queiroz foi expulso da corporação após se tornar réu em uma operação da Polícia Federal, em 2011, contra policiais fluminenses acusados de corrupção e de envolvimento com traficantes.
Apesar das prisões, o caso Marielle completa um ano ainda sem conclusão, como tantos outros ataques contra políticos, agentes públicos e ativistas no Rio de Janeiro.
*Estagiários do R7, sob supervisão de PH Rosa