Revolta e comoção marcam enterro de menina morta por tiro de fuzil
Uma nova manifestação foi realizada neste domingo, pedindo o fim da violência policial no conjunto de favelas em que a menina foi atingida
Rio de Janeiro|Do R7
O corpo de Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, foi enterrado na tarde deste domingo (22), no cemitério de Inhaúma, na zona norte do Rio, sob forte sentimento de revolta e comoção entre parentes e amigos. A menina foi morta depois de ser atingida nas costas por um tiro de fuzil dentro da Kombi em que viajava, no Complexo do Alemão, na sexta-feira.
Centenas de pessoas participaram da cerimônia. "Ela está no céu, que é o lugar que ela merece", disse o avô da menina, ao lado de outros parentes, todos inconsoláveis.
"A polícia matou um Inocente. Não teve tiroteio nenhum. Foi dois disparos que ele deu. É mentira!", gritava, muito abalado, um homem que seria o motorista da Kombi. Ele teria visto um policial atirando e ajudado a socorrer a menina.
No velório, outras pessoas contestaram a versão oficial da Polícia Militar, de que Agatha teria sido ferida num confronto entre policiais e criminosos. "Quem matou foi o estado", dirigiu-se um homem a jornalistas, sem se identificar. "Não houve confronto", completou outro.
Moradores e ativistas também voltaram a protestar neste domingo contra a morte violenta da menina.
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Uma nova manifestação foi realizada neste domingo, pedindo o fim da violência policial no conjunto de favelas em que a menina foi atingida. A concentração de manifestantes começou 13h, em frente à Unidade de Pronto Atendimento de Itararé. Depois, os participantes seguiram juntos para o velório da menina.
"Eu tenho uma filha de oito anos, ela fica desesperada quando tem operação na comunidade. É muito tiro, parece que o tiro é dentro de casa", disse Marcos Henrique Nascimento Lopes, de 39 anos, líder de um grupo de mototaxistas que participaram do protesto.
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"Somos moradores, não temos culpa dessa política de segurança pública que não funciona na comunidade. Reconhecer o erro não é vergonha, vergonha é insistir no erro", completou. Também pai de uma menina de oito anos de idade, o ator Fábio Assunção participou da manifestação.
"Vim prestar minha solidariedade, o luto, não dá pra ir mais pra baixo do que isso", disse o ator. "Não é só o caso da Ágatha, diariamente a gente está vendo coisas que são impensáveis. A sociedade tem que se pronunciar, se colocar", acrescentou.
A Polícia Civil informou que enviará para perícia as armas dos policiais militares que estavam em patrulhamento na noite de sexta-feira no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, no momento em que Ágatha foi atingida.
"A gente vai acompanhar o inquérito. Já acompanhamos a primeira testemunha ontem do caso, que é o motorista da Kombi que viu que foram os policiais que atiraram em direção à Kombi, que vitimou a Ágatha. E vamos procurar, essa semana vamos na localidade procurar testemunhas, conversar com as testemunhas. Quando o autor do fato é um agente de estado as pessoas têm medo. Então a gente vai conversar com eles, tentar convencer, apresentar os programas de testemunhas que existem, pra poder garantir que essas testemunhas falem", contou o advogado Rodrigo Mondego, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), que está acompanhando o caso.
Após ser alvejada, Agatha levada para o hospital, mas não resistiu ao ferimento e morreu na madrugada deste sábado (21). A Polícia Militar alega que os agentes que atuavam no local tinham sido alvo de criminosos, mas parentes da menina e testemunhas relataram que não houve confronto e que os policiais teriam atirado contra uma motocicleta que passava na hora, com dois homens a bordo.
As armas dos policiais militares passarão por confronto balístico com o projétil retirado do corpo da vítima no Instituto Médico Legal. De acordo com a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), familiares de Ágatha Félix já prestaram depoimento neste sábado, e novas testemunhas serão ouvidas a partir desta segunda-feira.
No decorrer dessa semana, a polícia determinará a data para a reconstituição do disparo que vitimou Ágatha.
A morte de Ágatha causou comoção e motivou críticas de entidades à política de segurança pública do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). A Defensoria Pública do Estado condenou a “opção pelo confronto”, enquanto a seção Rio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) destacou o “recorde macabro” de 1249 pessoas mortas pela polícia no estado de janeiro a agosto.
O assunto também mobilizou a internet. A hashtag a "A culpa é do Witzel" figurou entre as mais citadas no ranking do Twitter Brasil ao longo do dia de sábado.
Moradores, parentes e amigos da família de Agatha participaram neste sábado de um protesto contra a violência policial nas comunidades que formam o Complexo do Alemão. Em vídeos postados nas redes sociais pelo jornal comunitário Voz das Comunidades, era possível ver os manifestantes carregando faixas com nomes de algumas das vítimas de confrontos e mensagens como "Parem de nos matar",
"Chega de morte" e “Não quero enterrar meu filho". Os líderes do protesto pediam um basta à violência e ao uso de helicópteros da polícia que têm sobrevoado as comunidades fazendo disparos contra a favela.
Em nota, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro informou que lamentava “profundamente a morte da pequena Agatha no Complexo do Alemão” e manteve a versão de que os agentes apenas revidaram a uma agressão de criminosos “quando foram atacados de várias localidades da comunidade de forma simultânea”. No entanto, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) comunicou que abrirá “um procedimento apuratório para verificar todas as circunstâncias da ação”.