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Rio tem quase 100 ônibus atacados pelo crime em 2024; incêndios dão prejuízo de R$ 7 mi

Uso de coletivo como barricadas durante operações policiais cresceu; tática já foi usada tanto pela milícia quanto pelo tráfico de drogas

Rio de Janeiro|Raphael Lacerda*, do R7

Criminosos atacaram quase 100 ônibus da frota municipal do Rio neste ano RECORD


Quase 100 ônibus foram atacados por criminosos na cidade do Rio de Janeiro desde o início de 2024. Oito coletivos foram queimados, e 87, sequestrados e utilizados como barricadas durante ações policiais. Somente com os incêndios, o prejuízo aos cofres das empresas passa de R$ 7 milhões, de acordo com dados do RioÔnibus (Sindicato das Empresas de Ônibus da Cidade).

Nove ônibus foram usados como barricadas durante ação da PM no Chapadão, na semana passada RECORD

Nos últimos meses, a prática de usar os veículos para bloquear vias de acesso a comunidades ganhou força entre o crime organizado. Na semana passada, nove ônibus foram utilizados como barricadas no Complexo do Chapadão, na zona norte, durante uma operação da Polícia Militar que terminou com um criminoso morto.

“Essa questão das barricadas não acontecia com tanta frequência. Eram poucos os ônibus sequestrados e usados como barricadas, mas volta e meia tinha alguns ônibus incendiados durante operações. Antes da pandemia, registrávamos dois ou três casos por mês, em média. Agora, são dois ou três por semana”, revela o porta-voz do sindicato, Paulo Valente.


Apesar do caso mais recente ter sido registrado em uma área dominada pelo tráfico de drogas, a coordenadora do GENI-UFF (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense), Carolina Grillo, ressaltou que os episódios não se restringem a uma única facção.

“É comum nas práticas criminais que, quando alguém inventa uma modalidade de ação e ela dá certo, isso passe a ser copiado por outros grupos. Uma prática acaba se disseminando e sendo copiada por outros grupos armados”, analisa a pesquisadora.


Vinte coletivos da frota municipal foram incendiados pela milícia de Zinho, em 2023 Tomaz Silva/ Agência Brasil

A prática criminosa de incendiar ônibus também já foi utilizada pela milícia. No ano passado, o grupo de Luiz Antônio da Silva Braga, o Zinho, foi responsável pelo maior ataque a coletivos já registrado no Rio. Ao menos 20 veículos da frota municipal foram destruídos após a morte de Matheus da Silva Rezende, o Faustão, à época apontado como uma liderança do grupo.

Carolina avaliou que, no passado, as ações podiam ocorrer como forma espontânea de manifestação e insatisfação da população com o poder público, mas, hoje, passaram a ser incorporadas como método de demonstração de força do crime.


“É uma forma de violar a ordem urbana e impedir as pessoas de voltarem do trabalho, como uma demonstração do poder armado de um grupo. Mas há também situações, como os sequestros dos ônibus para interromper a circulação numa via, como uma forma de facilitar a fuga de criminosos em uma situação de confronto. É um modus operandi utilizado tanto pelas facções do tráfico de drogas quanto pelas milícias.”

Ao R7, a especialista comentou a complexidade para pesquisar esses tipos de crimes em razão de serem registrados nas delegacias, geralmente, como dano ao patrimônio público, o que dificulta o rastreio dos casos.

“Há um investimento muito baixo no Rio de Janeiro em investigações. A maioria das prisões realizadas é em flagrante. As ações de inteligência que existem são no sentindo de compreender o funcionamento das organizações criminais. Não acredito que haja um esforço específico para essas situações de queima de ônibus, até porque elas são mais circunstanciais, e há uma dificuldade maior de investigar por não ser um crime continuado, como o tráfico de drogas.”

Cada ônibus custa R$ 900 mil; reposição pode levar seis meses

O RioÔnibus contabilizou a perda de 32 coletivos por conta de ataques criminosos a coletivos nos últimos 12 meses. Cada veículo custa até R$ 900 mil, e a reposição pode levar até seis meses, segundo o sindicato.

Por conta da recorrência, as viações afirmam que não conseguem viabilizar uma cobertura de seguro, ainda de acordo com o porta-voz das empresas, Paulo Valente. O prejuízo passa de R$ 28 milhões.

Paulo destaca que as consequências vão além dos impactos no preço da passagem e na oferta de viagens: “É um prejuízo para toda a sociedade. Dependendo do local, acabamos tendo vários quilômetros de engarrafamento pela cidade. A rotina e o dia a dia da cidade acabam sendo afetados”, afirma.

Insegurança

Com a frequência dos casos de motoristas rendidos por criminosos, o sindicato das empresas de ônibus passou a orientar como os profissionais devem agir numa possível abordagem.

“Normalmente, os motoristas e passageiros são obrigados a descer em meio ao terror imposto pelos criminosos. Em um primeiro momento, orientamos que os motoristas tenham calma e que orientem a retirada dos passageiros com cuidado, para não ter feridos. Depois, o motorista deve procurar um local seguro e avisar à empresa para que as autoridades sejam acionadas”, disse Paulo Valente.

Além da preocupação com a segurança, outro temor é com o psicológico dos motoristas que se tornam alvo dessas situações. “Muitos condutores pedem para não trabalhar mais em determinadas linhas, por conta desses episódios de violência. Então, a gente faz um acompanhamento com eles e procura acalmá-los. Mas são muitos os pedidos para serem retirados dessas linhas.”

‘Atravessa o carro e me dá a chave’, relata motorista sobre abordagem

Durante o sequestro de ônibus no Chapadão, na última quarta-feira (14), ao menos quatro linhas de ônibus foram afetadas. Um motorista abordado relatou a RECORD como tudo aconteceu.

Ele disse ter recebido a ordem de ocupantes de motocicletas: “Atravessa o carro e me dá a chave”, relatou o condutor sobre o que ouviu dos suspeitos, que aparentemente estavam desarmados.

Naquele momento, três passageiros também estavam no coletivo. Todos precisaram desembarcar.

Baixada Fluminense

Incêndios a coletivos não estão restritos à capital. Desde o ano passado, a Baixada Fluminense registrou 21 ônibus queimados, sendo 17 casos somente em Duque de Caxias. Os dados são da Semove (Federação das Empresas de Mobilidade do Estado do Rio de Janeiro).

*Sob supervisão de Bruna Oliveira


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