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Adultos enfrentam incertezas na busca por diploma da escola

Com módulos semestrais, estudantes da rede de Educação para Jovens e Adultos de São Paulo não têm perspectiva de quando serão graduados

São Paulo|Gabriel Croquer*, do R7

Escola em Paraisópolis transformada em unidade de isolamento para covid-19
Escola em Paraisópolis transformada em unidade de isolamento para covid-19

Com três filhos em casa, a faxineira Ormesia Graciele Ferreira dos Santos, de 38 anos, divide seu tempo em casa entre os afazeres domésticos, o auxílio aos estudos do filho menor, de seis anos, e a dedicação às atividades virtuais do primeiro ano do ensino médio, para cumprir o seu seu maior sonho: ingressar no curso superior de pediatria. 

Leia também: Ensino a distância na quarentena esbarra na realidade de alunos e professores

Depois de deixar a escola na adolescência, por uma gravidez precoce e dificuldades financeiras, Ormesia voltou aos estudos em 2017. Ela faz parte do grupo de de alunos de cerca de mil escolas da rede estadual de São Paulo de EJA (Educação para Jovens Adultos), sem perspectiva de quando se formarão em meio à suspensão indefinida das aulas presenciaispor conta da pandemia do novo coronavírus

Com a graduação nos módulos semestrais condicionada à volta das aulas – para realização de avaliação presencial – estes alunos estudam sem perspectiva da data em que avançarão de série. Na última sexta-feira (5), a incerteza foi reforçada pelo secretário executivo da Educação, Haroldo Rocha: "Isso (volta das aulas presenciais) depende da evolução da pandemia", afirmou o secretário.


"A intenção de grande parte, seria concluir agora. E no próximo semestre já dar entrada em curso técnico, faculdade. Mas infelizmente diante da pandemia, os sonhos e estudos precisaram esperar", conta Larissa (nome fictício para preservar a privacidade da entrevistada), que é aluna do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Levi Carneiro, no Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo.

O R7 conversou com coordenadores e estudantes da rede sobre os estudos durante à pandemia, em regime de educação remota. A sobrecarga de atividades e a falta de contato com professores foram alguns dos desafios citados pelos alunos. Os coordenadores temem a evasão escolar, fruto das dificuldades financeiras dos estudantes.


"Na educação de Jovens e Adultos%2C por questões sociais%2C esta população é altamente precarizada. Então eles vão sofrer muito%2C e sofrem%2C não é nem com a questão de ensino%2C é com a questão da alimentação. Tem aluno ligando desesperado%3A 'Tô com fome'".

(Diego Elias Santana Duarte - Coordenador Geral do CIEJA Campo Limpo)

Aulas dentro de casa

Dentro de sua casa, no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo, Ormesia Graciele conta que, mesmo afastada do trabalho, não consegue mais tempo para estudar mais do que quando tinha aulas presenciais, no CEEJA (Centro Estadual de Educação para Jovens Adultos) Clara Mantelli.

"Tenho que ajudar o filho com as aulas dele pela manhã e cuidar de casa no resto do dia. Acabo deixando para estudar na parte da noite mesmo, junto com a minha filha", explica a faxineira.


Cada um dos módulos semestrais da EJA são equivalentes aos anos e séries do ensino regular. A rede tem carga horária de quatro horas diárias, de segunda à sexta-feira. Nos Centros Estaduais da EJA, os alunos disfrutam de mais autonomia, com horário flexível e o seu próprio plano de estudos.

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As duas se preparam juntas para prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), em sessão de estudos em que Ormesia é ajudada pela filha. A faxineira reveza com a família o acesso às aulas virtuais por meio do celular, único dispositivo disponível na residência para acessar o conteúdo disponibilizado pela internet.

No dia 27 de abril, as aulas da rede estadual foram retomadas em São Paulo, por meio de atividades na TV e na internet, após um mês de férias antecipadas. Em parcerias com redes telefônicas, o governo afirmou garantir o acesso online gratuito aos alunos (que seriam acompanhados pelos professores nas tarefas), além de distribuir apostilas.

Novas dificuldades

Larissa relata que teve os estudos prejudicados na EJA da escola Levi Carneiro, por falta de comunicação da unidade. Sem notícias da escola ou de professores após mais de 10 dias da retomada das aulas, no dia 22 de abril, a estudante decidiu agir: "Eu e algumas amigas resolvemos montar um grupo [no Whatsapp] com a maior parte dos alunos da sala para a gente chegar a uma conclusão para buscar a resposta da escola."

No dia 2 de maio, os alunos colocaram dois professores da escola no grupo para perguntar da continuação das atividades. Ainda de acordo com Larissa, as tarefas começaram a ser enviadas há cerca de um mês. 

O contato também pode ser pior durante as aulas, segundo Ormesia: "Não é a mesma coisa pela internet. Você acaba ficando sem jeito de fazer pergunta e acaba passando despercebido", diz Ormesia sobre o contato com professores por meio também de um grupo no Whatsapp, que reúne todos os alunos da CEEJA Clara Mantelli.

Por causa da nova rotina da pandemia, o motorista Celso Silveira Vasconcellos, de 50 anos, não sabe nem quando conseguirá voltar aos estudos. Após perder a matrícula por inatividade no CEEJA Clara Mantelli, Celso não conseguiu mais atendimento presencial.

"Fui na escola para fazer a rematrícula, como estava muita fila para outro dia. Voltei lá na semana seguinte e a unidade já estava fechada", contou. Ele foi informado por seus professores que terá que aguardar a volta das aulas presenciais para retomar os estudos. 

Mantendo o contato

O coordenador geral do Cieja (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos) Campo Limpo, Diego Elias Santana Duarte, acredita que a conversa entre professores e alunos é fundamental para manter a educação e motivação dos estudantes. "A gente está pensando em elementos que os auxiliem nesse processo de ficar em casa, pensar em exercitar o corpo, nos hábitos, para ter uma distração", explicou Diego.

Após a suspensão das aulas, a equipe da Cieja Campo Limpo contactou cerca de 1.100 alunos da unidade para a continuidade das atividades. Porém, pelo menos 500 dos 1.600 estudantes da unidade não foram alcançados. Sem renda, alguns deles mudaram de endereço ou perderam a linha do telefone após o início da pandemia, conta o coordenador. 

Ilza Rosa de Senna, coordenadora voluntária do Instituto Escola do Povo, fundado por moradores da comunidade de Paraisópolis, diz que as aulas estão completamente suspensas por causa da pandemia. A escola, não vinculada à prefeitura e ao governo do Estado, alfabetiza idosos da comunidade. 

"Nós estávamos no começo das aulas, quando começou o problema da doença. Tínhamos muitos alunos, várias salas preparadas". 

Expectativa pela volta das aulas

O Estado de São Paulo ainda não possui data para retorno das aulas presenciais. Na última sexta-feira (5), o secretário executivo da Educação, Haroldo Rocha, afirmou que, quando houver retorno, será em fases e utilizando o ensino híbrido (remoto e presencial).

"A ideia é voltar em fase, combinadas com as fases do Plano São Paulo. Voltar com 20% dos alunos, num primeiro momento, num segundo, com 50%. E, na fase final, com 100% dos alunos", comentou.

Neste período, os alunos adultos tem que manter o desempenho, caso contrário podem ser submetidos à recuperação ainda durante as aulas remotas. Em nota, a secretaria da Educação afirmou que os "professores foram orientados a usarem diferentes instrumentos de avaliação para acompanharem o processo de aprendizagem e incentivarem o comprometimento com os estudos por parte dos alunos". 

Celso Silveira, que voltou aos estudos após 32 anos
Celso Silveira, que voltou aos estudos após 32 anos

Enquanto isso, Celso Silveira, Ormesia Graciele, e Larissa, contam que continuarão os estudos, em busca da formação no ensino médio. "Tenho este sonho [fazer faculdade de pediatria] desde os dez anos, e agora vou realizar ele!", promete Ormesia Graciele.

Depois de aguardar por mais de dois anos a vaga na EJA, Larissa garante que não será agora, praticamente formada no ensino médio, que desistirá dos estudos. Quando se formar, Celso Silveira considera ir para a área de fotografia ou fazer um curso de radiologia.

"Parei de estudar para começar a trabalhar e ajudar meus pais. Mas hoje você vê que no mercado%2C se não tiver uma qualificação melhor%2C você fica aí a mercê desses patrões"

(Celso Silveira, 50 anos)

*Estagiário do R7, sob supervisão de Ana Vinhas

Com informações da Agência Estado

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