São Paulo Coordenador do Pérola Byington vê "descaso completo" em atendimento a vítimas de estupro

Coordenador do Pérola Byington vê "descaso completo" em atendimento a vítimas de estupro

Para Jéferson Drezett, casos não são tratados como emergências em unidades de saúde

  • São Paulo | Ana Ignacio, do R7

Hospitais são obrigados a atender todas as vítimas de estupro

Hospitais são obrigados a atender todas as vítimas de estupro

Divulgação/Agência Brasil

Até maio deste ano, ao menos 3.851 mulheres foram vítimas de estupro no Estado de São Paulo, de acordo com dados da SSP (Secretaria de Segurança Pública). O número representa mais do que o dobro dos casos de assassinato no Estado no mesmo período.

No entanto, os casos — e as vítimas — de estupro não são tratadas com a urgência que deveriam. Esta é a avaliação de Jéferson Drezett, coordenador do Serviço de Violência Sexual e Aborto Legal do Hospital Pérola Byington, referência nesse tipo de atendimento no País. Segundo ele, mesmo após a criação de uma lei federal que obriga os hospitais a prestar assistência de emergência em casos do tipo, o País tem deixado muito a desejar nesse quesito.

— Esse atendimento tem sido um descaso completo.

De acordo com Drezett, as unidades de saúde não são fiscalizadas e não há cobrança para que o serviço seja prestado. O coordenador defende, ainda, que casos de estupro devem ser vistos como qualquer outra urgência de um pronto-socorro como um atropelamento, por exemplo.

— Uma mulher vítima de estrupo fica exposta a uma série de consequências que podem ser evitadas. Essa é uma situação de emergência e você precisa de atendimento imediato que tem que ser prestado em hospital. Essa mulher tem que receber o anticoncepcional de emergência para evitar a gravidez e um conjunto de medicamentos para evitar as doenças.

Veja os principais trechos da entrevista de Drezett:

R7 — Os hospitais estão preparados para fazer atendimento a vítimas de estupro e abuso sexual?
Jéferson Drezett — Vejo que não. Não é nem uma questão de preparo. É uma questão de querer ou não fazer esse atendimento, o que é até um pouco pior. No entanto, tivemos uma lei federal [de agosto de 2013] para obrigar que o centro de saúde fizesse esse atendimento emergencial [às vítimas de estupro]. Não nos falta fundamentação técnica, orientação técnica sobre quais procedimentos precisam ser feitos, o que acontece é que a gente não aplica essa normativa.

R7 — Alguma coisa mudou após a lei?
JD — Em 2013, tivemos essa iniciativa obrigando os serviços de saúde a prestar esse tipo de serviço. Como setor de referência, posso te dizer que não tenho nenhum indicador que mostre que algo mudou com a lei. Metade dos casos que atendemos no Pérola vem de outros munícipios, ou seja, municípios que nem com o estabelecimento da lei têm prestado esse tipo de atenção.

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R7 — Então o que é possível fazer para garantir esse tipo de atenção com as mulheres?
JD — O que acontece, no meu entender, é uma ausência escandalosa do poder público em fazer isso acontecer ou cobrar que isso aconteça. Ou seja, o hospital vai fazer o que bem quiser, descumprir a lei o quanto bem quiser e ninguém o incomodará? Há um descumprimento dessa necessidade de atendimento e quem descumpre não é incomodada em nada. Enquanto for assim, os centros de saúde vão atender o que achar que devem atender.

R7 — Como deveria ser esse atendimento?
JD — Vamos separar em duas partes. Uma é a questão da urgência. Uma mulher vítima de estrupo fica exposta a uma série de consequências que podem ser evitadas. Por exemplo, ela fica exposta a uma gravidez forçada indesejada, e fica sujeita a um grande número de doenças sexualmente transmissíveis. A mulher tem 30% de chance de contrair alguma doença, o que é um número muito alto. Essa é uma situação de emergência e você precisa de atendimento imediato que tem que ser prestado em hospital. Essa mulher tem que receber o anticoncepcional de emergência para evitar a gravidez e um conjunto de medicamentos para evitar as doenças. Esse atendimento fundamental é que tem sido um descaso completo. A outra questão é quando a gente tem uma situação de mulheres que já passaram por estupro e que estão com uma consequência, um agravo decorrente desse estrupo como, por exemplo, uma gravidez.

R7 — E qual o cenário no atendimento a casos de gravidez decorrentes de estupro? A situação é diferente?
JD — No caso do abordo legal, parece que fica ainda pior. A gente não se mostra capaz de fazer a prevenção da gravidez indesejada, já que o atendimento não é feito, e depois a gente tem dificuldade de lidar com o abortamento. É muito complicado. Em São Paulo, há como fazer, mas isso não é verdadeiro para outros locais. No ano passado, recebemos mulheres de seis Estados que vieram buscar atendimento no hospital, mas são mulheres que têm recursos para fazer isso. Como a gente faz com uma mulher pobre, que tem menos recursos? Ela fica sem atendimento ou, o que é pior, ela procura atendimento clandestino e vai colocar a vida dela em risco para fazer um aborto clandestino do qual, na verdade, ela tem direito.

R7 — O atendimento psicológico também se enquadra como uma consequência do estupro. Como isso é tratado pelos centros de saúde?
JD — O que a gente sabe é que, tirando casos pontuais, a violência sexual traz um impacto muito grande emocional para essas mulheres e é claro que quando mais cedo se trabalha isso, melhores são os resultados. Quanto mais abandona, quanto mais colocada de lado, quanto mais demorar para dar essa atenção, as consequências são maiores e serão piores. Elas precisam de atenção. Não estou dizendo que isso tem que ser feito na emergência, mas elas não podem esperar uma vida, não podem esperar dois três anos para receber atendimento porque muita sequela e consequência já foram consolidadas. O atendimento inicial não precisa ser um hospital de referência, pode ser em uma unidade de saúde.

R7 — As mulheres procuram mais por ajuda hoje? O senhor vê uma evolução nesse sentido?
JD — Sim, buscam mais ajuda sim. A gente tem percebido que a internet tem um papel importante para essas mulheres. Hoje temos um percentual de 10% a 15% que chegam ao serviço do Pérola por localizar via internet, mas isso não quer dizer que resolveu o problema. Algumas pessoas procuram e conseguem, mas uma boa parte tem dificuldade de encontrar atendimento.

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