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Crimes de Maio: impunidade marca doze anos dos ataques em SP

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo lançam nesta segunda-feira (14) relatório sobre as 564 mortes ocorridas em maio de 2006

São Paulo|Plínio Aguiar, do R7

Crimes de Maio continuam sem resposta mesmo 12 anos depois
Crimes de Maio continuam sem resposta mesmo 12 anos depois Crimes de Maio continuam sem resposta mesmo 12 anos depois

“O maior massacre da história contemporânea de São Paulo continua sem resposta doze anos depois”, diz Debora Maria da Silva, de 59 anos, mãe de Rogério Silva dos Santos, morto aos 29 anos em maio de 2006.

Santos está entre as 564 vítimas executadas no período conhecido como 'Crimes de Maio'. Na época, rebeliões foram feitas em 74 cadeias do Estado de São Paulo como resultado de uma transferência de 765 presos para uma penitenciária de segurança máxima. Do lado de fora, toque de recolher foi espalhado, estabelecimentos fecharam as portas e a cidade que nunca para, parou.

A onda de ataques completa 12 anos agora em maio e, para não cair em esquecimento, pesquisadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) apontaram em uma pesquisa que os assassinatos foram, de fato, execuções, além de indicarem a necessidade de reabertura das investigações para identificação e julgamento dos responsáveis e a denúncia da impunidade na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A pesquisa, “Violência do Estado no Brasil: um estudo do crime de maio de 2006 na perspectiva da antropologia forense e da justiça de transição”, foi feita por civis e acadêmicos do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense da Unifesp.

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Em entrevista ao R7, o coordenador da pesquisa, professor doutor Javier Amadeo, acredita que os crimes continuam sem resposta devido à soma de uma decisão política com o descaso sobre as vítimas. “Há a suspeita de os assassinatos terem sido cometidos por agentes de segurança. Então, a polícia tomou a decisão de não investigar algo que ela mesma fez”, diz.

Na tentativa de encontrar uma solução, a PGR (Procuradoria Geral da República) pediu, em 2009, o deslocamento de competência para a Justiça Federal — mas nada foi feito, nem concluído. As famílias das vítimas continuam sem resposta.

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Em 2015, a Defensoria Pública juntamente com o movimento Mães de Maio denunciaram o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), em que notificam a precariedade das investigações e a insistência da impunidade dos responsáveis dos crimes. “É mais fácil ter resposta pela Justiça no exterior do que a do Brasil”, acredita Amadeo.

Para a Defensoria, o resultado da análise dos processos de investigação mostrou que a estrutura policial e judicial do Estado paulista foi "incapaz de apurar, julgar e punir os perpetradores desses crimes". O órgão reafirma que "houve clara violação aos direitos humanos das vítimas à vida, à integridade física, à liberdade e seguranças pessoais, às garantias judiciais e à proteção judicial, tods elas asseguradas pela Convenção Americana de Direitos Humanos". 

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A necessidade de solução dos crimes é enorme para Debora, que também é fundadora do movimento: “não estamos atrás de vingança, estamos atrás de Justiça”. E vai além. “A pena de morte a céu aberto foi decretada em 2006 e o governo não fez nada”, afirma.

A ausência de impunidade está aliada ao fato de os assassinatos terem sido execuções, como aponta a pesquisa. O texto mostra que o local ou a vítima são previamente definidos e são assassinados por encapuzados ou veículos sem identificação, em regiões de alta letalidade (cabeça e tronco) e, na maioria dos casos, efetuados pelas costas e a curta distância — a lista, para Amadeo, qualifica os crimes como execuções.

“As vítimas, em sua maioria, eram jovens, negros, pobres e moradores de periferias”, explica o coordenador. O perfil dos executados, segundo Debora, mostra que no Brasil, “pobre e negro é tratado como inimigo”.

Um dos exemplos, como mostra a pesquisa, é de Hércules Santos da Purificação. O homem, de 25 anos, teria atirado contra um policial, que estava dentro de sua casa, na rua Oeiras. O PM, em seguida, revidou o ataque e, de dentro, atirou contra o suspeito. Purificação foi baleado cinco vezes no rosto - resultado de uma execução, segundo Amadeo.

O caso foi registrado como tentativa de homicídio e classificado como resistência seguida de morte, segundo a polícia. No entanto, o laudo necroscópico indica que o uso da força entre os dois protagonistas foi desproporcional e que pode ter havido uso excessivo da força por parte do policial.

Debora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio
Debora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio Debora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio

Reparação

A pesquisa aponta a importância da reparação material, moral e psicológica dos familiares das vítimas do maior atentado paulista. O coordenador acredita que “não é possível falar em justiça se a reparação material e imaterial não for contemplada no julgamento”.

Às famílias, deve ser feito um pagamento por gastos como funeral, tratamentos médicos e hospitalares, psicólogos, medicamentos e afins, juntamente ao ressarcimento por danos imateriais como dor, sofrimento, angústia, medo e solidão e o embolso provocado, principalmente, pela perda do ente querido e pela não punição dos responsáveis.

Deborah diz que não tem reparação suficiente que pague a vida de um filho morto, no entanto, acredita que deveria ter uma devolutiva. “ O mais importante é um pedido de desculpas do Brasil, porque nossos filhos foram mortos pelo Estado”, finaliza.

Pesquisa

A pesquisa teve como foco o assassinato de 60 pessoas na região da Baixada Santista, no litoral paulista, entre os dias 12 e 20 de maio. “Tais casos eram justamente os que tinham mais informações e, por coincidência, ligamento com o movimento Mães de Maio”, diz Amadeo.

Construída a partir de boletins de ocorrência, laudos necroscópicos, inquéritos policiais e entrevistas com familiares, os pesquisadores criaram uma base de dados sobre as vítimas de Maio. Reunir as informações foi o maior desafio da pesquisa, conta Amadeo. Segundo a base de dados, do total de mortos 48% foi em Guarujá, 25% em Santos, 20% em São Vicente, 3% em Praia Grande, 2% em Bertioga e 2% em Peruíbe.

Dos 60 executados, 53 eram civis, o que representa 88% dos casos ilustrados pela pesquisa. Cerca de 91% das vítimas eram homens e 9%, mulheres. A faixa etária mostra que 39,5% tinham entre 15 e 19 anos, e 33% de 20 a 24 anos, totalizando 72,5%.

Em relação aos tiros, 32% dos disparos atingiram a cabeça, seguida de 32% no tórax, 14% nos braços, 10% no abdômen, 8% membros inferiores e 6% nas mãos, concretizando, então, indícios de execução sumária. Os homícidios ocorreram predominantemente no período noturno e início da madrugada, das 19h às 3h, além de ter a proporção de seis civis mortos para cada agente morto.

Quando comparado com a renda média mensal dos habitantes das cidades em que se registraram vítimas, percebe-se que os crimes aconteceram as regiões onde a renda salarial correspondia a dois salários mínimos ou menos.

Crimes de Maio ocorreu entre os dias 12 e 20 de maio de 2006 no Estado de SP
Crimes de Maio ocorreu entre os dias 12 e 20 de maio de 2006 no Estado de SP Crimes de Maio ocorreu entre os dias 12 e 20 de maio de 2006 no Estado de SP

Crimes

Entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, 564 pessoas foram assassinadas no Estado de São Paulo, sendo 505 civis e 59 policiais — os ataques ficaram conhecidos como Crimes de Maio.

Após escutas telefônicas apontarem que organizações criminosas planejavam rebeliões para o Dia das Mães, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) transferiu 765 presos para a Penitenciária do Tremembé, de segurança máxima — entre eles estava Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado o líder da facção PCC (Primeiro Comando da Capital).

Como consequência do deslocamento de presos, motins foram feitos em 74 cadeias do Estado, entre elas, presídios de segurança máxima, penitenciárias e centros de detenção provisórias. Durante as rebeliões, 439 pessoas foram feitas reféns e pelo menos 13 morreram no interior dos presídios.

Do lado de fora, carros da Polícia Militar e Civil, Corpo de Bombeiros, Guarda Civil Metropolitana e delegacias foram atacadas, naquele considerado o maior ataque contra as forças de segurança da história.

As forças de segurança responderam: boatos de toque de recolher assustaram a população, com medo de sair às ruas. A maioria dos estabelecimentos fecharam as portas. Pessoas foram executadas, a sangue frio, por uma decisão de mostrar uma resposta repressiva aos ataques feitos supostamente por membros do PCC.

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