De loteamento a 2ª maior favela de SP: Paraisópolis celebra 100 anos
Região pode ser observada como símbolo de uma cidade desigual, mas cresceu como potência econômica e cultural na zona sul
São Paulo|Guilherme Padin, do R7
Na década de 1920, a região hoje conhecida como Paraisópolis era um loteamento abandonado na região do Morumbi. O crescimento populacional acelerado expandiu o bairro até torná-lo a segunda maior favela de São Paulo e a quinta do país, com 100 mil habitantes – um símbolo das periferias paulistanas, que completou seu centenário na última quinta-feira (16).
Cercada por condomínios de luxo da Vila Andrade e do Morumbi, Paraisópolis pode ser observada sob a perspectiva de uma metrópole desigual, em que em que moradores de periferia podem viver até 23 anos a menos, em média, do que quem vive em uma região mais abastada.
Porém, a comunidade se desenvolveu economicamente – atualmente, conta com mais de 14 mil pontos de comércio – e é também um importante núcleo cultural da zona sul da capital paulista.
Para a semana do aniversário, as organizações locais prepararam uma série de atividades (confira o cronograma abaixo) de esportes, cultura, empreendedorismo e moda, entre outras áreas, que começaram na quinta-feira (17) e terminam no próximo sábado (25).
Do loteamento de luxo à segunda maior comunidade da cidade
Antes de se tornar uma das maiores comunidades do país, a região onde está Paraisópolis foi parte da Fazenda Morumbi, destinada a atividades para o cultivo de chá. Como explica Stefania Dimitrov, mestranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e estudiosa sobre favelas em São Paulo há mais de 20 anos, a expansão urbana foi incentivada pelo crescimento das regiões do Butantã e do então município de Santo Amaro.
O loteamento onde está Paraisópolis hoje foi construído em 1921 pela União Mútua Companhia e Crédito Popular S.A. “O projeto previa a implantação de 2.200 lotes em quadras regulares de 100 x 200m e ruas de 10m de largura”, comenta Dimitrov.
No entanto, segundo a urbanista, a demarcação de quadras e lotes foi realizada sem a implementação de infraestrutura básica, resultando em lotes com declividades acima de 40%, o que dificultou a ocupação das pessoas na região. Por conta disso, o loteamento teve pouco sucesso comercial, e assim a ocupação irregular começou em 1950.
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Com a oferta de empregos para a construção civil, destaca a urbanista, impulsionada pelas construções de grandes empreendimentos como o Palácio dos Bandeirantes, o Estádio do Morumbi, o hospital Albert Einstein e os cemitérios do Morumbi e Getsemani, o crescimento populacional começou a se acelarar entre as décadas de 1950 e 1970.
Líder comunitário de Paraisópolis e presidente do G10 das Favelas, conglomerado com as dez maiores comunidades do país, Gilson Rodrigues vive no bairro há 30 anos. Sua família chegou ali há 70.
“O bairro cresceu de maneira acelerada e desordenada devido às construções na região, e continua a crescer. Foram [em maioria] famílias nordestinas, que são 83% da população da comunidade; dos quais 53% são baianos”, diz Rodrigues.
A vivência da qual mais se recorda é que, quando a família veio a São Paulo, a chegada foi acompanhada de muitos sonhos: “de ficar rico, de ajudar quem ficou, de ter uma educação melhor para as crianças. As pessoas do Nordeste continuam chegando aqui, ainda sonham com São Paulo e a terra das oportunidades que aparece na TV.”
Potência cultural e práticas esportivas
“Somos um bairro culturalmente muito rico”. Dessa forma o orgulhoso Gilson Rodrigues destaca o bairro onde sua família vive há sete décadas.
“Temos um circuito cultural chamado Paraisópolis das Artes [que retornou neste sábado, 18, pela primeira vez na pandemia]. Cria oportunidades únicas como a visita ao Castelo do Gaudi de Paraisópolis; o Ateliê do Berbela, um mecânico que reaproveita peças automotivas e faz obras de arte; a orquestra de Paraisópolis; a casa do Antenor, que criou uma casa de garrafas pet; e temos vários artistas, escritores e atores que vivem no bairro”, relata o líder comunitário.
Palco de uma desastrosa ação policial que resultou na morte de nove jovens – de 14 a 23 anos – em 1º de dezembro de 2019, o tradicional Baile da Dz7 ganhou repercussão nacional pela tragédia causada pelos agentes da PM, indiciados posteriormente por homicídio culposo. Apesar do episódio trágico, nunca deixou de ser uma importante alternativa de lazer entre milhares de jovens da região e de toda a cidade.
Com exceção ao período de pandemia, o baile movimentou de três a cinco mil pessoas por final de semana ao longo dos últimos anos. “Aqui tem o rap, o funk. Temos o Baile da Dz7, que é um baile muito grande. Gente da cidade e do estado inteiro vem conhecer”, comenta Rodrigues.
Paraisópolis também é a casa da Copa da Paz, um dos maiores torneios de futebol de várzea do país. Realizada na Arena Palmeirinha, a competição dura três meses, possui prêmios fartos em dinheiro e, com públicos que frequentemente lotam as arquibancadas, ajuda a movimentar o comércio local.
Para além da Copa da Paz, a prática esportiva também é impulsionada pelos moradores e projetos sociais na região.
“Também temos o projeto social do judô, com o Tiago Camilo; programas de esgrima com os Mosqueteiros de Paraisópolis; um dos maiores celeiros do rugby no país. São muitas oportunidades culturais e esportivas criadas pelos próprios moradores do bairro”, diz Gilson Rodrigues.
Economia cresce na comunidade
Entre os 100 mil habitantes, um quinto dos trabalhadores atua na região, que conta hoje com aproximadamente 14 mil pontos de comércio, segundo as associações locais de moradores.
“Somos uma potência econômica. Por mais que vivamos num bolsão de pobreza, o fato de vivermos aglomerados, o potencial de consumo unido dessas famílias representa alguns milhões de reais”, diz Rodrigues.
O líder comunitário destaca em mais de uma oportunidade o poder de transformação do bairro a partir das mãos de seus próprios moradores.
“Apesar da política pública demorar a chegar, podemos nos transformar através do empreendedorismo. Temos grandes empresas investindo no mercado de Paraisópolis. Nós fazemos parte do bloco das dez maiores favelas do Brasil, que juntas movimentam R$ 7 bilhões, ou seja, quem não investe na favela está perdendo dinheiro”, conclui.
Símbolo de uma São Paulo desigual
As avenidas Hebe Camargo e Giovanni Gronchi dividem grande parte de Paraisópolis e diversos bairros repletos de condomínios de luxo, como Jardim Morumbi, a Fazenda Morumbi e o Jardim Parque Morumbi.
As paisagens com os edifícios e a comunidade a uma curta distância são um símbolo de uma cidade desigual.
A variedade de opções de lazer, culturais e esportivas, bem como o mercado que cresce na favela, são conquistas dos próprios habitantes, como destacam. O poder público, segundo eles, dificilmente oferece melhorias à região.
Segundo o Mapa da Desigualdade de 2020, da Rede Nossa São Paulo, a Vila Andrade, onde está localizada a comunidade de Paraisópolis, está abaixo da média paulistana – entre 96 distritos – em aspectos como o acesso a transporte de massa, a cobertura de atenção básica de Saúde, o tempo de espera por atendimento na atenção básica e por vagas em creche.
O distrito também está entre os quatro de mais baixo Nível Socioeconômico (Inse) da cidade e entre os mais altos índices de evasão escolar no ensino fundamental da rede municipal.
Além disso, ainda possui pouco equipamentos públicos de cultura (entre os 15 últimos), centros culturais e espaços de cultura (0), equipamentos públicos de esporte e acervos de livros infanto-juvenis e adultos muito abaixo da média.
Paraisópolis possui, ao todo, 12 escolas públicas (estaduais e municipais), uma ETEC, um CEU, três UBSs e uma AMA.
Confira as atividades do centenário de Paraisópolis
Em comemoração ao centenário, Paraisópolis apresenta um calendário de atividades que começou na última quinta-feira (16) e terminará no próximo sábado (25). As ações envolvem áreas como cultura, esporte, empreendedorismo, moda e gastronomia, entre outras.
Confira as atividades partir deste domingo:
Domingo (19/09)
9h00 - Lançamento Feira Agro-Favela
O que é? O evento contará com oficinas de plantio de hortaliças, bancas com a venda produtos da horta, durante todo o dia, e será lançado o e-book “Comida Saudável”.
10h30 - Exposição “Conheça as nossas histórias”
O que é? Exposição que conta a história de 10 figuras femininas de Paraisópolis, realizada pela AMP (Associação das Mulheres de Paraisópolis).
Segunda-feira (20/09)
09h00 - Lançamento do Programa Invest Nelas e Academia de Revendedoras
O que é? Encontro de revendedoras e concessão de microcrédito do G10 Bank. Será lançado o programa Invest Nelas voltado para apoiar mulheres empreendedoras autônomas informais, negras e em situação de vulnerabilidade social. Cada empreendedora receberá o crédito de R$1.500,00 oferecido pelo G10 Bank, parcelado em 10 vezes. Neste primeiro momento, serão atendidas 50 mulheres de Paraisópolis. Além do auxílio financeiro, o programa inclui qualificação profissional.
11h00 - Desfile Empodera com as mulheres da AMP (Associação de Mulheres de Paraisópolis), em parceria com a Costurando Sonhos Brasil
O que é? Cerca de 40 mulheres receberão um dia de beleza e passarão por uma transformação no visual e depois participarão de um desfile
Exposição Sapatos Cinderela
O que é? Exposição de sapatos gigantes da Cinderela assinados por grafiteiros e estilistas, em parceria com a Costurando Sonhos e Academia de Revendedoras. Os sapatos serão leiloados, o valor arrecadado no leilão será revertido para projetos sociais de Paraisópolis.
Terça-feira (21/09)
09h00 às 17h00 -Feira de Empreendedorismo e Empregabilidade
O que é? Mutirão de oferta de empregos com recrutamento e seleção de profissionais para vagas pelo “LinkedIn da Favela”, Emprega Comunidades. A feira acontece em parceria com o G10 Favelas, o Sebrae a rede Magalu, a Gerdau, a Faculdade Anhanguera, a LanUp, a Low Card, o Senai, o Senac, a prefeitura de São Paulo e o Governo do Estado. Serão realizados workshops, Talk Shows e palestras. A expectativa é receber cerca de 700 pessoas no dia, mantendo todas as medidas necessárias para prevenção da Covid-19.
Quarta-feira (22/09)
Parada Esportiva coordenada pelo Instituto Esporte na Favela em parceria com AMP (Associação das Mulheres de Paraisópolis)
09h00 às 10h30 - Aulão de defesa pessoal para mulheres, em parceria com a academia Bravus e academia do Karomba. Durante o dia, serão realizadas diversas atividades com projetos esportivos de Paraisópolis.
Quinta-feira (23/09)
09h00 - Lançamento do Marketplace Brasileiríssimo
12h00 - Exposição Memórias de Paraisópolis,
O que é? Exposição fotográfica organizada pela agência Cria Brasil, que conta a história da comunidade. A exposição traz uma série de imagens cedidas por moradores para compor a construção da narrativa da segunda maior favela de São Paulo.
Sexta-feira (24/09)
09h00 - Lançamento Programa Cores da Favela
O que é? Programa de revitalização de fachadas das casas de Paraisópolis em parceria com o projeto Assessora e Revitaliza. Cerca de 50 casas passarão por reformas das fachadas e pintura de forma gratuita.
09h00 - Encontro de Comunicadores das Favelas,
O que é? Organizado pela Agência Cria Brasil, o evento será dividido em 3 painéis com a participação de jornalistas da periferia e da grande mídia. O encontro irá promover debates sobre a construção das narrativas dentro e fora da favela.
09h00 - Inauguração da Biblioteca G10 Favelas
Sábado (25/09)
9h às 16h- Mutirão de Renegociação da Enel
09h00 - Apresentação Cultural - Reisado da Cidade de Boa Hora (PI) que fará a abertura do dia.
19h - Encerramento com a Live Favela Music
As atividades acontecerão no Pavilhão Social G10 Favelas - Rua Itamotinga, 100.