Rodovia dos Imigrantes, administrada pela Ecovias, que fez acordo com o MP
TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO
A concessionária Ecovias, que administra o sistema Anchieta-Imigrantes, firmou nesta segunda-feira (6) acordo com o Ministério Público Estadual em que afirma que todos os 12 contratos de concessão rodoviária assinados pelo governo de São Paulo a partir de 1998 foram fraudados por meio da ação de um cartel.
Segundo a companhia, o grupo, formado por dezenas de empresas, pagou propina a agentes públicos e fez repasses para caixa dois de campanhas políticas.
Durante a duração do cartel, estiveram no comando do Estado de São Paulo os governadores Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra, todos do PSDB. Como parte do acordo de não persecução cível assinado nesta segunda, a Ecovias se comprometeu a pagar R$ 650 milhões ao Estado.
Deste total, R$ 150 milhões deverão ser usados para custear uma redução de 10% no valor da tarifa do pedágio da Ecovias entre 19h e 5h, em uma ação voltada a caminhoneiros que continuam trabalhando em meio à pandemia de coronavírus.
Outros R$ 36 milhões serão usados para custear UTIs para pacientes com covid-19 e testes da doença.
Segundo relatos feitos ao MP, a Ecovias e dezenas de empresas formaram consórcios para disputar licitações com o objetivo apenas de simular competição. Nem todas, porém, tinham condições reais de assumir as rodovias em disputa.
Obedecendo regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Ecovias, que é do grupo EcoRodovias, cujas ações são negociadas na Bolsa de Valores, divulgou um fato relevante ao mercado no início da noite desta segunda-feira dando informações sobre o acordo. O principal acionista da empresa é a Primav, empresa de capital fechado da CR Almeida, uma das construtoras investigadas pela Lava Jato.
Este é o maior acordo cível já assinado pelo MP paulista, em valores arrecadados. Os promotores envolvidos na negociação, Silvio Marques, José Carlos Blat e Paulo Destro, disseram que não iriam se manifestar, pois o acordo está sob sigilo e ainda precisa ser homologado pelo Conselho Superior do MP-SP e, depois, pela Justiça.
Do total que será pago pela Ecovias, R$ 450 milhões serão usados para obras. A maior, de R$ 400 milhões, será destinada ao Corredor de Exportação Anchieta, obra prevista desde o começo da década para facilitar o caminho ao Porto de Santos.
A definição de como o dinheiro será gasto foi feita com participação do governo paulista. O governo não teve acesso à investigação nem assina o acordo, mas o Secretário de Transportes e Logística, João Octaviano, foi consultado sobre como investir esse valor.
As investigações sobre o caso tiveram início no fim de 2018, e a Ecovias fez acordo parecido no Paraná, quando concordou com o pagamento de R$ 400 milhões durante a Lava Jato. Ao admitir a formação de um cartel e concordar com a reparação de danos, a Ecovias evita a possibilidade de receber outras punições administrativas, como ser banida de novas licitações. A empresa terá de apresentar provas de todas as ações delatadas.
A defesa da Ecovias no caso foi feita pelos advogados Marcelo Lucon, diretor da empresa, Edgar Hermínio Leite e José Luís de Olivera Lima. No fato relevante dirigido ao mercado, a empresa afirma que, com o acordo, “reforça o compromisso com a integridade e com o fortalecimento dos seus esforços nas áreas de compliance governança corporativa do Grupo Ecorodovias e que continuará tomando todas as medidas e providências cabíveis para a defesa de seus negócios e interesses de seus acionistas”.
A reportagem tenta contato com representantes do governo de São Paulo para comentar o caso. Também aguarda contato com as gestões Serra e Alckmin.
A conclusão do acordo entre Ministério Público Estadual e Ecovias foi facilitada com a entrada em vigor na nova Lei Anticrime, no ano passado, que criou esse instrumento (acordo de não persecução cível). Agora, promotores podem firmar acordos com réus mediante a admissão de culpa e estabelecimento de punições, que depois são validados pela Justiça.
Embora os delitos confessados pela empresa tenham sido iniciados em 1998, há entendimento de que eles não prescreveram, segundo fontes próximas à costura do acordo. O Supremo Tribunal Federal (STF) já deu votos na linha que atos de improbidade administrativa dolosos (com intenção) que causaram prejuízo aos cofres públicos só prescrevem após o prejuízo ser reparado, o que ainda não aconteceu.
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