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Em liberdade, Tuta e Colorido são os principais chefes do PCC atualmente, diz MP

Segundo promotoria, passam por Marcos Roberto de Almeida e Valdeci Alves dos Santos decisões estratégicas da facção, como, por exemplo, o assassinato de outras lideranças

São Paulo|Luís Adorno, da Record TV

Com Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e parte da cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital) presos no sistema penitenciário federal, toda a ação estratégica de comando da facção criminosa foi repassada e atualmente está nas mãos de dois homens em liberdade: Marcos Roberto de Almeida, 51 anos, conhecido como Tuta, e Valdeci Alves dos Santos, 50 anos, o Colorido. Foragidos da Justiça, eles vivem na Bolívia, segundo o MP (Ministério Público).

As peças do tabuleiro do crime organizado paulista costumam se mover com rapidez. Desde que o primeiro e o segundo escalão do PCC foram levados do interior de São Paulo para presídios federais em Rondônia, Rio Grande do Norte e Brasília, em fevereiro de 2019, a comunicação entre os integrantes da facção teve de ser readaptada. Três anos após as transferências, Tuta e Colorido, que dividiram celas no passado com os integrantes da cúpula da facção, se tornaram os responsáveis por gerir as macroações do grupo.

“Quando eu falo 'liderar', eu falo 'comando geral', falo 'decisões estratégicas'. Se o PCC, hoje, decidir se unir novamente ao Comando Vermelho, por exemplo, para uma logística maior de tráfico de drogas, essa decisão tem que ser tomada, hoje, pelo Tuta conjuntamente com o Colorido. Agora, decisões do dia a dia, tribunal do crime — que são decisões disciplinares —, o andamento normal da organização, aí ela já tem seus setores muito bem divididos e anda independentemente de os chefes estarem soltos, presos, no Brasil ou na Bolívia”, afirmou à Record TV o promotor Lincoln Gakiya, que investiga a facção há duas décadas.

Nascido em São Paulo, em 24 de março de 1970, Tuta exerceu diversas funções dentro da facção paulista, segundo a promotoria. Desde 2019, recebeu a incumbência de Marcola de ser o chefe do "setor da rua", ou seja, liderar as ações dos integrantes da facção em liberdade. Com a dificuldade de Marcola de se comunicar no presídio federal de Brasília, Camacho passou a Tuta o cargo de principal líder em exercício — entre os que estão presos e em liberdade —, de acordo com o MP.


Para tanto, tem como braço direito Colorido. Nascido em Espinosa (MG), em 4 de fevereiro de 1972, ele é tido como um traficante de renome dentro da facção criminosa, sobretudo na região de Atibaia, no interior paulista. Ele também conviveu com Tuta e os demais membros da cúpula do grupo na penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP). Em agosto de 2014, foi beneficiado por uma saída temporária e desde então tem paradeiro desconhecido.

“Todos eles já foram condenados por roubo, tráfico, associação ao tráfico e organização criminosa. Quando eu menciono 'comandar', a gente sabe que o PCC é uma organização criminosa muito bem organizada em termos de setores: há a sintonia final, setor de tráfico interno de drogas, setor de tráfico externo de cocaína para a Europa, setor de advogados, financeiro, disciplinar, entre outros. Então, para tudo isso, o PCC tem integrantes que compõem, de certa forma, uma diretoria. Tuta e Colorido estão acima desses setores. As decisões que são estratégicas para o PCC são tomadas por eles”, disse Lincoln Gakiya.


Promotor Lincoln Gakiya em entrevista à Record TV
Promotor Lincoln Gakiya em entrevista à Record TV

Além da ligação de Tuta e de Colorido com os membros da cúpula do PCC, ambos teriam proximidade, de acordo com relatório de inteligência da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), com Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, que era apontado como o principal aliado de Marcola em liberdade. Fuminho foi preso em abril de 2020 em Maputo, capital de Moçambique. De acordo com a PF (Polícia Federal), que investigou e prendeu Fuminho à época, ele "era considerado o maior fornecedor de cocaína a uma facção com atuação em todo o Brasil, além de ser responsável pelo envio de toneladas da droga para diversos países".

O relatório sigiloso da SAP cita que, em 2018, Fuminho e Tuta mantiveram contato para executar um plano de resgate de Marcola e outros líderes do PCC na penitenciária de Presidente Venceslau. Esse plano foi um dos fatores que embasaram o pedido de transferência dos 22 criminosos integrantes da cúpula do grupo de São Paulo para penitenciárias federais localizadas em outros estados. O mesmo relatório indicou que Colorido, também em 2018, mantinha contatos frequentes com Fuminho desde a Bolívia, país onde os dois costumavam gerir seus negócios — individuais e aliados ao PCC.


Tuta foi incluído na difusão vermelha da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) em agosto de 2021. Procurado, o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, que representa Tuta, não respondeu ao pedido de entrevista feito pela reportagem.

O advogado Bruno Ferullo, que representa Colorido, afirmou que "as acusações e denúncias feitas pelo membro do Ministério Público contra seu cliente são infundadas e que ele não é traficante de drogas nem integra o crime organizado".

Ferullo afirmou também que Colorido não foi alvo de operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) na Baixada Santista. No entanto, o MP informou que Colorido é alvo antigo da promotoria.

As relações internacionais de Tuta

O PCC participa ativamente de um consórcio internacional de tráfico internacional de drogas com a máfia do sul da Itália chamada ‘Ndrangheta. Em abril de 2021, a PF prendeu, em João Pessoa (PB), o mafioso italiano Rocco Morabito. Mas por pouco ele não tinha sido preso meses antes em Campos do Jordão (SP), onde se reuniria com Tuta. “Eles se encontrariam para fechar um negócio, uma transição muito grande para envio de cocaína em consórcio com a máfia italiana”, disse Gakiya.

Mafioso italiano Rocco Morabito após ser preso pela PF na Paraíba
Mafioso italiano Rocco Morabito após ser preso pela PF na Paraíba

Segundo o MP, Tuta foi avisado de que estava sendo monitorado e não compareceu ao encontro com Morabito. “Nós estamos atrás do Tuta. O italiano entrou no radar porque recebemos essa informação. Se o Tuta tivesse aparecido em Campos do Jordão, ele seria preso com certeza. Mas ele é um indivíduo que tem uma facilidade de ter uma proteção”, lamentou o promotor.

Para além da relação europeia, Tuta também mantinha bons relacionamentos na África, o que lhe rendeu um segundo apelido: Africano. Ele tinha negócios em países do continente, sobretudo em Moçambique, onde, em 2020, foi preso seu aliado Fuminho.

“Estranhamente, ele [Tuta] foi contratado como adido comercial do consulado de Moçambique. O governo de Moçambique desmentiu, mas há documentos que comprovam a identificação dele. Ele era pago pelo consulado para fazer algum tipo de representação comercial do Brasil em Moçambique. Na verdade, a gente sabe que ele tem negócios de tráfico de drogas naquele país, que infelizmente vive uma ditadura que tem colaborado para esconder alguns grandes traficantes internacionais”, disse o promotor Gakiya.

Documento utilizado pelo MP que comprova vínculo de Tuta com consulado
Documento utilizado pelo MP que comprova vínculo de Tuta com consulado

Tuta também tinha empresas registradas no Brasil. Essas empresas estão sendo investigadas, assim como seu patrimônio, na segunda fase da Operação Sharks, do MP paulista, que mira a lavagem de dinheiro da nova cúpula da facção. Tuta, quando se tornou o número 1 da facção, passou a fazer negócios particulares e enriqueceu. Assim como Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, mortos em fevereiro de 2018 em Aquiraz, no Ceará.

“Eles acabam utilizando o mesmo canal e estrutura do PCC para colocar droga na Europa. Isso aconteceu com o André do Rap lá atrás, que foi um dos primeiros a tomar conta desse setor. Enriqueceram. Por exemplo: são exportados 500 kg do PCC, mais 500 kg do negócio particular —ou até mais. E ninguém fiscalizava. Isso foi um dos motivos da morte do Gegê e do Paca, sem sombra de dúvida. Porque o Gegê teria determinado que o tráfico internacional seria da família, do PCC. Isso contrariou os interesses dos traficantes que atuavam no tráfico internacional de maneira particular”, afirmou Gakiya.

À esquerda, Rogério Jeremias de Simone; à direita, Fabiano Alves de Souza
À esquerda, Rogério Jeremias de Simone; à direita, Fabiano Alves de Souza

O caso Django

Além das decisões estratégicas de comando, passa por Tuta e Colorido, segundo o MP, o aval para crimes graves a ser cometidos. “As decisões são tomadas por eles. Por exemplo: se for decretada a morte de um líder do PCC que foi acusado de algum desvio, o principal responsável será o Tuta. Juntamente com o Colorido. Se não fosse assim, eles teriam que recorrer ao Marcola e demais integrantes, que hoje estão isolados na penitenciária federal de Brasília”, afirmou Lincoln Gakiya.

Dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) pela Record TV mostram que o sistema penitenciário federal tem, em suas cinco unidades, 497 presos. O presídio de Brasília é o que abriga menos pessoas: Marcola e outros 28 condenados.

Após ter ficado três dias desaparecido, o traficante Cláudio Marcos de Almeida, o Django, foi encontrado morto, aos 50 anos, em 23 de janeiro deste ano, debaixo do viaduto Vila Matilde, na zona leste, com sinais de estrangulamento. A morte dele teria ocorrido na favela de Heliópolis, na zona sul. Segundo o MP, é improvável que sua morte tenha ocorrido sem o aval de Tuta. Mas, para entender a morte de Django, é preciso, antes, relembrar um duplo homicídio no Jardim Anália Franco, também na zona leste, em 27 de dezembro de 2021.

Naquela data, o traficante internacional Anselmo Becheli Santa Fausta deixava o condomínio onde morava com seu motorista e segurança, Antônio Corona Neto. Ambos foram baleados e morreram no local. Becheli, segundo a Polícia Civil e o MP, não era integrante da facção, mas fornecia drogas e era considerado “companheiro” do PCC. Neto, seu motorista, no entanto, era tido como integrante da organização criminosa, o que indica, segundo a promotoria paulista, a relação muito próxima que Becheli tinha com a facção.

De acordo com o DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), Becheli havia investido cerca de R$ 500 milhões em criptomoedas por meio de um corretor de imóveis que negociou com ele, anteriormente, a compra de alguns apartamentos no Jardim Anália Franco. O corretor teria acionado um investidor de criptomoedas para gerenciar a carteira do dinheiro virtual. Em dado momento, Becheli pediu ao corretor o dinheiro de volta e deu um prazo de seis meses para a devolução. A polícia suspeita que o corretor e o investidor não tinham o dinheiro em mãos e por isso mandaram matar Becheli.

À esquerda, Cláudio Marcos de Almeida; à direita, Anselmo Becheli Santa Fausta
À esquerda, Cláudio Marcos de Almeida; à direita, Anselmo Becheli Santa Fausta

Segundo a investigação da Polícia Civil, o corretor e o investidor contrataram um agente penitenciário para matar Becheli; assim, a dívida deixaria de existir. Esse agente terceirizou o serviço e contratou um amigo de infância: um homem de 42 anos que seria dependente químico executou o plano. Ele acreditava que Becheli era apenas um empresário que estaria extorquindo o corretor de imóveis e o investidor. Vinte dias depois, o dependente químico foi assassinado, esquartejado e teve sua cabeça deixada em uma praça próximo do local onde Becheli e Neto foram assassinados.

O corretor de imóveis, o investidor e o agente penitenciário estão presos. Os três negaram participação no crime. Em depoimento à polícia, o corretor de imóveis afirmou que, em 18 de janeiro deste ano, foi chamado por integrantes do PCC para uma conversa numa casa no Tatuapé para explicar o sumiço do dinheiro de Becheli e responder se tinha envolvimento na morte do megatraficante. Durante nove horas, ele disse ter sido constantemente ameaçado de morte. Entre os traficantes, estava Django, que também tinha investido com o corretor cerca de R$ 40 milhões. O corretor teria devolvido o dinheiro de Django, que, depois disso, defendeu a ideia de que o corretor fosse liberado.

Entretanto, a chefia do PCC entendeu que Django errou ao ficar ao lado do corretor e não defender a memória de Becheli. “E aí entram Tuta e Colorido. Ninguém poderia dar uma ordem para matar um indivíduo importante para o PCC, como o Django. Teria que partir da cúpula. Se não partiu do Marcola, e eu afianço que não partiu dele, porque está isolado, então, provavelmente, essa execução teve aval do Tuta e do Colorido”, afirmou o promotor Lincoln Gakiya.

“O Django era importante e tinha negócios particulares. Quando ele se envolveu na morte do Becheli, teve que prestar contas ao PCC. Possivelmente, a morte do Django não está ligada ao corretor e investidor, mas sim ao próprio PCC. Volto a afirmar: para matar um traficante do porte do Django, era necessário o aval da cúpula. E cúpula, hoje, leia-se Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, e Valdeci Alves dos Santos, o Colorido. Ambos foragidos e na Bolívia. Se houve a morte do Django, alguém fez a comunicação com esses dois líderes e teve o aval do PCC para executá-lo”, complementou o promotor.

Para Gakiya, o PCC abandonou seus princípios, sua ideologia e seu estatuto para legislar em causa própria quando se trata de lideranças. “Tudo caminha para um racha e uma guerra interna, porque outros integrantes antigos, em liberdade e no sistema, estão reclamando e nada contentes com essa situação”, afirmou.

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