"Em nenhum momento reagiram", diz esposa de morto por PM em SP
Em áudio obtido pelo R7, jovem diz que marido ligou pouco antes do desfecho da ação para se despedir dela e da filha do casal
São Paulo|Cesar Sacheto, do R7
A esposa de Felipe Barbosa da Silva, de 23 anos, um dos dois suspeitos de roubo de veículo mortos por policiais militares em perseguição ocorrida na zona sul de SP, na noite de 9 de junho, disse que o marido e o segundo suposto assaltante teriam sido executados sem esboçar qualquer movimento de reação à abordagem.
Em mensagem de áudio obtida pelo R7, a jovem revelou que recebeu um telefonema em tom de despedida do companheiro — com quem tem uma filha, de 1 ano —, já desesperado, momentos antes do desfecho da ação. Na ligação, o suspeito teria previsto que seria executado pelos PMs.
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"No dia do ocorrido, o meu marido me ligou se despedindo de mim. Eles desligaram o telefone e não conseguiram me informar mais nada. Eu fui até o local, os policiais não quiseram me informar o que estava acontecendo, [estavam] só me tratando com ignorância. Eles me informaram que foi troca de tiro, mas não foi. Em nenhum momento os dois reagiram. Eles bateram o carro e lá ficaram. Os policiais abriram a porta do carro e atiraram neles", declarou a mulher — que preferiu não se identificar por medo de sofrer retaliações.
Ainda segundo a versão da jovem, Felipe teria admitido a participação no assalto. No entanto, ela criticou a decisão dos policiais militares de atirarem nos suspeitos e garantiu que vai se empenhar na busca por justiça pelo marido. "Se realmente estavam roubando, o trabalho deles era dar a voz de prisão. Mas simplesmente abriram a porta do carro e deram mais de 20 tiros em cada um. Não vou aceitar isso. Vou até o fim por justiça", enfatizou.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC-SP e membro do Grupo Tortura Nunca Mais, o depoimento da mulher reforça a tese de execução. "Durante a suposta perseguição, os PMs já deveriam estar efetuando disparos."
Segundo o documento assinado pelo juiz de direito Ronaldo João Roth, do TJM, Felipe, que dirigia o carro perseguido pelos policiais militares, tinha 27 perfurações em várias partes do corpo. Com ele, os PMs afirmam ter encontrado um revólver de calibre 38 e numeração raspada — com cinco munições intactas.
O homem que ocupava o banco de trás do veículo, Vinicius Alves Procópio, tinha 23 perfurações pelo corpo. Na delegacia, os policiais apresentaram um revólver de calibre 32, também com a numeração suprimida, mas com quatro munições intactas e uma já disparada, atribuído ao morto. No bolso dele também foi encontrada uma aliança com a inscrição de um nome de mulher que, posteriormente, foi devolvida à vítima que teve o carro roubado.
Em depoimentos prestados na Ouvidoria das Polícias de São Paulo, nesta segunda-feira (14), os familiares ressaltaram que os suspeitos trabalhavam e que não tinham antecedentes criminais — informação confirmada pela Justiça Militar. Os parentes também afirmaram que nenhum dos homens andava armado e ainda se mostraram surpresos com a participação de ambos em uma ação criminosa.
O ouvidor das polícias, Elizeu Soares Lopes, também não descarta a hipótese de execução e condena a ação dos policiais militares, caso se confirme tal suspeita.
"Não pode fazer 'justiçamento.' Caberia aos policiais criar uma situação para deter os supostos bandidos, conduzirem até a delegacia e [para] eles sofrerem as sanções pelos crimes que, eventualmente cometeram. Essa é a boa ação policial", avaliou o ouvidor das polícias em entrevista à Record TV.
Vídeo e investigação
A abordagem dos policiais ao carro dos suspeitos foi flagrada por testemunhas em vídeo. A gravação foi fundamental para a determinação da prisão dos três PMs envolvidos na ocorrência, todos lotados no 1º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar/Metropolitano), em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista.
Os três acusados — entre eles, um sargento, um soldado e o motorista da viatura — foram levados para o Presídio Militar Romão Gomes. Todos também já prestaram os primeiros depoimentos à Polícia Civil.
"A Polícia Militar não compactua com desvios de comportamento e se mantém diligente em relação às denúncias ou indícios de transgressões ou crimes cometidos por seus agentes", frisou um comunicado da SSP-SP (Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo).
O caso é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) e pela Corregedoria da PM. O procurador-geral de Justiça do estado, Mario Sarrubbo, destacou um promotor de Justiça para acompanhar as investigações.