Ex-GCM acusado de matar menino de 11 anos em 2016 vai a júri em SP
Caio Muratori é acusado de atirar contra Waldik Gabriel Silva durante uma perseguição policial. Crime ocorreu em junho de 2016
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
O juiz do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), Roberto Zanichelli Cintra, determinou que o ex-GCM Caio Muratori, acusado de atirar no menino Waldik Gabriel Silva, de 11 anos, e matá-lo, durante uma perseguição policial em São Paulo, vá a júri popular. O crime ocorreu em junho de 2016 em Guaianazes, na zona leste da cidade.
O guarda Caio Muratori foi denunciado no dia 25 de junho de 2019 por ter efetuado disparos com uma arma de fogo contra um automóvel Chevette. Os disparos atingiram o menino Waldik, causando ferimentos e sua morte. Segundo o juiz, existem contradições nos depoimentos das testemunhas e do acusado, o que o levou a decidir pelo julgamento.
"Nas investigações e audiências, os próprios colegas do réu, os demais GCMs que estavam na viatura, não confirmaram a tese de legítima defesa alegada pelo acusado. Os colegas disseram não ter visualizado disparos partindo do veículo onde estavam a criança e os adolescentes", afirma Ariel de Castro Alves, advogado especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC-SP.
A denúncia foi recebida pelo Ministério Público em outubro de 2019. Uma das testemunhas, um dos adolescentes que estavam com o garoto na ocasião, afirmou que o menino Waldik furtou um Chevette e os três circularam pela cidade com o veículo. Durante o trajeto, os jovens foram vistos por guardas, que começaram a persegui-los. Segundo a testemunha, nenhum dos adolescentes estava armado no carro.
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Os vidros do veículo tinham película escura, e em um dado momento os GCMs passaram a disparar contra o carro. Um dos disparos acertou a cabeça de Waldik. Após os disparos, os outros dois jovens desceram do carro e foram para casa. Dois dias depois, a testemunha relata ter sido presa.
Um ex-guarda que participava da perseguição disse que no dia estava em patrulhamento e que Muratori era o comandante da equipe. Segundo ele, duas pessoas se aproximaram do carro e afirmaram que haviam sido roubadas por adolescentes em um veículo Chevette. Nesse momento, a perseguição começou.
O ex-guarda afirma que o comandante da equipe efetuou disparos na direção do veículo. Depois de um tempo, ele afirma que duas pessoas deixaram o veículo e saíram correndo. Nesse momento, segundo o agente, uma multidão teria se aglomerado no local. Outro GCM ouvido também disse que somente Muratori atirou contra o Chevette durante a perseguição e que "não visualizou nenhum disparo por parte dos ocupantes" do veículo.
Em depoimento, Caio Muratori afirmou que no dia do patrulhamento duas pessoas em uma motocicleta o informaram sobre um veículo roubado. Após a perseguição, o ex-GCM disse que efetuou quatro disparos contra o Chevette, "na direção dos pneus, a cerca de 50 ou 100 metros do veículo, em velocidade de 40 ou 60 quilômetros por hora". Ele afirmou ainda que não viu os jovens no interior do veículo. O ex-guarda disse que um "passageiro do banco dianteiro" efetuou ao menos três disparos em direção à viatura.
Após os depoimentos das testemunhas, o TJ-SP entendeu que há contradições nos autos "que não permitem aceitação, de forma induvidosa, da tese ofertada pelo acusado e de sua defesa técnica, por a versão escusatória não restar confirmada de forma segura pelos demais elementos de convicção trazidos aos autos".
"Apesar da demora nas investigações e na tramitação do processo, mesmo se tratando de crime envolvendo criança, que deveria ter prioridade, ao menos um primeiro passo foi dado para que a morte do menino não fique impune", diz Alves. O caso, de grande repercussão à época, colaborou, segundo o advogado, para evitar que a Guarda Civil Municipal atue nesse tipo de perseguição, passando a acionar a Polícia Militar.
O documento da sentença afirma ainda que, apesar de ter sido constatada a presença de chumbo na superfície interna do teto do Chevette, os demais testemunhos apresentados demonstram contradições nas versões. Segundo a Justiça, "se analisados com os demais elementos de informação, ela resta fragilizada".
Segundo o juiz, Muratori afirmou tanto na fase policial como em juízo que "durante a perseguição o ocupante no banco dianteiro teria efetuado três diparos de arma de fogo em direção à viatura". Entretanto, segundo o laudo, “a janela do passageiro achava-se fechada, sendo que a manivela interna para baixar seu vidro tinha sido arrancada e, portanto, o mecanismo para abertura da janela estava inoperante”. A proprietária do veículo também afirmou que o funcionamento do vidro do passageiro estava danificado.
Segundo o juiz, a dúvida sobre os fatos é suficiente para o decreto de pronúncia (nome técnico para submeter um réu a júri popular). "A partir da prova oral e pericial, e da contradição existente entre elas, o réu poderia em tese ter cometido o delito 'agindo com dolo eventual, ou seja, assumindo o risco de produzir o resultado morte."
Diante disso, o reconhecimento da legítima defesa se mostra "inviável". "Caberá eventualmente ao Júri a apreciação da excludente arguida, descabendo, nesta fase, o decreto de absolvição sumária."
Para Alves, que também é membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, os laudos periciais não comprovaram a tese do acusado de legítima defesa. "Não houve nenhuma demonstração de que ocorreram disparos do interior do veículo, durante a perseguição, feitos pela criança e pelos adolescentes, em direção aos guardas."