Jovem tirou um dia para brincar com filho antes de ser morto pela PM
PM que atirou afirma que disparo que atingiu rapaz de 23 anos foi acidental. Familiares dizem que versão é mentirosa. SSP diz que caso é investigado
São Paulo|Kaique Dalapola, do R7
“Na quinta-feira ele levou o filhinho dele para ficar com a gente, brincamos o dia todo. Ele estava feliz, falava dos sonhos dele de abrir um negócio de narguile. Foi praticamente a despedida.” Emocionado, o jardineiro Wagner Aparecido de Souza, 45 anos, relembra os últimos dias ao lado do filho Rafael Aparecido Almeida de Souza, 23 anos.
O jovem foi morto a poucos metros de casa, no Jardim Nove de Julho, região de São Mateus (zona leste de São Paulo), por um disparo da arma do soldado da PM Charles Henrique Godoi Pereira, da 2ª companhia do 38º Batalhão, no início da madrugada do último domingo (5).
Corintiano, não gostava de sair, adorava ouvir música em casa e o que mais fazia mesmo era sair no portão de casa para fumar narguile. Essas são as características principais do jovem, de acordo com as pessoas mais próximas.
Segundo o pai do rapaz, o dia da morte seria mais um normal, como todos os outros. “Ele é muito caseiro e só foi para rua, em frente do portão, para fumar o narguile dele com os amigos, como fazia todos os dias”, conta.
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A única diferença foi que no sábado (4) ele saiu para rua um pouco mais tarde, porque ficou em casa ouvindo música. “Às vezes ele fazia assim mesmo”, diz o pai. No início da noite, juntou os amigos, irmãos, sobrinhos e tios para fazer um churrasco.
Wagner ainda conta que depois do churrasco, algumas pessoas começaram a ir embora e outros ficaram. Os amigos que continuaram, seguiram espalhados na rua. Quando a polícia passou, decidiu abordar só o irmão caçula de Rafael e um amigo.
Depois da abordagem, Rafael teria chamado o amigo e o irmão para voltarem ao grupo com mais pessoas. Foi quando o soldado Godoi atirou contra ele, de acordo com as testemunhas.
A versão dos policiais militares é que Rafael foi em direção aos PMs e tentou tirar a arma do soldado. A pistola disparou e o policial disse não saber onde acertou. O pai da vítima diz que os policiais mentem: “Eles podem falar o que for, mas a verdade está com a gente”.
Ainda na madrugada de domingo, enquanto os familiares recebiam a notícia da morte de Rafael, no Hospital Geral de São Mateus, amigos protestavam contra a violência da PM. O protesto acabou após repressão policial.
Depoimentos
Na tarde desta terça-feira (7), o pai de Rafael foi com o irmão mais velho da vítima, Bruno Aparecido Almeida Souza, o tio Samuel Carvalho Santos e o amigo Jonathan Gabriel Oliveira Fernandes prestar depoimento na sede do DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa).
De acordo com o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estado de Direitos Humanos) e que acompanha o caso, os depoimentos "desmontam o álibi dos policiais que disseram que Rafael teria tentado tirar a arma do autor do disparo".
Alves questiona "como alguém distante mais de 30 metros poderia tentar tirar a arma?", e diz que "conforme as testemunhas, o irmão do Rafael que foi abordado tinha acabado de ser liberado".
Ainda conforme o advogado, o disparo foi uma resposta dos PMs para Rafael, que havia chamado o irmão que tinha acabado de ser abordado. "Não foi acidental, já que o PM, após Rafael chamar seu irmão dizendo 'vem pra cá', teria dito 'quem manda aqui somos nós', e em seguida faz o disparo", afirma.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) disse que "todas as circunstâncias referentes a ação policial são apuradas por meio Inquérito Policial Militar".
A pasta ainda afirmou que "a ocorrência também é investigada pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa por meio de inquérito policial".
O caso foi registrado como "morte decorrente de intevenção policial" e é investigado pelo DHPP.