Linhas 8 e 9 da ViaMobilidade registram uma falha a cada dois dias em 2022
Dados exclusivos obtidos por Lei de Acesso à Informação mostram 157 ocorrências ao longo do ano passado
São Paulo|Letícia Dauer, do R7
As linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda da ViaMobilidade registraram uma falha a cada dois dias em 2022. Segundo dados obtidos por LAI (Lei de Acesso à Informação), com exclusividade pelo R7, foram contabilizadas 157 falhas entre 27 de janeiro — quando a concessionária assumiu a gestão — e o fim de dezembro.
Diariamente, 705 mil passageiros utilizam as linhas para se locomover da zona sul da capital a Osasco e de Itapevi ao centro de São Paulo. Em dias de falhas, os usuários sofrem com a velocidade reduzida e o maior tempo de parada entre as estações, além das plataformas lotadas, principalmente nos horários de pico.
O ano passado também foi marcado por dois descarrilamentos de trens na estação Domingos de Morais, pela colisão de uma composição com problema no freio em uma barreira na Júlio Prestes e pela morte de um funcionário haitiano, que foi eletrocutado enquanto fazia a manutenção na casa das máquinas, em Pinheiros.
Apenas na Linha 8-Diamante, de acordo com os dados da LAI, foram registradas 70 ocorrências em 2022, sendo as principais causas: falha em equipamento (26), em trens (10) e na sinalização (7). Na Linha 9-Esmeralda, os problemas se repetem. Foram 87 ocorrências, sendo 29 de falhas em equipamento, 19 de sinalização e nove em trens.
O levantamento ainda mostra que 75% das falhas estão relacionadas a problemas estruturais ou de falta de manutenção. Somando as duas linhas, são 118 ocorrências que incluem falhas em equipamentos, trens, trilhos, sistema de alimentação elétrica, rede aérea e sinalização.
Para Sergio Ejzenberg, engenheiro e mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP e perito em investigação de acidentes, essas sucessivas falhas são decorrentes de manutenções preventivas e preditivas — que estipula a vida útil de equipamentos — inadequadas por parte da ViaMobilidade, responsável pela gestão das linhas.
"É inaceitável que haja falhas que paralisem as linhas em horários de pico. Há um prejuízo muito grande para milhares de pessoas e para o próprio sistema, que perde a credibilidade. E tem como evitar essas falhas com as manutenções", critica o professor.
Ao R7, o engenheiro e consultor Peter Alouche, com mais de 35 anos de experiência de trabalho no Metrô de São Paulo, afirma que, antes da privatização, a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) já enfrentava graves problemas estruturais no sistema de transporte, como as falhas no sistema elétrico e nos trilhos — também conhecidos como via permanente.
"Um dos problemas é o nível de voltagem [usada para alimentar o sistema elétrico dos trens]. As linhas 8 e 9 usam 3.000 volts. Entretanto, para essa tensão, não existe equipamento [no mercado]. Todos os equipamentos dos fornecedores são de 1.500 volts, ou seja, todos os equipamentos são adaptados. Isso é um problema intrínseco que não tem solução", explica o engenheiro e consultor.
Alouche também afirma que as linhas existem há décadas, têm estruturas antigas e, por isso, não foram projetadas para suportar as adaptações, expansões e tentativas de melhorias ao longo dos anos.
Treinamento de funcionários
No ano passado, o inquérito civil instaurado pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo) para investigar as falhas no transporte sob a gestão da ViaMobilidade indicou a falta de investimento humano e estrutural como a principais fonte de lentidão e falhas. O promotor Silvio Marques, de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, solicitou a rescisão do contrato ao governo estadual.
Ao MP-SP, um ex-operador de trens da ViaMobilidade relatou que muitos funcionários do setor de manutenção não tinham experiência para resolver todas as falhas nas composições, pois foram treinados por pouco tempo pela CPTM.
Em razão desse cenário, muitos maquinistas eram obrigados a auxiliar nos reparos dos trens, segundo o depoimento do ex-funcionário, que trabalhou entre junho de 2018 e outubro de 2022 para a empresa.
Na visão de Sergio Ejzenberg, a ViaMobilidade deve explicar ao órgão o formato de contratação dos empregados e de treinamento adotados, principalmente em relação ao tempo de preparo e a experiências prévias nesse tipo de função.
Peter Alouche complementa que a concessionária não estava preparada para assumir a gestão das linhas 8 e 9, com estações externas e sujeitas a condições climáticas adversas, que têm características diferentes da Linha 5-Lilás — também sob administração da empresa. "Em termos gerenciais, ela tem grande culpa, e cometeu alguns erros de planejamento, mas são desculpáveis pela falta de experiência", diz o engenheiro.
Outro lado
A ViaMobilidade informou, por nota, que "realiza inspeções periódicas nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda e, quando encontrado qualquer desvio ou risco, atua prontamente e previamente para garantir a segurança e melhor experiência ao cliente. Em nosso trabalho priorizamos sempre mitigar riscos dando conforto e qualidade aos passageiros".
"Nos primeiros 12 meses de operação, a Concessionária já investiu mais de R$ 1 bilhão em melhorias, substituindo trilhos e dormentes danificados, equipamentos de rede aérea, pátios e estações, além da aquisição de novos trens", ainda afirmou a concessionária.