Mais da metade da população de SP só não vê racismo em ‘casa’
Estudo sobre capital paulista demonstrou que, entre 8 locais avaliados, habitantes que viram comportamentos racistas foram minoria em apenas 2
São Paulo|Fabíola Perez e Guilherme Padin, do R7
Shoppings, ruas, espaços públicos, faculdades ou trabalho. Nesses locais, mais de 60% dos paulistanos veem diferenças de tratamento entre pessoas negras e não negras. Além disso, uma pesquisa de relações raciais, realizada pela Rede Nossa São Paulo, mostrou que entre oito locais avaliados, em seis o morador da cidade vê comportamentos racistas.
Os habitantes da capital que percebem o racismo foram minoria apenas nos parâmetros “local onde mora” e “ambiente familiar”. Para estes, foram, respectivamente, 36% e 22% dos entrevistados.
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Em relação aos outros seis locais de avaliação — estabelecimentos comerciais (69%), espaços públicos e ruas (64%), escola/faculdade (62%), trabalho (60%), transporte público (57%) e hospitais e postos de saúde (52%) —, mais da metade dos paulistanos enxergou discriminação racial.
De acordo com a assessora de projetos da Rede Nossa São Paulo, esses locais explicitam sentimentos que permeiam a sociedade. “Isso é um reflexo da sociedade racista”, diz Carolina La Terza. “Não raro, seguranças começam a olhar e seguir pessoas. Há um medo baseado em preconceito, que se une à discriminação baseado na territorialização”, afirma.
Para a advogada Ana Paula Freitas, “o comportamento [racista] é unânime na sociedade. E não é só nesses ambientes. As pessoas têm essa percepção de inferioridade do negro, ou de uma questão de perigo ou de uma não qualificação, que seria o caso menos pior”.
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Apesar de comportamentos como esses serem recorrentes, a pesquisa mostrou que a maioria dos paulistanos avalia que o preconceito e a discriminação contra a população negra se manteve ou aumentou na cidade nos últimos dez anos. O estudo apontou que sete em cada dez paulistanos concordam que o preconceito racial cresceu. “O aumento da percepção do preconceito é também porque tem se falado muito mais sobre isso”, afirma a pesquisadora.
A avaliação de Ana Paula, com atuação ativa em casos de racismo, não é diferente: “O que aumentou não foram os casos, mas as denúncias. As pessoas estão entendendo mais e denunciando mais.”
Não à toa, a pesquisa investigou pela primeira vez as relações raciais nas redes sociais. Na opinião de 75% dos paulistanos, declarações, comentários ou piadas com conteúdo racista ou preconceituoso feitos por políticos estimulam o racismo na cidade. Os moradores das regiões central e oeste são os que mais citaram que as declarações, comentários ou piadas preconceituosas estimulam o racismo.
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Segundo o estudo, homens, pessoas menos escolarizadas e mais velhas são os que afirmam que declarações, comentários e piadas preconceituosas feitas por políticos não estimulam o racismo no município. “Em épocas em que muitos políticos se comunicam por redes sociais e muitas pessoas acompanham é importante pensar sobre o quanto isso reverbera”, avalia La Terza.
A pesquisa mostra ainda que sete em cada dez entrevistados acreditam que pessoas negras têm menos oportunidades que pessoas brancas no mercado de trabalho. “A chance de acesso às oportunidades demonstra a importância das políticas de inclusão, como cotas em universidades”, afirma a pesquisadora. No entanto, segundo ela, o acesso reduzido às oportunidades escolares impacta diretamente na entrada no mercado de trabalho.
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Ana Paula considera que a aparência ainda é um fator de forte influência no mercado de trabalho. “Tem a ideia da beleza, dos estereótipos de que pessoas negras são menos bonitas, de que as pessoas brancas são mais apresentáveis [para o trabalho]. Isso tudo colabora para o problema se agravar. O negro ainda é visto como criminoso por muita gente”, considera ela, que usou exemplos de sua vida profissional para falar sobre o quão frequentes são os casos de preconceito.
“Em fóruns, eu preciso da carteirinha da OAB para não ser barrada. Sou confundida com familiares de presos. No Fórum da Infância e Juventude do Brás, há um aviso de que é proibido usar o celular, e eu sigo. Mas um dia vi uma defensora pública usando e usei também por precisar naquele momento. Uma segurança veio e disse que não podia. Argumentei que a defensora também usava, e a resposta foi de que conheciam a defensora, e não a mim. A defensora pública branca pôde, enquanto eu não”, conta a advogada.
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Para combater o racismo, Ana Paula Freitas acredita que não é na legislação que as mudanças devem ocorrer. “Precisamos de políticas de inclusão. O que vemos hoje é o racismo estrutural. Não adianta uma nova lei se aquele tipo de ato é normalizado. O que falta são mais políticas de inclusão e também uma cultura de ensinar as pessoas, para que apredendam que tal atitude é racista e afasta o negro da sociedade.”