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Massacre da Dz7: famílias buscam justiça e PMs seguem afastados

Em data que marca 1 ano da morte de 9 jovens pisoteados na favela de Paraisópolis, familiares devem participar de ato que pede por justiça

São Paulo|Guilherme Padin e Kaique Dalapola, do R7


Viela onde jovens foram pisoteados em Paraisópolis
Viela onde jovens foram pisoteados em Paraisópolis

Há exato um ano, nove jovens com idades de 14 a 23 anos morreram pisoteados na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, após a Polícia Militar entrar no local que acontecia o tradicional Baile da Dz7 — pancadão que reúne milhares de pessoas em uma das ruas da comunidade.

Desde aquele 1º de dezembro de 2019, as famílias das vítimas, moradores de Paraisópolis e grupos de defesa dos direitos humanos atuam em busca de justiça pelas nove motes, apontando a Polícia Militar como responsável pelo massacre.

Irmão de Denys Henrique, uma das vítimas de Paraisópolis, Danylo Amílcar relata que as conversas com o governo do Estado de São Paulo ocorrem às mínguas. “O que houve ali foi uma tentativa momentânea de abafar o caso, que mostra o descompromisso com a população que é violentada pela polícia”, comenta.

Segundo o jovem, logo após as mortes em Paraisópolis houve muita pressão para que João Doria, governador de São Paulo, recebesse os familiares das vítimas e criasse uma comissão para o acompanhamento do caso e das devidas reparações às famílais: “isso acabou ficando para as famílias, e não com o governo, que é o responsável. E buscamos caminhos para isso, já que ele mostrou completo desinteresse depois do momento do massacre”

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Na ocasião, a polícia entrou no meio do baile funk supostamente atrás de motociclistas que estariam fugindo de abordagem, e gerou tumulto e correria. Em meio ao desespero, conforme apurou-se à época, jovens caíram no chão e foram atropelados pela multidão que tentava escapar da ação da PM nas ruas estreitas e vielas de Paraisópolis.

Marcos Paulo Oliveira dos Santos, de 16 anos, Bruno Gabriel dos Santos, 22, Eduardo Silva, 21, Mateus dos Santos Costa, 23, Denys Henrique Quirino da Silva, 16, Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16, Gustavo Cruz Xavier, 14, Gabriel Rogério de Moraes, 20, e a única menina, Luara Victoria de Oliveira, 18, não conseguiram escapar. O plano de sair de casa para ter uma noite de diversão e voltar em paz não foi sucedido. Eles morreram por asfixia mecânica, conforme indicado no laudo necroscópico.

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O inquérito policial instaurado para investigar o caso segue em andamento no DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, conforme informou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Públcia do Estado de São Paulo). No entanto, não é possível ter acesso às informações do que já foi apurado pois, ainda segundo a pasta, o caso está sob sigilo.

Já o inquérito da Polícia Militar, instaurado pela Corregedoria da PM, foi concluído e enviado ao MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) e à Justiça, diz a SSP-SP. Os 38 policiais militares envolvidos na ação e que foram afastados na época, seguem fora do serviço de rua — ou seja, atuam internamente na Polícia Militar, com o salário mantido.

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Para Danylo Amílcar, as investigações demoraram muito tempo. “Mais de um ano da morte do meu irmão, e até agora não temos uma resposta concreta do Estado, da Polícia Civil, e ainda temos que ficar cobrando pra acompanhar as investigações. Vamos acompanhar até o fim”, assegura.

A expectativa é que os policiais sejam denunciados por homicídio com dolo eventual, que é quando os agentes sabem do risco e mesmo assim executam a ação. É isso que afirma o sociólogo Benedito Mariano, que era ouvidor de Polícia de São Paulo quando aconteceram as mortes. “Há responsabilidade do Estado por ter sido uma ação improvisada, precipitada e desastrosa, e o governador deveria indenizar as famílias das nove vítimas”, diz.

Dois meses depois do massacre, Benedito Mariano não foi o escolhido pelo governador João Doria (PSDB), de uma lista com três nomes, para seguir no comando da ouvidoria. No lugar dele, entrou o advogado Elizeu Soares Lopes.

Questionada sobre o andamento das apurações sobre o caso, a assessoria da Ouvidoria de Polícia de São Paulo, sob comando de Lopes, disse que “parece que não tem nenhuma novidade”, e destacou que “a Corregedoria não mandou o relatório” com informações como, por exemplo, a identificação dos PMs envolvidos e afastados.

No próximo dia 7 de dezembro, deve acontecer uma reunião de familiares das vítimas e membros de uma comissão externa que acompanha o caso com o coronel Álvaro Camilo, secretário executivo da PM, para tratar da apuração das mortes e as medidas adotadas frente ao massacre — entre elas, a mudança de protocolos de intervenção policial prometida por João Doria.

Dimitri Sales, presidente do Condepe-SP (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo) e um dos responsáveis pela comissão externa, relata que, de modo geral, o comitê tem sido ignorado pelo Governo do Estado de São Paulo.

“A Polícia Civil foi atenciosa conosco nesse período. Já a Polícia Militar, não. Diversos ofícios enviados à Corregedoria foram absolutamente ignorados. Pedimos pra acompanhar a apuração, pedimos cópias do inquérito da PM, e fomos ignorados por todos os corregedores que acompanharam o caso de Paraisópolis”, afirma.

Um dos principais problemas do governo estadual ao enfrentar o caso, avalia Sales, é que desde 1º de dezembro do ano passado “não notamos nenhuma alteração no comportamento da polícia, da forma de agir frente a situações como aconteceu no massacre de Paraisópolis”.

O Condepe, relata, insistiu por diversas vezes para compor as comissões que elaborariam as mudanças de protocolo da Polícia Militar, mas não foi respondido sequer para saber quais seriam as alterações de conduta da corporação.

“Após o segundo encontro com o governador João Doria, o que permaneceu foi um silêncio das autoridades do Estado frente às prometidas alterações na condução da polícia e nas mudanças de protocolos de atuação da Polícia Militar”, conclui Sales.

Nesta terça-feira, acontece um ato em memória e pedindo por justiça, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, na região do Morumbi, zona sul de São Paulo. A manifestação está marcada para começar às 16h30 e, conforme a organização, tem o objetivo de receber alguma resposta do governo paulista.

Segue o baile

Na semana após o massacre, o Baile da Dz7 aconteceu com a presença de diversas pessoas ligadas a movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos humanos. Foi um evento em memória aos jovens. Depois disso, a festa foi retomando os ritmo que já tinha e nem mesmo a pandemia foi capaz de frear as idas de jovens ao local em busca de ter uma noite de diversão.

Assim como o Baile da Dz7, os pancadões de modo geral são constantemente colocados em xeque por autoridades e são alvo de recorrentes operações policiais. Os bailes entraram até na pauta das eleições municipais de 2020. O candidato Arthur do Val, o Mamãe Falei, do Patriota, cuja chapa recebeu 9,78% do total de votos válidos (522 mil), tinha como uma de suas propostas o uso do “Caminhão Tempestade”, automóvel que atingiria com jatos d’água os frequentadores de bailes funk a fim de dispersá-los do local.

Para Danuza Novaes, gestora cultural e responsável pelo coletivo Terça Afro, a ideia de Mamãe Falei é desumana: “Isso é criar o terror para fazer com aquilo que acontece culturalmente nas periferias acabe. Enquanto existirem pessoas na liderança que querem resolver [problemas] de forma bruta, a gente ainda vai ver muita morte e muita criminalidade”.

Novaes considera que, em respeito aos outros moradores, alguma solução é necessária, mas de forma humanizada e a partir do diálogo. “Resolver dessa forma que o candidato sugeriu é muito perigoso e antidemocrático”, afirma. Para a gestora cultural, a partir de ideias como essa ou das operações policiais nos bailes, é possível ver uma política de criminalização do funk. 

“Precisamos ver a história da Polícia Militar: por que foi criada, por quais influências, como essas instituições foram criadas. Essa ideia de militarismo policial defende o quê e pra quem? Sabemos a resposta: pessoas em maioria brancas, de classe média e com patrimônios de valor. Qualquer pessoa dessa estrutura passa ilesa pelos sistemas militar e judiciário”, comenta. 

Ela lembra, ainda que, outras manifestações culturais de periferia, como a capoeira e o samba, surgiram sob repressão, eram marginalizadas e hoje são reconhecidas internacionalmente. “O funk é uma cultura de uma população periférica, negra e pobre, e que nasce dessas pessoas, então é entendida por outras pessoas como algo também pobre. Como a PM tem seus valores de proteção a essa classe [branca, de elite], ela vai tratar como crime”, comenta.

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