Mesmo com medo, população de imigrantes reivindica voto no país
Apenas naturalizados têm direito ao voto, a maior parte não pode ir às urnas. Imigrantes reclamam de xenofobia e discriminação e pedem representação
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
“Esse ano, estamos com mais vontade de votar.” A médica boliviana Helga Arancibia, de 33 anos, não pode ir às urnas para escolher seus candidatos, mas acompanhou cada detalhe da disputa eleitoral. Enquanto espera o melhor horário para o marido, o engenheiro mecânico Alan Perez, de 37 anos, votar, ambos almoçam uma refeição típica da Bolívia em uma feira de rua, no bairro do Canindé, na zona leste de São Paulo.
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“Vejo as crianças sofrendo xenofobia e discriminação”, diz Helga. “Mesmo com medo, é importante escolhermos alguém que reconheça que o estrangeiro também tem direitos, afinal vivemos na cidade, pagamos impostos e também podemos participar do debate”, afirma Alan.
Helga e Alan fazem parte de uma comunidade formada por milhares de imigrantes que residem no Brasil, enfrentam e convivem com os problemas do estado e do país, mas ainda não podem participar das eleições. A Constituição brasileira determina que só brasileiros natos ou naturalizados no país podem votar. O caminho para votar passa pela obtenção de cidadania brasileira.
De acordo com a Assessora de regularização migratória do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante), Nathália Condé Napolitano, o imigrante precisa ter vivido quatro anos no país com o documento permanente. A partir disso, ele pode solicitar a cidadania à Polícia Federal e o Ministério da Justiça concede ou não a cidadania.
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Para imigrantes que se casam com cônjuges brasileiros ou têm filhos com um cidadão brasileiro é possível fazer a naturalização um ano depois de ter o Registro Nacional Migratório. “Com a cidadania ele é um brasileiro naturalizado e pode comparecer a Justiça Eleitoral para realizar seu cadastramento”, diz Nathália.
Helga nasceu na Bolívia e vive no Brasil desde criança. Alan, por sua vez, nasceu no Brasil e com três anos passou a viver no país vizinho. Desde que se casaram, há sete anos, moram e trabalham em São Paulo.“Já vivemos aqui há muito tempo e temos direito de eleger alguém que possa fazer novas leis”, afirma Perez.
Para Helga, a prioridade é poder escolher algum representante do povo boliviano. “A comunidade tem muito medo de se expor, já chegam com receio, enfrentam dificuldades e não tem ninguém para escolher ou reivindicar direitos”, diz a médica.
Ambos participam de um grupo de dança composto por estrangeiros, onde têm contato com outros imigrantes de seu país de origem.
No domingo de eleições, ele e a mulher terminam de almoçar o fricassê de porco e chuño, tipo de batata típica da Bolívia, para ir votar. Somente o engenheiro está apto para ir às urnas e, assim como em seu país, diz que votará de forma consciente. “Acredito que é bem importante escolher alguém com ficha limpa.”
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O casal afirma que o clima de polarização das eleições brasileiras é sentido também na comunidade boliviana. “As pessoas estão participando mais”, diz a médica. “Todo mundo está mais esclarecido, os filhos costumam passar informações aos pais”, afirma ela, que confessa que em sua casa os debates têm sido calorosos.
Desde setembro do ano passado, está pronta para ser votada a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 25/2012 que estende direitos políticos a estrangeiros com residência permanente no país. A proposta tem como objetivo dar capacidade eleitoral nas eleições municipais.
Apesar da vontade de participar da escolha de um candidato, quase todos os imigrantes demonstraram resistência ao falar sobre o direito ao voto para estrangeiros. “Peruanos e bolivianos tem muito medo de falar sobre isso, de se abrir para participar”, diz Helga.
A peruana Elma Cusiquispi, de 24 anos, vive no Brasil há cinco. Ela e o marido Juan ainda não podem votar em território nacional. Mas, se pudessem, o principal desejo de melhora, segundo eles, seria a economia.
Para a boliviana Jimena Guardia, de 25 anos, a situação é a mesma. No Brasil há apenas um ano, ela trabalha como costureira na região próxima ao centro da cidade. Na Bolívia, costumava votar e participar da escolha dos representantes políticos. “Se tivéssemos essa possibilidade seria muito bom, principalmente pela economia”, diz. “As condições econômicas influenciam muito em nossas vidas porque trabalhamos com costura.”
Ihlal Thum, de 72 anos, deixa a escola onde vota com a satisfação. De origem palestina, Thum vive no Brasil há 52 anos e afirma que têm por hábito acompanhar a política nacional com afinco. “Tem imigrantes que já estão no país há muito tempo, é importante participar de decisões e fazer críticas, como por exemplo ao número de partidos que existe”, afirma.
Thum acredita que, a partir do momento que o imigrante decide se fixar no país, deve participar ativamente de toda a vida social e política. É o caso da boliviana Marlene Carvasuyo, de 23 anos. Há quase 10 anos em São Paulo, ela afirma que não possui os documentos necessários para votar. Mas como vive fixamente no país afirma que gostaria de ter esse direito.
O desejo de ter acesso à escolha de um candidato na política reflete às necessidades que da mãe de Samuel, de 9 anos. “Queria que o governo ajudasse, pelo menos nas escolas, com o leite, com os uniformes e a estrutura”, diz Marlene.