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Meta de flagrante desvirtua ação da polícia em SP, dizem especialistas

Encarceramento em massa, violação de direitos e flagrantes forjados também são apontados como problemas; Estado nega

São Paulo|Márcio Neves, do R7

Delegados da Civil criticam política de produtividade
Delegados da Civil criticam política de produtividade Delegados da Civil criticam política de produtividade

O áudio de um delegado da Polícia Civil de São Paulo ameaçando "punir" os policiais de sua equipe com plantão no fim de semana, caso não apresentassem ao menos dois flagrantes para registro na delegacia, reacendeu a polêmica em torno da exigência de produtividade policial, estipulando metas que devem ser cumpridas pelos policiais.

"Até o presente momento não apareceu nenhum flagrante aqui no 4º DP, da operação Decap. Se não tivermos dois flagrantes por equipe, estão todos escalados para a operação de sábado para domingo", disse o delegado do 4º DP (Consolação), Júlio Cesar dos Santos Geraldo, em áudio divulgado na quinta-feira (22).

A atitude do delegado é motivada por um programa de Metas e Bonificação da Secretaria de Segurança Pública, que tem como objetivo premiar o esforço dos policiais por redução da criminalidade. Para atingir as metas, as polícias civil e militar teriam que desenvolver ações integradas — muitas delas incluem priorizar flagrantes que valem uma pontuação neste sistema de metas, que premia o esforço com recursos para as atividades e até bônus salarial.

A prática é criticada por especialistas, que alegam que a exigência de produtividade contribui para o encarceramento em massa, a violação de direitos, que inclui até o risco de flagrantes forjados, e a fragilidade judicial das prisões realizadas. Os delegados da Polícia Civil, por meio do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, também criticam a exigência de apresentar produtividade quantitativa.

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"É uma política totalmente equivocada, pois incentiva a produção de prisões com intuito de dar visibilidade e chamar a atenção às ações policiais, que desvirtua o trabalho de polícia judiciária, atribuição constitucional da Policia Civil, que é a investigação criminal", afirma Raquel Kobashi Gallinati, presidente do sindicato.

A diretora do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e professora da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), Jacqueline Sinhoretto, afirma que a prática de exigir produtividade policial já foi estudada em diversos países e acabou se mostrando ineficiente. "Você trata tudo como dados quantitativos e deixa de ir atrás do que realmente deveria ser prioridade em segurança pública", afirma Jacqueline.

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"Você acaba gastando energia e recursos em um flagrante que muitas vezes é um pequeno delito ou uma pequena quantidade de drogas só porque você tem que apresentar um resultado, enquanto poderia estar investindo em uma investigação mais sofisticada e que poderia apresentar melhores resultados", afirma a professora e pesquisadora.

A Secretaria de Segurança Pública, por outro lado, afirma que política de produtividade é eficiente. Na nota enviada ao R7 ao questionar o caso do áudio do delegado e a política de produtividade, a pasta faz questão de destacar "um aumento de 13% na quantidade de pessoas presas em flagrante e em 62% nas ocorrências de tráfico de drogas, que envolvem prisões e apreensões" em decorrência da política de produtividade.

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A informação divulgada pela pasta, por exemplo, em que exalta o aumento de prisões e apreensões de drogas, mostra como a política de produtividade acaba contribuindo para o encarceramento em massa, que segundo a pesquisadora do IBCCrim, resulta em pessoas que são presas sem necessidade, principalmente de faixas populacionais mais fragilizadas, como o pobre e o negro.

"Este sistema prende muita gente e acaba resultando na superlotação carcerária, e muitas vezes por pessoas que foram presas sem necessidade", diz Jacqueline, que destaca ainda que em muitos casos, essas prisões por flagrantes acabam não sendo eficientes também pela fragilidade da investigação.

"Você acaba prendendo um usuário como traficante e na hora de apresentar ao juiz, você tem somente os policiais como testemunhas e o juiz acaba liberando esta pessoa, pois existe uma fragilidade judicial", afirma. "A pontuação por uma produção que exige flagrantes faz com que crimes não sejam investigados, isto é fato", diz Raquel Gallinati.

A pesquisadora e diretora do IBCCrim também enfatiza a crítica ao sistema, apontando que ele contribui para uma má gestão da política de segurança pública. "Não se pensa a segurança pública de um ponto de vista estratégico", afirma Jacqueline, explicando ainda que a prática do bônus por produtividade já vem sendo abandonada em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, um dos primeiros a utilizar o sistema.

A Secretaria de Segurança Pública, defende o sistema, afirmando que "para atingir as metas, as polícias têm que desenvolver planos de ações em conjunto e atuar de forma integrada. A bonificação é condicionada ao resultado em 104 áreas paulistas de atuação compartilhada (como batalhões, distritos policiais e equipes médico-legais e de perícias) e pode variar de acordo com o desempenho geral do Estado".

A pasta também criticou a postura no caso do áudio do delegado citado no começo desta reportagem, afirmando que "não corresponde aos padrões da Polícia Civil".

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