Movimento luta por preservação de vestígios de quilombo em obra do metrô de São Paulo
Grupo quer intervenção do MP. Nove sítios arqueológicos foram encontrados durante as escavações da futura Linha 6-Laranja
São Paulo|Julia Girão, do R7*
O bairro do Bixiga, região central de São Paulo, tem enfrentado uma nova demanda desde junho: moradores, sambistas da tradicional escola Vai-Vai, historiadores e representantes movimentos negros se organizam para preservar um sítio arqueológico e manter viva a memória achada durante a escavação da futura estação 14-Bis, da Linha 6-Laranja.
A concessionária Linha Uni encontrou nove sítios arqueológicos. Entre eles, um que abriga os objetos do Quilombo Saracura - um dos maiores quilombos urbanos de São Paulo durante a época colonial e imperial -, embaixo da antiga quadra da escola de samba Vai-Vai, desapropriada e derrubada para a construção da estação. De acordo com a Linha Uni, os achados consistem em material arqueológico oriundo de épocas mais recentes, como louças, vidros e moedas.
Desde então, o movimento Saracura Vai-Vai promove ações para defender a preservação, como a protocolação de um pedido de audiência ao Ministério Público de São Paulo para que o órgão possa intervir no tema. Um dos pedidos do movimento é a suspensão das obras da futura estação 14 Bis, que o grupo quer batizar de estação Saracura Vai-Vai.
“Se houver a tentativa do apagamento, faremos uma disputa em todas as áreas, jurídica, na academia, nos escritos, nas imagens e junto à população”, afirma Sérgio Pereira, membro do movimento Saracura Vai-Vai e professor de história.
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Nove sítios arqueológicos
Durante as escavações da Linha 6-Laranja do metrô, foram encontrados nove sítios arqueológicos nos 15,3 quilômetros de construção. De acordo com a Linha Uni, foram encontrados objetos históricos nas estações Freguesia do Ó, Água Branca, Santa Marina I e II, Sesc Pompeia, São Joaquim, Tietê, Sara de Souza e 14 Bis.
Entre os materiais arqueológicos encontrados estão detritos de antigas fábricas, como cerâmica, vidro e louça. Além disso, foram localizados objetos associados à linha de produção dessas fábricas, como moldes. Em outros sítios, também foram achados garrafas de bebidas, pratos e xícaras de louça e vasos de cerâmica, entre outros, provavelmente descartados pelos antigos moradores.
O material coletado está sob guarda provisória da empresa A Lasca, especializada em arqueologia, pois se encontra em processo de curadoria e análise, a partir do qual será produzido relatório complementar a ser entregue ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Após o término do estudo, os materiais coletados serão encaminhados ao Centro de Arqueologia de São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura, que no momento é a instituição de apoio a essa pesquisa, autorizada pelo Iphan. O material resgatado na estação Santa Marina II é o único que já passou por todo o processo.
Quilombo Saracura Vai-Vai
A importância de manter os achados do Quilombo Saracura, segundo Sérgio Pereira, é fazer com que as pessoas se sintam pertencentes ao lugar, pois “uma parcela significativa da população não conhece a própria história e por isso, inclusive, às vezes tem dificuldade em pensar a história como algo importante”.
Em manifesto assinado por 148 organizações, como blocos de Carnaval e coletivos, além de 230 pessoas físicas, o movimento Saracura Vai-Vai afirma que o direito à cidade ultrapassa o acesso à mobilidade urbana. "É fundamental que quem contribui imensamente com seu trabalho para a construção da capital de São Paulo tenha sua história preservada.”
A historiadora e moradora do bairro do Bixiga Marília Belmonte, conta que manter os materiais arqueológicos também é uma questão afetiva. Segundo ela, é necessário conhecer essa história encoberta por um suposto progresso da cidade.
“Essa é a ideia de São Paulo, né? Essa de que é uma locomotiva que não pode parar, de que tudo é progresso, tudo tem que subir. Esses achados são um direito à cidade e à memória”, diz Marília.
Em nota, a concessionária Linha Uni diz que foi autorizada a continuar a etapa construtiva, mas com paredes de contenção no local dos achados, que, no caso, são necessárias como medida de segurança para que os arqueólogos possam iniciar a escavação e para que a continuidade das obras mantenha a integridade do patrimônio cultural.
Enquanto isso, o Metrô afirma que a Linha 6-Laranja é uma PPP (Parceria Público-Privada) e que, portanto, a responsabilidade pela obra e pela operação é da iniciativa privada.
“Nós queremos pensar a vida de conjunto desse povo africano, é isso que nós queremos da construtora, nós queremos sentar numa mesa e conversar sobre todos esses aspectos”, finaliza Sérgio Pereira.
*Estagiária do R7, sob supervisão de Fabíola Perez e Márcio Pinho