MP-SP apura crime de capacitismo contra autistas em stand-up comedy
Promotor Wilson Tafner, autor da ação civil pública, cita comoção e repúdio pelo comportamento da dupla de humoristas: 'Não pode ser tolerado'
São Paulo|Cesar Sacheto, do R7
O promotor de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo Wilson Tafner abriu, nesta quinta-feira (16), um inquérito civil para a apurar a eventual discriminação contra pessoas com deficiência praticada pelos humoristas Abner Henrique e Dihh Lopes, após a gravação de um vídeo em apresentação de stand-up comedy com falas pejorativas em relação a uma banda de rock brasiliense formada por autistas.
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Segundo Wilson Tafner, que recebeu representações da OAB-SP e do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre a conduta da dupla de comediantes, a investigação do MP não deve ser entendida como uma censura às artes, mas ressaltou que é preciso haver convivência entre os princípios da dignidade e da liberdade de expressão.
"Acho que a gente tem que preservar sempre a liberdade da criação artística, da manifestação da criatividade, mas isso não pode servir de escudo para que pessoas cometam excessos a ponto de ferir a honra de outras pessoas. Extrapolaram demais. Passou de manifestação cultural artística para ofensa. Praticaram ato de capacitismo. Não pode ser tolerado".
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O promotor Wilson Tafner enviou uma cópia da ação civil pública instaurada à 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência do Estado para a abertura de investigação de crime de capacitismo - discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência. A dupla será intimada a prestar depoimento ao MP. "Eles terão 15 dias para as manifestações", complementou.
Indignação
Alvo dos comediantes, João Henrique, de 19 anos, portador da síndrome de Beckwith-Wiedemann, uma condição rara que provoca várias deformações físicas, foi diagnosticado com autismo quando já era um garoto, conta a mãe do baterista, Adeline Cecília Castilho Dias. "Quando fez 10 anos, a gente estava bem avançado no tratamento da outra síndrome. Então, começaram a prestar mais atenção no comportamento dele. Fiz o exame que detectou [o autismo]", relembrou.
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A servidora pública, moradora de Brasília, disse que o filho ficou muito nervoso ao saber da fala dos humoristas sobre a sua condição. Por isso, o adolescente decidiu gravar um vídeo de desabafo, no qual diz ter se sentido humilhado, revela indignação pelo comportamento da dupla e cobra respeito.
"Trago esse recado porque, aparentemente, acham que é engracado fazer piadas com as comunidades ditas inferiores. Resolvi destacar que, no meio dessa comédia deles, fui citado como o menino que toca de fralda. Realmente, acho que eles deveriam pegar o controle remoto e apertar o botão de voltar. Só voltando no passado, entendendo algumas coisas, eles vão ver o quanto trabalhei, me sacrifiquei. O quanto tive que dar duro para chegar onde estou hoje. Acho humilhante o fato de os meus outros amigos serem humilhados daquela forma, porque são pessoas gentis e carinhosas. Ninguém merece ser destradado da forma que fizeram no dito show", declarou João Henrique.
Comediantes rebatem acusação
Abner Henrique e Dihh Lopes postaram uma nota de esclarecimento em suas redes sociais na qual na qual ressaltam que o show, gravado em agosto de 2019, em Campo Grande (MS), havia sido feito para uma plateia de 500 espectadores, incluindo pessoas com deficiência, público frequente nas apresentações, que pagou para estar ali, "rindo e se divertindo, como era o esperado".