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No hospital do Anhembi, médicos dividem camas e dormem no chão

Denúncia feita ao R7 aponta ainda sobrecarga de trabalho, má regulação em chegada de pacientes e contratações precarizadas no hospital de campanha

São Paulo|Guilherme Padin, do R7

Imagens foram editadas pelos médicos para preservar identidade dos colegas
Imagens foram editadas pelos médicos para preservar identidade dos colegas

Médicos contratados para trabalhar no hospital de campanha do Anhembi, em São Paulo, estão dividindo camas nos seus locais de descanso, dormindo em sofás e até no chão. A eles, até cobertores têm sido negados pela gestão.

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Uma médica, que trabalha no local e preferiu não se identificar, afirmou à reportagem do R7 que há um número insuficiente de camas, com colegas revezando o espaço no período de repouso. “Já negaram cobertores. É absurdo. Disseram que iriam resolver, e já são dois meses na mesma situação”, relata. Imagens obtidas pela reportagem – com alterações feitas pelos próprios médicos para preservar as identidades – mostram exatamente o que é relatado pela profissional.

As queixas, no entanto, não são as únicas entre os médicos que atuam no hospital do Anhembi, que se divide entre dois setores – um é administrado pela organização Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde), o outro pela SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina). Há também relatos de sobrecarga de trabalho, de má regulação de pacientes e de falta de diálogo com as respectivas direções dos dois setores.

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Como relata a denunciante, o hospital de campanha deveria receber apenas pacientes com quadro clínico compatível com covid-19 e sem comorbidades graves. No entanto, a regulação administrada pelo Iabas tem aceitado, segundo ela, “casos de pacientes com quadros de outras doenças descompensadas, que não conseguimos manejar lá dentro”.

Médicos dormem em sofá e poltronas
Médicos dormem em sofá e poltronas

Ao mesmo tempo, o local também recebe pacientes sem a menor indicação de internação, com quadros leves ou até assintomáticos. Alguns desses pacientes chegam para se internarem sem nem saber que ficariam internados, conta ela: “Já atendi casos de pacientes que disseram: ‘Doutora, falaram que eu ia vir só fazer um exame, nem chinelo eu trouxe’. E ficarão confinados, sem acesso a celular e sem contato com a família por pelo menos um dia inteiro. Não consigo nem imaginar o quanto isso deve ser angustiante”.


Há, ainda, relato de médicos que denunciam a sobrecarga entre as equipes geridas pela SPDM, em que um médico precisa acompanhar 20 pacientes ao longo do dia. A denunciante ressalta que uma enfermaria de covid-19 exige muito mais dos profissionais que uma enfermaria clínica comum. O número médio, comenta, deveria ser em torno de 10 pacientes por médico. “Além de ter esse número descomunal, tudo isso é feito à mão, segundo os colegas que lá trabalham. São plantões extenuantes”, diz.

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Um dos problemas mais graves, para a médica, é que os profissionais não podem fazer muitas exigências ou queixas sem ficarem expostos e “na mira” da diretoria. “Se você reclamar demais, como tem um vínculo precário, você vai perder seus plantões, porque nada te garante ali dentro. Você fica desamparado aceitando trabalhar ali”, relata.

Há duas semanas, o Iabas, organização que administra um dos setores do hospital de campanha do Anhembi, já havia sido denunciado pelo Seesp (Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo), que apontou atrasos no pagamento de adicionais noturnos, sobrecarga de trabalho e excesso de pedidos demissão, entre outras queixas de enfermeiros que ali trabalham.

Contratações precarizadas

Além dos problemas relatados acima, ainda há um ofício do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo) denunciando contratações precarizadas nas administrações do Iabas e da SPDM.

Com a modalidade de contratação em vigência no local, destaca o documento do sindicato, “os médicos ficam totalmente à margem da legislação trabalhista, sem direito a qualquer tipo de proteção, inclusive médica em caso de contaminação, não podendo nem se afastar pela Previdência Social”.

O ofício pede que as irregularidades relatadas a respeito do Iabas, da SPDM e da OGS (empresa responsável pelas contratações) sejam investigadas e punidas, caso não regularizem os contratos dos médicos.

Respostas

Em nota, a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) afirma que a área administrada pela entidade no hospital de campanha do Anhembi dispõe de 310 leitos, sendo 294 de enfermaria e 16 de estabilização. No local, a entidade afirma que atuam 31 médicos, "número suficiente para o volume da unidade e em escala dimensionada para atendimento de demandas de forma adequada".

A SPDM afirma que, conforme protocolo firmado com a prefeitura, cada médico que atua na unidade pode atender até 20 pacientes na enfermaria e oito na sala de estabilização e que há mais dois médicos plantonistas diários. "Na manhã de hoje, por exemplo, o número de internados no Hospital era de 177, sendo 169 na enfermaria, o que dá uma média de 6 pacientes para cada 1 médico", informa a organização.

Beliche disponibilizada aos médicos em foto enviada pela SPDM
Beliche disponibilizada aos médicos em foto enviada pela SPDM

A associação informa também que, para conforto dos profissionais, há duas salas de estar - uma para a equipe de enfermagem e outra para a equipe médica com mesas, cadeiras, poltronas, sofás e bomboniere. Há também salas de conforto que, segundo a entidade, contam com beliches, frigobar e poltronas. A organizaçao enviou fotos das instalações que mostram uma das beliches e o local de armazenamento de EPIs.

"Além disso, os profissionais têm à disposição duas copas, equipadas com equipamentos como microondas e geladeira. Ainda focando nos profissionais, todos eles recebem vouchers para refeições de café da manhã, almoço e jantar, oferecidos pela Prefeitura e servidos na área do hotel Holliday Inn gratuitamente, todos os dias", diz a SPDM.

Em relação às contratações, a entidade esclarece que os médicos que prestam serviço no hospital de campanha do Anhembi "são de uma equipe terceirizada e passaram por um rigoroso processo de seleção" e que possui protocolos para garantir a idoneidade das instituições contratadas, "reforçando que é delas a responsabilidade legal com seus respectivos colaboradores, conforme previsto em contrato firmado com tais empresas". A organização diz que "segue a legislação trabalhista vigente e também sua política de contratação, pautada pela ética e legalidade".

Armazenamento de EPIs, em foto enviada pela SPDM
Armazenamento de EPIs, em foto enviada pela SPDM

Além disso, a SPDM informa que realiza treinamentos em procedimentos de intubação e abordagem de vias aéreas difíceis para os médicos do setor crítico, além de possuir diretrizes assistenciais baseadas em evidências para abordagem de sepse, ventilação mecânica e demais cuidados de pacientes críticos. "Todos os médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais colaboradores dos setores de apoio e administrativos envolvidos na assistência aos pacientes foram treinados em uso de EPIs, paramentação e desparamentação, como estratégia institucional fundamental à segurança dos pacientes e colaboradores", declara a associação. 

Iabas

Em nota enviada ao R7, a prefeitura, por meio da secretaria municipal da Saúde, informou que o IABAS (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) vai abrir procedimento interno para apurar as denúncias e, se comprovadas as irregularidades, tomará as medidas necessárias para que os problemas não ocorram novamente.

De acordo com a secretaria, o pavilhão do HMCamp dispõe de áreas de conforto com dez camas para descanso e roupa de cama - não compartilhada - disponível para cada colaborador, para evitar o risco de contaminação.

A prefeitura ressalta que "os médicos do período noturno são orientados a realizarem seu período de descanso, conforme previsto na CLT (artigo 71) em horários alternados, o que garante a assistência dos pacientes, e evitar aglomeração na área de repouso".

Sobre a regulação de pacientes, a secretaria afirma que os hospitais de campanha "atendem sob protocolos estabelecidos e o local só recebe pacientes de baixa e média complexidade com diagnóstico da Covid-19 ou suspeitos da doenças, em alas separadas para evitar novos contágios".

O HMCamp Anhembi atendeu mais de 3.870 pacientes e 2.942 receberam alta e puderam voltar para suas casas e familiares, destaca a prefeitura.

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