Novas denúncias revelam assédio de guru da meditação em sessões
Vítimas relatam que terapeuta se aproveitava de vulnerabilidade das alunas para assediá-las. Abusos iam de e-mails a toques em partes íntimas
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
Uma semana de reclusão em contato com a natureza, na presença de terapeutas especializados em ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade emocional. Essa é a proposta de um curso de extensão com técnicas avançadas de terapia, programação neurolinguística e até hipnose oferecido pelo terapeuta transpessoal Tadashi Kadomoto. Esse ambiente, ao invés de proporcionar sensação de bem-estar e autoconhecimento, foi o local onde pelo menos sete pacientes e alunas relatam que foram abusadas sexualmente pelo terapeuta Tadashi Kadomoto.
“Estava deitada em um colchonete para fazer a regressão quando, com uma toalha, ele passou a mão na minha barriga e nas minhas partes íntimas”, diz Fernanda*. “No meio de uma sessão, ele perguntou: você está com um sutiã confortável? Se incomoda em tirar a blusa para fazer o alinhamento dos chacras?”, diz Letícia. “Ele elogiou meu corpo, me abraçou e começou a beijar meu pescoço. Foi uma situação horrorosa”, afirma Lúcia.
O terapeuta, que ficou conhecido por compartilhar vídeos de meditação guiada durante a pandemia, se tornou réu por estupro de vulnerável e lesão corporal grave. No fim do ano passado, uma de suas alunas procurou o Ministério Público de São Paulo para oferecer denúncia formal contra ele. Depois de ouvir testemunhas e coletar provas, a Promotoria denunciou o terapeuta e agora ele responde na Justiça por cinco estupros contra a paciente. “Fui procurada por três vítimas, todas narrando a mesma forma de agir”, afirma Celeste Leite dos Santos, promotora do MP-SP.
Segundo a promotora, os relatos demonstraram formas de assédio explícito. “Ele faz com que as vítimas se sintam especiais, faz pequenas investidas, passa para carícias físicas, até chegar a colocar a mão na vagina das pacientes”, explica. “Todas as vítimas estavam fragilizadas emocionalmente quando procuraram o instituto que leva o nome do terapeuta. As mulheres, que têm o mesmo perfil etário e socioeconômico, se culpam por terem sido vítimas”, diz Celeste.
O advogado de uma das vítimas, Luiz Flávio Borges D’Urso, afirma que há uma relação de intensa admiração pelo terapeuta. “Existe uma certa idolatria, todos o veem como uma pessoa que está acima dos demais. Assim, conforme ele se aproxima dos alunos ou estagiários, a pessoa começa a se sentir especial.” D’Urso afirma que sua cliente começou a frequentar o curso há sete anos como aluna, estagiária e voluntária. “Nos dois últimos anos, ela teve problemas de distúrbio alimentar e o procurou.”
Ao aceitar tratar os distúrbios alimentares da paciente, o advogado afirma que o terapeuta começou a elogiá-la, em um primeiro momento, até chegar ao assédio sexual e aos estupros. “Ela revela segredos durante as sessões, quando ele passa a dizer que não para de pensar nela. No consultório, ele diz que está apaixonado e que a ama, narrando que o casamento acabou. A paciente, fragilizada, vai se envolvendo. Nesse momento, começam as carícias e investidas sexuais”, afirma. “É o cerco de um predador que avança sorrateiramente. A pessoa começa a ceder sem ter consciência de que está em um caminho ruim e sem oferecer resistência.”
O advogado explica que a vítima passa a tomar consciência dos abusos ao conversar com outras mulheres que relatam episódios e abordagens semelhantes. “Ela conversou com uma mulher, depois com a segunda e descobriu que ele repetia as afirmações, inclusive, ao dizer que se separaria da esposa”, afirma D’Urso. Em dois casos, o crime havia prescrito. Com isso, a promotoria entendeu que duas outras vítimas deveriam dar seus depoimentos como testemunhas no processo. “No momento, estamos apurando outros casos para saber se os depoimentos serão anexados ao processo que já existe ou se será aberto um novo.”
“Você pode tirar a blusa”
Dificuldades financeiras e depressão profunda levaram Letícia a procurar o Instituto Tadashi Kadomoto em 2012. “Cheguei lá para fazer psicoterapia com outro terapeuta, mas ele fez minha primeira sessão. Fui super bem acolhida”, diz ela. “Como estava em uma fase difícil e jamais poderia pagar a consulta, que custava mais de R$ 300, ele propôs fazer o pagamento com uma cesta básica, que na época custava R$ 25”, conta.
Aos poucos, Letícia diz que começou a perceber que era tratada de forma diferenciada. “Me sentia especial porque sabia que ele era idolatrado por todo mundo”, afirma. “Sou uma pessoa carinhosa e ele me abraçava muito, sentia que ele era uma pessoa iluminada.” Até que em uma sessão, o terapeuta perguntou se Letícia estava com um sutiã confortável. “Não desconfiei porque tem fama por fazer trabalhos psicossociais. Nesse primeiro dia, não houve nenhum toque. Ele falou que estava alinhando meus chacras.”
Os pedidos para tirar a blusa continuaram. “Em todas as sessões ele falava para eu tirar a blusa novamente e aquilo começou a me incomodar. Ele sempre me pedia para fechar os olhos, até que, no meio de um trabalho espiritual, ele me beijou”, revela. “Fiquei muito assustada, a primeira coisa que me lembrei foi que aos 5 anos fui molestada pelo pai de uma amiga minha e ele sabia dessa fragilidade.”
Após a abordagem, a vítima conta que o terapeuta pediu perdão e logo tratou de dizer que estava apaixonado por ela. “Dizia que não conseguia parar de pensar em mim, pediu desculpas e disse que estava fazendo análise para tratar esse sentimento que mantinha por mim”, conta. Letícia afirmou que Kadomoto insistiu para que ela permanecesse no instituto. “Achei que eu tivesse provocado isso nele, perguntei se era a primeira vez que tinha acontecido isso e ele começou a se justificar.”
Tempos depois, o terapeuta voltou a pedir que ela fosse às sessões usando vestidos. “Até que ele me ligou e disse que precisava conversar, me levou para jantar em um restaurante extremamente sofisticado de Campinas e disse que não estava sabendo lidar com a situação. Nesse momento, eu já sabia que ele tinha o comportamento de assediar meninas e ele me disse: eu sou um homem e não um santo. Disse que vida e trabalho eram coisas diferentes.” Letícia afirma que, quando Kadomoto percebeu que ela não cederia às investidas, passou a desprezá-la durante os cursos.
Na semana em que o terapeuta se tornou réu, uma ex-aluna do instituto procurou a reportagem do R7 para relatar que havia se incomodado com suas abordagens durante as consultas. “Ele me convidou para fazer terapia com ele em 2009, eu disse que não poderia pagar e ele aceitou um valor simbólico”, diz Estela. “Na segunda sessão ele me perguntou se eu utilizava um sutiã confortável, me pediu para tirar a blusa e deitar na maca. Não entendi qual o objetivo daquele pedido, mas não cheguei a questionar por que, para mim, se tratava de um terapeuta, um médico”, diz. “Ele passava a mão por cima do meu corpo, tocou minha barriga com as pontas dos dedos. Me senti extremamente desconfortável e não voltei mais.”
Estela, na época com 39 anos, afirma que passou a dar desculpas para se afastar do instituto e mandou um e-mail para informar que não poderia mais participar das atividades. Em resposta, Kadomoto teria escrito: “querida, você não imagina a saudades que estou sentindo de você”. Estela afirma que o tom utilizado por ele na mensagem a incomodou. “Parei de responder e decidi nunca mais ir. Não me sinto vítima porque escapei a tempo, mas quis compartilhar meu depoimento porque é a mesma forma de agir”, diz. Ela conta ainda que chegou a sugerir que sua filha fosse em um dos cursos, mas ela não quis. “Essas pessoas têm poder muito grande sobre as vítimas.”
“No colchonete, ele tocou minhas partes íntimas”
Em 2005, Fernanda procurou o instituto para tratar entre outros traumas, um estupro que sofreu aos seis anos, quando um homem se passou por um policial e a violentou. “Fiz o primeiro curso e aquilo mexeu muito comigo, queria retribuir à sociedade o bem que me proporcionou.” Logo depois, ela começou a cursar o Expansão de Consciência, espécie de pós-graduação em técnicas de terapia em que o aluno permanece uma semana por mês recluso em um hotel. “Tinha muita carícia, reconhecimento, expressões como ‘eu te amo’ eram comuns.”
Em 2007, durante a exibição de vídeos de autoconhecimento, o terapeuta deitou em seu colo e passou a mão na perna de Fernanda. “Minha reação foi me afastar, mas a primeira coisa que pensei foi que a culpa era minha”, diz. “Comecei a tratar isso com a minha terapeuta e ela me alertou que ele costumava fazer isso. Era velado e ao mesmo tempo não era.” Além do assédio físico, Tadashi começou a trocar e-mails com Fernanda. “Eu costumava falar do respeito e da admiração que tinha pelo trabalho dele.”
Em 2010, em uma atividade de regressão, Fernanda conta que estava deitada em um colchonete com os joelhos levemente flexionados quando o terapeuta se aproximou e simulou um parto. “Ele pegou uma toalha, colocou a mão por cima e passou a mão na minha barriga e nas minhas partes íntimas. Ele me deu a toalha e falou no meu ouvido: 'Nasceu? É japonês? O filho é meu?'”, relata. Cansada da sequência de abusos, Fernanda se recusou a ir em um dia de estágio. “Nesse momento ele me ligou, falou que me amava, me desejava e começou com coisas mais explícitas. Ele tinha um poder sobre mim.”
Mais uma vez, os discursos utilizados pelo terapeuta se repetiam. “Ele dizia estar se separando da mulher, que nossa conexão era de outras vidas e que estava ‘louco de amor’”. Certa vez, segundo Fernanda, o terapeuta afirmou que a esposa sabia do suposto sentimento que nutria pela aluna e pediu que ela não voltasse ao instituto. “Carreguei uma culpa muito grande.” Em novembro de 2019, Fernanda soube por meio de boatos que outras mulheres haviam passado pela mesma situação e entrou em contato com as vítimas para compartilhar seu relato. “Descobrimos que as abordagens eram idênticas.”
Pelo fato de não virem acompanhados por formas de violência, os assédios eram mais difíceis de serem compreendidos pelas vítimas como tal. “O impacto que ficou, a culpa e o silêncio que tive que manter foram torturantes. Quando eu era pequena, o abuso sexual que sofri ficou evidente. Mas com o Tadashi ficava essa dúvida, o abuso sem violência tem esse viés”, diz Fernanda. Além disso, segundo ela, há uma cumplicidade entre os terapeutas do instituto. “Eles se sentiam impotentes e tentavam proteger as vítimas dos ataques ninjas, evitando o contato de algumas mulheres com o terapeuta”, diz ela. “Eles sabiam onde começava o trabalho de sedução e influência sobre as mulheres.”
“Ele beijou meu pescoço e disse que me amava”
Lúcia, de 40 anos, começou a participar das dinâmicas do instituto há 14 anos. “Desde o início comecei a perceber algumas ‘brincadeirinhas’ de abraçar, tocar. Em um dos treinamentos realizados em um hotel, eu e minhas colegas voltamos para o quarto de madrugada, quando acabaram as dinâmicas, e o Tadashi e mais um terapeuta estavam no quarto. Hoje, percebo que era uma conduta errada.”
Anos depois, Lúcia decidiu fazer o curso de Expansão de Consciência, com técnicas mais aprofundadas de terapia. Durante o curso, Lúcia se divorciou do marido. “Ele (Tadashi) abriu um canal de comunicação comigo, começou a perguntar como eu estava. Disse que eu era uma mulher linda, maravilhosa, que ele queria cada vez mais perto.” Após o fim de uma atividade, na garagem do hotel em que estavam, o terapeuta a abordou. “Ele elogiou meu corpo, disse que eu havia engordado um pouco. Até que começou a beijar meu pescoço e disse no meu ouvido que me amava”, revela. “Foi uma situação horrorosa. Tive um impulso e neguei. Mas só consegui sair porque lembrei de um trauma de quando tinha 12 anos, quando fui agarrada por um homem na rua. Naquele momento, eu me senti naquela condição instantaneamente.”
Lúcia afirma que no dia seguinte ao assédio saiu do instituto e parou de seguir o terapeuta nas redes sociais. “A gente fica muito fragilizada e a abordagem acontece nesses momentos. Além disso, ali é um lugar em que ele é enaltecido, ele ocupa os palcos, canta, dança, faz as meditações. Tudo gira em torno dele.”
Medo de denunciar
As vítimas afirmam que no fim do ano passado surgiram os primeiros comentários sobre os assédios promovidos pelo terapeuta. “Uma pessoa fez um dossiê contra ele, que chegou a se afastar por um tempo. Passados alguns meses, ele voltou. Me senti chamada a testemunhar, principalmente porque no instituto a narrativa machista de que ‘ele pega todo mundo’ se repete”, diz Estela. “Esse tipo de violência não deixa marcas, como cuidar dessas mulheres?”
Outra testemunha do processo afirma que sentiu medo de denunciar na ocasião. “Pensei que ninguém ia acreditar em mim. Quem eu sou diante de tudo o que ele faz? Mas quando descobri outras vítimas achei inadmissível. Fomos entrando em contato e as falas eram sempre iguais. Acredito que outras mulheres vão conseguir depor sobre como ele atua – de forma manipuladora e extremamente velada.”
A promotora que acompanha o caso incentiva que outras mulheres vítimas de abuso ou assédio sexual procurem a justiça para denunciar. “A sociedade precisa evoluir muito no acolhimento às vítimas desse tipo de crimes. A segurança pública é dever do estado, mas também da sociedade, que tem que agir como uma rede de apoio.”
Por meio de um vídeo compartilhado nas redes sociais, o terapeuta negou as acusações. "Fiquei muito assustado, sem entender o que estava acontecendo porque não fui procurado pela Justiça", afirmou. "Quem me conhece e convive comigo sabe da minha conduta e do respeito que tenho pelo cuidado com as pessoas. Tenho falhas e cometo erros como todo ser humano, mas jamais cometi atos criminosos. Tenho fé que tudo será esclarecido e até lá vou me afastar das minhas atividades. Ao longo da história, já vimos muitas reputações e famílias destruídas por acusações que depois se mostraram injustas", declarou.
* Os nomes utilizados na reportagem são fictícios para proteger a identidade das vítimas.