Pais dizem que Rota interrogou criança de 4 anos em favela de SP
Policiais teriam perguntado a menino onde o pai guardava armas e drogas. Secretaria de Segurança Pública afirma que não foi avisada
São Paulo|Kaique Dalapola, do R7
Moradores do bairro conhecido como Favela da Ilha, na região de Sapopemba (zona leste de São Paulo), relataram que policiais militares da Rota (Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar) usaram uma criança de quatro anos para tentar obter informações sobre o pai dela.
“A gente estava vindo da feira quando vimos a viatura da Rota. Como ele [pai da criança] sempre sofre violência, já ficou nervoso e pegou o menino. Eu acho que os policiais perceberam e vieram abordar”, afirma a mãe do menino, uma monitora escolar de 24 anos.
A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo afirma não ter sido informada do procedimento adotado pelos policiais.
Segundo a reportagem apurou, depois de a criança indicar a idade (quatro anos), ela teve que responder sobre onde o pai guardava uma suposta arma e se mantinha drogas em casa.
A monitora afirma que os PMs perguntaram ao menino se a mãe trabalhava na esquina (apontando para o ponto de tráfico de drogas da região). A criança respondeu que não e disse que trabalhava em uma escola. Durante a abordagem, a mãe da criança disse que os policiais militares a questionaram sobre o valor que o marido carregava no bolso e teriam falado que era dinheiro do “recolhe” de pontos de tráfico.
“Eu falei que tinha o dinheiro do aluguel, o dinheiro para eu pagar meu tio e o troco da feira, mas não sabia quanto era. Ele perguntou se tinha nota de dois, e eu falei que tinha do troco do pastel. Então ele disse que eu vim passando nas biqueiras pegando o dinheiro dos traficantes”, lembra.
De acordo com moradores, o pai do menino abordado sofre perseguição policial há pelo menos quatro anos. Ele estava com a criança e a esposa quando foram parados pelos policiais, por volta das 11h do último domingo (25).
A mãe da criança ainda destaca que a família foi liberada, minutos depois, sem os policiais nem sequer olharem os documentos deles — RG da mulher e certidões de nascimento da criança e do homem.
Para o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), esse tipo de situação “não deveria [aconteceer], mas é comum”.
Ele destaca que “as crianças devem ser ouvidas de forma mais adequada, por especialistas, não no meio da rua dessa forma”. O advogado ainda afirma que a abordagem foi “um claro constrangimento ao menino”.
Um representante do movimento Nome dos Números, que atua denunciando possíveis violências policiais na região, disse à reportagem que está fazendo um relatório para levar o caso à Ouvidoria da Polícia até a próxima sexta-feira (2).
Histórico de perseguição
No dia 23 de dezembro de 2013, uma ação da Polícia Militar na favela terminou com o soldado Edmar Rodrigo Exposto morto com um tiro na cabeça.
Moradores da região dizem que os PMs iam buscar o “acerto” com traficantes da região, quando houve desentendimento e o soldado terminou morto.
Na versão oficial à época, a PM estava em patrulhamento na região quando foi abordar um suspeito, que tentou fugir para uma viela. Na perseguição a pé, o policial militar foi baleado.
Desde o crime, a família do menino abordado no último domingo afirma sofrer frequentes perseguições de policiais militares da região. Moradores da região também afirmam que o pai do menino sempre é acusado por PMs de ser o responsável pela morte do soldado Exposto.
O rapaz, que tem 25 anos, conta que após o crime chegou a ficar fora da favela, por medo de ser morto. No período que estava fora, a família teria sido pressionada a entregar o paradeiro do rapaz e diz que, por diversas vezes, ouviu os policiais dizendo que o matariam.
No início de 2014, movimentos de direitos humanos foram à favela e os casos chegaram a ser levados ao Condepe e para a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. No entanto, a família afirma que ficou com medo de continuar denunciando nos anos seguintes.
Posicionamento da secretaria
O R7 questionou a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) sobre os relatos sobre a abordagem dos policiais da Rota à criança no último domingo e sobre a suposta perseguição à desde a morte do soldado.
Em nota, a pasta afirmou que a Corregedoria da Polícia Militar e a Polícia Civil não foram informadas sobre o caso, no entanto, "ambas as instituições estão à disposição para o registro do fato".
Com relação às possíveis perseguições após a morte do soldado Exposto, a assessoria de imprensa da SSP-SP disse que "o caso foi investigado pelo 70º DP, por meio de inquérito policial, relatado em maio de 2014, com a prisão de um suspeito".