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'Quero ganhar meu fiapo': a vida de um menino que trafica no pancadão

Jovem ganha cerca de R$ 350 vendendo ecstasy e lança-perfume em um baile funk da periferia de SP. Dinheiro é para ajudar em casa e comprar roupa

São Paulo|Kaique Dalapola, do R7

Adolescente trabalha ilegalmente vendendo drogas no baile funk
Adolescente trabalha ilegalmente vendendo drogas no baile funk

"Ó o lança, e tem bala também. Ó o lança, e tem bala também." Entoando repetidamente essas palavras, o estudante Douglas (nome fictício), 16 anos, passa entre a multidão de um baile funk no extremo da zona sul de São Paulo anunciando a venda de drogas.

O objetivo do adolescente na vida criminosa é apenas um: "quero ganhar meu fiapo (dinheiro)".

Negro, morador da periferia e estudante do 8º ano do ensino fundamental de uma escola pública, Douglas está no tráfico de drogas há dois meses. Começou após convite de um amigo, também adolescente, que vende há mais tempo.

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Durante os bailes funk, o menino precisa divulgar o tráfico, mas também é necessário o mínimo de discrição. Não pode correr o risco de ser pego por possíveis policiais infiltrados ou alguém que queira combater a venda de entorpecentes entre os jovens frequentadores do pancadão.

Para a legislação brasileira, conforme o artigo quarto do decreto 6.481 de 2008, "a utilização, recrutamento e oferta de adolescente" em atividades ilícitas, "particularmente para a produção e tráfico de drogas", está entre as piores formas de trabalho infantil.


Já Douglas enxerga como a principal alternativa para conquistar seu dinheiro.

Pelo menos uma vez por semana, por volta das 23h, o estudante sai de casa, busca as drogas em um ponto de tráfico da região onde reside e parte para o baile.


O perfil de Douglas reforça o estudo feito pela Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) sobre adolescentes em trabalhos informais e ilegais. A pesquisa foi realizada com jovens que cumprem medidas socioeducativas por tráfico.

Segundo o estudo, que foi publicado em junho do ano passado, "o local de moradia dos adolescentes indica que residem nas áreas mais precárias do ponto de vista da infraestrutura urbana e de renda".

O estudo da Cebrap também aponta que os jovens que traficam costumam trabalhar e ser apreendidos próximos de suas casas, "o que sugere que o trabalho infantil no mercado de drogas se nutre de uma mão de obra próxima e de baixa-renda".

A falta de amarras com o emprego ilegal também chama atenção do jovem. A jornada de trabalho de Douglas depende de quantos dias o pancadão será promovido e o interesse dele em trabalhar.

Às vezes, a festa acontece sexta-feira, sábado e domingo. Em outras semanas, o baile, que toma as ruas e vielas de um bairro com pouca presença do poder público, acontece em apenas um dia do fim de semana. Douglas costuma ir sempre que tem.

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Entre o final da noite e início da madrugada, o menino já está pronto para iniciar as vendas ilegais. Ele se envolve na multidão para fazer seus negócios.

O estudante chega com 15 balas (conhecidas também como ecstasy) e um litro de lança-perfume (ou os chamados loló). Costuma acabar tudo em cerca de três horas. “Depois pego umas drogas (para consumir) e curto o baile”.

A bala é vendida por R$ 25 cada. Enquanto o lança-perfume é comercializado a R$ 7 "a cota". Cada cota, segundo o estudante, dá "mais ou menos um dedo".

Na verdade, não existe precisão na venda do lança-perfume. Quem decide o tanto de droga que cada comprador vai levar é o próprio estudante. No final do litro, mais de 30 pessoas estão chacoalhando uma lata com o entorpecente dentro.

As vendas rendem para Douglas cerca de R$ 350 de lucro no dia e ele ainda curte o fim do baile, que costuma ir até amanhecer — ou até a polícia reprimir.

O menino se diz mais ambicioso e, pelo visto, não teme muito o perigo. "Não quero vender todo dia, mas pique (aumentar para) três dias da semana", afirma. Isso elevaria os ganhos para cerca de R$ 1.000 semanais — nem todos bailes ele vende lança-perfume.

Com o dinheiro que ganha, Douglas ajuda em casa com R$ 200 e compra roupa de marca. Conforme o jovem, a vida financeira melhorou depois que começou a traficar.

Antes de vender drogas, o meninou trabalhava em uma fábrica, carregando peso, e ganhando R$ 1.000 mensais. Durante um mês, Douglas conciliou os dois empregos. Até que a empresa onde prestava serviço faliu, em agosto deste ano.

Sem o emprego legal, o menino passou a ver na venda de drogas sua única alternativa para ganhar dinheiro. Há um mês ele se dedica exclusivamente ao tráfico e não tem muitas perspectivas de mudanças. Diz que só vai parar com a vida no crime "quando cair". Seja com prisão, ou morte.

Douglas frequenta a escola quase todos os dias. Mas não se enquadra muito bem ao modelo convencional da educação. Repetiu três anos no ensino fundamental e a profissão que ainda almeja, embora cada vez com menos esperança, é ser jogador de futebol.

Até mesmo este sonho começa a ficar cada vez mais distante. É o primeiro efeito da vida no crime: parou de praticar o esporte no time de várzea do bairro onde mora. Isso porque os jogos são cedo demais e a disposição depois de uma madrugada de trabalho e baile não é o suficiente.

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