Reter água das chuvas é 'estratégia de guerra', alerta Consórcio PCJ
Para sobreviver a longos períodos de estiagem com reservatórios secos, municípios devem instalar cisternas e desassorear rios
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
Com reservatórios secos ou em níveis insatisfatórios para abastecimento, as chuvas de verão são ansiosamente aguardadas. No entanto, elas devem ficar abaixo da média no centro-sul do país pelo oitavo ano, segundo a Climatempo. Especialistas defendem o uso de cisternas, o desassoreamento de rios e a perfuração de poços artesianos para o enfrentamento da crise hídrica.
"É uma estratégia de guerra. Precisamos reter o máximo de água de chuvas possível e não permitir o escoamento para outros países. Vamos estar preparados para não perder uma gota dessa chuva torrencial que virá no verão. Com cisternas, piscinões e reservatórios municipais, você armazena essa água. É preciso evitar também desperdícios na rede pública", afirma Francisco Lahóz, secretário-executivo do Consórcio PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí).
Ainda neste mês, o Governo de São Paulo anunciou investimento imediato de R$ 400 milhões para reforçar a segurança hídrica.
O programa “Água é Vida” pretende beneficiar mais de 2,1 milhões de moradores no estado com a perfuração de 138 poços em mais de 200 cidades não atendidas pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o desassoreamento e revitalização de 3 mil km de rios, além da execução de barramentos em municípios onde não há aquíferos.
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A Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) ainda deve divulgar uma resolução para tornar mais rápido o licenciamento ambiental de barramentos em propriedades rurais para abastecimento humano e de animais.
O governo também publicou um decreto que obriga que todas as obras públicas tenham cisternas para aproveitar a água da chuva. O mesmo deve ser incentivado em construções particulares.
"Vivemos hoje a situação de crise hídrica, momento de mudanças climáticas. Esperávamos uma outra crise daqui uns 20 anos, mas depois de 5 anos, estamos com o mesmo dilema. Não adianta medidas paliativas e corretivas, mas sim preventivas, olhando para o futuro dos municípios, para garantir o abastecimento e enfrentar eventos extremos", destacou o secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente, Marcos Penido, no último dia 7.
Vinhedo
Em Vinhedo, a 81 km da capital paulista, o racionamento ocorre a cada 24 horas. Dia sim, dia não com água. O município produz 270 m³ de água por hora, mas consome 560 m³/h. Na terra das uvas, o rodízio começou no último dia 11 porque os reservatórios estão em níveis críticos, segundo a Sanebavi (Saneamento Básico Vinhedo). A mesma medida foi adotada por ao menos 14 cidades da região.
“Com a alta do consumo e o baixíssimo índice pluviométrico, se não houver uma poupança de água, dentro de pouco mais de um mês a cidade ficará sem recurso para distribuir aos moradores. A Represa 2 está com 80% do volume, ou seja, não estamos sem água. Mas não queremos que aconteça em Vinhedo o que aconteceu em cidades vizinhas”, justificou o superintendente da Sanebavi, Jaderson Spina.
Prevendo que a estiagem no centro-sul do Brasil seria uma das mais rigorosas em décadas, Vinhedo publicou um decreto que proíbe moradores de utilizar água para lavar quintal ou veículo com mangueira ou outras formas de desperdício. A multa é de R$ 535,83. A cada reincidência, o valor é dobrado.
A fiscalização é realizada por técnicos da Sanebavi, que estão autorizados a entrar em qualquer estabelecimento industrial, comercial ou residencial em caso de uso indevido de água tratada. Após denúncia, se não houver a autuação em flagrante, os infratores recebem uma notificação.
Em entrevista à Record TV, o diretor da Estação de Tratamento de Vinhedo, Gabriel Carvalho, afirmou que a previsão é de que chova a metade do índice registrado no verão de 2020: "Isso poderá afetar a recuperação de uma bacia inteira, incluindo o conjunto de represas onde nós estamos".
A Sanebavi pode até requisitar recursos hídricos particulares e imóveis que possuam lagos, nascentes e outras formações aquíferas para captação de água para o abastecimento da cidade. Há dois anos, a vazão do rio Capivari, que abastece Vinhedo, está em queda. Um dos problemas seria o assoreamento do rio e a destruição da mata ciliar.
Perspectivas e cenários
De acordo com Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), o verão deve ter entre 20 e 40% menos chuvas do que a média da série histórica.
"Se for isso, eu ainda vou comemorar. Porque se for 20%, teremos 80% de chuvas e, se for 40%, 60% de chuvas. Chove 17,5% menos a cada ano com os eventos climáticos extremos, como o aquecimento global, a alta de desmatamentos e o La Niña [resfriamento das águas do Pacífico]", ressalta Francisco Lahóz.
Segundo ele, dos 76 municípios de abrangência do Consórcio PCJ, 56 apresentam dificuldades de abastecimento, entre eles Valinhos. Mais de 10 cidades da região já recorreram a algum tipo de restrição, por meio de decretos de situação de emergência. Em 20 deles, o cenário é mais estável, apesar da dependência do sistema Cantareira.
Em alguns casos, os reservatórios municipais são a única fonte de abastecimento. Em outros, são essenciais para complementar a captação de água.
Francisco Lahóz explica que a região da Bacia do PCJ, no interior paulista, e a região metropolitana de São Paulo são consideradas semiáridas, com 400 m³ de água por habitante/ano e 200 m³ respectivamente. Abaixo de 1.500 m³ por habitante/ano é considerado estresse hídrico crônico.
Ainda assim, as duas regiões conseguem manter os maiores parques industriais do país em funcionamento. No entanto, durante períodos de seca, é recomendada alguma alteração de rotina, já que a oferta é menor do que a demanda.
"Em alguns casos, a mudança de turno é a saída, com funcionários trabalhando à noite, porque há diferentes usuários utilizando o mesmo curso d'água, com finalidades diferentes. Há tempos diferentes para agricultura e para a empresa, com uso intercalado. Precisa de um sistema de gerenciamento para não faltar água. O importante é a manutenção da produção agrícola e industrial e dos empregos", enfatiza.
O reúso de água deve ser incentivado, além da ampliação do tratamento do esgoto. Cuidar do esgoto é essencial porque devolve ao meio ambiente o recurso hídrico, que é escasso. Captar água de poços desativados é outra alternativa, mas é preciso avaliar a qualidade dela. Cisternas rurais, com escavações no solo, podem ajudar a manter a produção e os piscinões ecológicos evitam inundações e recarregam o lençol freático.
Durante a seca ocorre o melhor momento para desassorear rios e reservatórios porque as máquinas entram sem dificuldade e concluem a obra mais rapidamente. O objetivo é ampliar o volume útil e armazenar as águas da chuva.
O sistema Cantareira tem hoje 28,2% da capacidade, mas a perspectiva é de que chegue a 20% ainda neste ano, o que o colocaria em regime de restrição.
"Nossa preocupação tem que ser com 2022. Os municípios estão se virando como podem. Saltinho e Cordeirópolis estão captando água de cavas de mineração, desde que não haja metais pesados. Vamos sobreviver este ano. Não vamos ter uma repetição do quadro de 2014. Fizemos a lição: reduzimos o consumo com uso consciente da água e a população está sensibilizada", acredita o secretário do PCJ.
Mudanças desde a crise de 2013
Foram três crises hídricas só neste século. Até então a mais recente, a de 2013, fez com a que população reduzisse até 20% do consumo de água. Hoje a economia está na casa dos 10%.
De acordo com dados da Sabesp, algumas ações aumentaram a segurança hídrica:
• A capacidade máxima de armazenamento de água nos mananciais, sem contabilizar a reserva técnica (ou o volume morto), saltou de 1,82 trilhões de litros em 2013 para 1,95 trilhões de litros em 2021, aumento de 7,1%;
• Capacidade de tratamento de água em 2013 era de 73,4 mil litros de água/segundo, hoje é de 82,3 mil l/s;
• Capacidade de transferência de água tratada entre os sete sistemas de abastecimento foi quadruplicada, passando de 3 mil litros/segundo em 2013 para 12 mil l/s em 2021;
• Capacidade de reservação de água tratada saltou de 1,7 bilhão de litros em 2013 para 2,2 bilhões de litros hoje;
• A produção de água média mensal, por outro lado, caiu de 69,1 mil litros/segundo em 2013 para 62,3 mil l/s atualmente, o que indica queda no consumo pela população na região metropolitana de São Paulo.
Redução de perdas
As perdas de água no Brasil ainda são alarmantes, da ordem de 40% desde a saída dos reservatórios até as torneiras das casas, por vazamentos ou desvios irregulares.
De acordo com a Sabesp, nos 375 municípios atendidos, com a troca de ramais e hidrômetros, inspeção das tubulações para identificar vazamentos e fraudes, houve queda do índice de perdas totais de 41% em 2004 para 27% em 2020. O indicador está abaixo da média nacional, que é de 39,2%. A previsão de investimentos neste ano é de R$ 820 milhões.
"Se somarmos todas as medidas, a estiagem de 2022 não será tão drástica. Não ter água para abastecimento humano, industrial e agrícola isso sim é o problema", conclui Francisco Lahóz.