Seis em cada dez pessoas que frequentam a Cracolândia vivem há pelo menos cinco anos no local
Os dados são do Levantamento de Cenas de Uso em Capitais, da Unifesp, realizado ao longo de 2021
São Paulo|Letícia Dauer, do R7
Mais de 39% dos frequentadores da Cracolândia, no centro de São Paulo, vivem no local há mais de dez anos, de acordo com uma pesquisa realizada pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a pedido da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas.
Os dados são da quinta edição do Lecuca (Levantamento de Cenas de Uso em Capitais) e foram coletados durante 2021. A estimativa do número de frequentadores, segundo os pesquisadores, é de 1.343, com variações ao longo do dia.
O levantamento mostra uma tendência de crescimento do número de pessoas que frequentam a Cracolândia, denominada de "cena de uso" pelos pesquisadores, há mais de cinco anos. Em 2019, por exemplo, 47,6% do total de entrevistados declarou frequentar a região há cinco anos ou mais. Em 2021, o número aumentou para 57,4%.
Em contrapartida, o fluxo de novos frequentadores — aqueles que estão há menos de um ano na cena de uso — registrou queda ao longo dos últimos cinco anos. Em 2021, 15,6% dos entrevistados estavam na Cracolândia fazia um período entre um mês e um ano. Em comparação, em 2016, o número era de 30,8%.
Apesar de a Prefeitura de São Paulo comemorar a redução do número de novos frequentadores, a pesquisadora e coordenadora da pesquisa, Clarice Sandi Madruga, afirma que não foram criadas pelo poder público ações significativas de prevenção ao uso de drogas.
A alta frequência de operações policiais na Cracolândia, segundo a pesquisa, é possivelmente o fator que melhor explica esse fenômeno. Apenas no ano passado, a Polícia Civil realizou uma operação a cada dez dias na região com o intuito de combater o tráfico de drogas, de acordo com dados da 1ª Delegacia Seccional do Centro.
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Em maio, após megaoperação na praça Princesa Isabel, o fluxo — nome que se dá à concentração de usuários de droga — se espalhou no centro de São Paulo para bairros como República, Santa Cecília, Luz e Campos Elíseos, criando pelo menos 16 minicracolândias.
"Uma ação de segurança pública mais intensa faz com que os usuários não se sintam mais confortáveis na cena de uso. São necessários a criação de políticas preventivas e o suporte familiar para garantir a diminuição do influxo por meio da redução de demanda, e não através da dispersão dos frequentadores para outras regiões", aponta Clarice Madruga.
Para a pesquisadora, é essencial pensar na integração do sistema público de saúde com a rede de assistência social. É um caminho mais longo de tratamento e recuperação, mas permite a reinserção social dos usuários, além de impedir que eles retornem a cena de uso.
Pré-Cracolândia
Contrariando o esperado, o levantamento mostra que, em média, sete em cada dez usuários na Cracolândia viviam em casa com familiares. Apenas 8% dos entrevistados afirmou já ter estado em situação de rua antes de frequentar a cena de uso.
"Essa narrativa de que quem fica em vulnerabilidade social fica na rua e começa a usar crack é errada. Na Cracolândia, a maioria das pessoas estava integrada, tinha uma vida e começou a abusar de alguma substância. A situação, então, vai se agravando até a perda dos vínculos familiares, quando a pessoa migra para uma cena de uso", explica Clarice Madruga.
De acordo com o Lecuca, os fatores que levaram os usuários a viver na Cracolândia são: conflitos pelo uso de drogas (42,3%), conflitos pelo uso de drogas de familiar (15,4%), extrema pobreza (7,7%) e violência doméstica (6,6%).
Os indicadores podem variar quando analisados a partir do gênero dos entrevistados. A violência doméstica, por exemplo, foi elencada como um motivo para sair de casa por 11,5% das mulheres, o que representa mais que o dobro dos homens (5,4%).
Perfil
A maioria dos frequentadores da Cracolândia, de acordo com a pesquisa, é formada por homens (73,8%), de cor parda (47,7%) e solteiros (75,8%). Quase metade dos entrevistados também tem o ensino fundamental incompleto, enquanto apenas 1,4% da amostra afirmou ter concluído o ensino superior.
Mais da metade das pessoas (56,8%) vive e dorme na Cracolândia na maioria das noites, enquanto cerca de 9% dos frequentadores se deslocam para a região apenas com o intuito de comprar droga.
Em relação ao histórico e padrão de consumo de drogas, 21,1% dos frequentadores da cena de uso afirmaram que não usam crack. Entre os 78,9% que o consomem, 22% usam de forma exclusiva. Já a prevalência de poliusuários — que consomem crack, cocaína, álcool e pelo menos mais um tipo de droga — é de 65%.