Sem ajuda da Vale, família procura sozinha 5 parentes em Brumadinho
Família foi passar o feriado em pousada que desapareceu. Entre eles, está uma jovem grávida de 5 meses. Mãe apela para Justiça alguma informação
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
Horas depois do rompimento de uma barragem de mineração da Vale, na sexta-feira (25), em Brumadinho, Minas Gerais, os primeiros nomes de vítimas e desaparecidos começaram a ser divulgados. Imersa na agonia de quem não conseguiu até a tarde desta segunda-feira (28) contato com dois filhos, que haviam se hospedado na pousada Nova Estância da cidade atingida pelo mar de lama e rejeitos, a economista Helena Taliberti, de 61 anos, relata o desespero de quem que levou três dias para conseguir incluir o nome de dos familiares na lista oficial de desaparecidos na tragédia.
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Desde as primeiras horas desta segunda-feira na Estação do Conhecimento, espaço da mineradora Vale em Brumadinho utilizado para receber familiares e amigos das vítimas, Helena aguarda ansiosamente qualquer nova informação divulgada. “Não saio daqui sem ter notícias dos meus filhos”, diz. “Só depois de cinco cadastros consegui incluir o nome deles nessa lista”, afirma.
Segundo familiares, além de faltar integração entre as listas de desaparecidos da Defesa Civil e da Vale, há também uma falta de atenção com pessoas que não eram funcionários da empresa. “Até a noite do domingo, a Vale tratava somente dos funcionários. Quem não é considerado desaparecido não é procurado. Eles passaram três dias sem serem procurados.”
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Helena é mãe do arquiteto Luís e da advogada Camila Taliberti Ribeiro da Silva. Ambos viajariam para Inhotim, em Minas Gerais, mas antes passariam por Brumadinho. “Soube do rompimento da barragem por uma notificação no celular, mas na hora não dei muita atenção”, diz. “Imaginei que eles já estivessem em Inhotim, como programado.”
Com a chegada das primeiras notícias, Helena tentou imediatamente fazer contato com os filhos, mas não conseguiu. Ligou então para os amigos. “Tentei contato a noite inteira”, diz. Nada. As últimas notícias que mantém Helena esperançosa são mensagens de whatsapp. “Por volta das 11h30, minha filha mandou uma mensagem de celular com a imagem da janela da pousada para o namorado dela”, afirma.
A voz de Helena oscila entre momentos de segurança e desespero. “O plano era ir para Inhotim depois, mas acredito que eles não chegaram a ir”, diz. Até porque, segundo ela, alguns hotéis de Inhotim foram evacuados e os turistas, desaconselhados a voltar à Brumadinho. Outra mensagem de Camila também alimentam as esperanças de Helena. Por volta das 13h30, ela respondeu mensagens em um grupo de amigas. Porém, nada relacionado diretamente à viagem.
Buscas próprias
Helena e mais nove familiares estão em Brumadinho desde sábado (26) com o único objetivo de obter informações sobre os parentes. Além dos filhos dela, estão desaparecidos o Adriano Ribeiro da Silva, pai de Camila e Luiz, Maria de Lourdes Bueno, mulher de Adriano, e Fernanda Damian, noiva de Luiz, filho de Helena, grávida de cinco meses.
Após segundos de silêncio, Helena interrompe a conversa e diz “meu neto vai nascer”. A frase enfática se explica pelo empenho dos familiares nas buscas. “Camila é advogada e a matriz do escritório dela, em Minas Gerais, está toda empenhada em ajudar”, diz. Helena conta também que não economiza esforços para encontrar informações. Enquanto espera por mais uma divulgação de nomes em listas, ela não larga o celular.
Com a ajuda de advogados, os familiares entraram na Justiça com uma liminar para autorizar a divulgação da localização do telefone dos parentes que estavam na pousada. Porém, segundo ela, a liminar está parada. “No sábado, os celulares estavam com bateria ainda. Seria possível encontrar alguma coisa”, diz.
Outra tentativa de Helena é pedir junto às montadoras de automóveis ajuda para acessar os rastreadores do veículo. “O carro de Adriano tinha rastreador. Não sabemos como fazer isso, mas as montadoras precisam liberar informações”, afirma. “Mas o tempo está passando, não se sabe até quando esses aparelhos ajudaram com sinais de sobrevivência.”
Descaso e desespero
Indignada com o tratamento dado pela Vale aos familiares de pessoas que não eram funcionários, Helena afirma que os familiares das vítimas enfrentam o descaso da companhia. “Há interesses por trás, a Vale está preocupada somente com a empresa e não com quem ficou soterrado. Por isso, os nomes levaram três dias para serem incluídos na lista.”
Luiz, filho de Helena, havia chegado da Austrália há pouco tempo para passar férias no Brasil. Segundo um grupo de amigos do arquiteto, as últimas mensagens enviadas por ele são de quinta-feira (24) a noite. Nesta segunda, Helena e os demais parentes que estão em Brumadinho se revezam para fazer buscas em hospitais. “Há notícias de que há sobreviventes não identificados nos hospitais. Uma parte de nós está indo para lá”, afirma a economista.
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Além do descaso, Helena convive com o desespero da falta de informações atualizadas. “Nós ainda temos um pouco mais de esclarecimento estamos movimentando uma rede de ajuda”, diz Helena. “A maioria das pessoas aqui fica sentada olhando para o nada.” A economista afirma que conversou com uma pessoa que vivia na beira do rio e teve todos os pertences soterrados pela lama. “Ele era extremamente humilde e não conseguia se articular e não recebeu nenhuma assistência”, descreve.
Helena não tem previsão para deixar Brumadinho e não mede esforços para encontrar a família. “Vou enlouquecer se for até o local. Só pelo que me contaram já entrei em desespero. Não aceito nada além da vida dos meus filhos de volta da Vale.”
A reportagem do R7 entrou em contato com a Vale, mas ainda não recebeu poscionamento.