Sem esperança, comerciantes do centro de SP fecham as portas por medo da violência
Donos de lojas e restaurantes reclamam do alto número de roubos na área, que passou a ser evitada pela população paulistana
São Paulo|Lucas Ferreira, do R7
A avenida São João, eternizada por Caetano Veloso na canção Sampa, é um dos endereços mais conhecidos da maior cidade do Brasil. O retrato atual da região, entretanto, não parece uma bela música, mas sim um filme de terror.
Segundo dados da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), foram registrados 31 furtos e roubos na avenida São João ou em quadras próximas entre 10 e 16 de abril. Os números são apenas um indício do que os lojistas da área vivem desde a pandemia de Covid-19.
Ações violentas praticadas por frequentadores da vizinha Cracolândia, como um arrastão em uma farmácia e uma invasão de um estacionamento, chamam atenção. O fenômeno pode estar relacionado ao avanço da droga K9, considerada mais forte do que outros entorpecentes e responsável pelo que vem sendo chamado de "efeito zumbi".
Os comerciantes da área afirmam que estão assustados. “Não fechei de teimosa, de enxerida”, conta Helena Vasconcelos Silva. Sócia de um restaurante na rua Helvétia desde 2020, a senhora de 62 anos procura um segundo emprego para poder complementar a renda.
“Vou fechar as portas durante a semana e trabalhar só aos sábados e domingos, para ir mantendo, para ver se melhora, mas a tendência não é melhorar, a tendência é piorar.”
A rua Helvétia, onde fica o bar de Helena, serviu de ponto de encontro de usuários de crack por cerca de cinco meses. Segundo ela, apesar de a via não ser mais o epicentro da Cracolândia, os efeitos ainda podem ser sentidos, já que vários empresários se mudaram das redondezas. Atualmente, o fluxo de dependentes químicos se concentra principalmente na esquina entre as ruas Conselheiro Nébias e dos Gusmões.
O pessoal vinha aqui%2C tomava um café%2C mas agora não tem nada. Sabe quantos almoços eu vendi hoje%3F Três. Tem dia que não vende um%2C antigamente vendia 70.
Os perigos não se apresentam somente aos clientes, mas também aos comerciantes. Em entrevista ao R7, um tatuador que possui um estúdio na avenida São João preferiu não se identificar por medo de se tornar alvo de assaltantes. Segundo o empresário, ele já foi roubado três vezes na região.
“Vou fechar a loja e às vezes acontece de pessoas ficarem de olho, não sei se estão vigiando a gente ou não. Mas já aconteceu de sair da minha loja, daqui do trabalho, virar duas, três esquinas e ser assaltado”, lamenta o tatuador.
O comerciante conta também que usa a internet para divulgar o seu trabalho, porém, quando alguns clientes descobrem que o estúdio fica na região central da cidade, desistem da tatuagem.
Quando passo o endereço%2C a região%2C eles [os clientes] falam%3A ‘Nossa%2C aí é perigoso’. Uns vêm%2C uns não vêm. Eles têm medo quando você já fala centro%2C eles já acham que estão em um campo minado.
Para Larissa Bassi Roza, dona de um restaurante também na avenida São João, a Cracolândia é um fator determinante para a queda de movimento no centro. Segundo a empresária, quando os usuários de drogas estavam instalados na rua Helvétia, as vendas diminuíram. Após a saída deles daquela área, a circulação de clientes voltou a crescer.
“Nós estamos aqui há seis anos e [a Cracolândia] impactou bastante”, explica Larissa. “Agora que eles se afastaram, o movimento voltou um pouquinho, mas não 100%, não como era o nosso movimento antigamente.”
Associações pedem ajuda
Grupos como a ACSP (Associação de Comerciantes de São Paulo) e o Sindilojas-SP engrossam o coro dos empresários sobre a insegurança na região. Os representantes dos comerciantes pedem maior intervenção do estado na área central de São Paulo para que o abandono acabe.
“Lojistas fechando suas lojas de 40 anos num centro comercial que é São Paulo, a maior capital da América Latina. A gente tem uma sensação de insegurança, e o ser humano é movido por sensações. Quando a gente chega a um ponto desses, é lamentável”, disse o presidente do Sindilojas-SP, Aldo Macri.
“Hoje nós temos uma existência de, no máximo, 20% do comércio que poderíamos ter no centro da cidade. Parece um absurdo, mas é real. Se você pegar uma rua que no passado foi referência do comércio, como a rua Direita, você vai observar que nós temos mais de 50% das lojas fechadas”, lamenta o presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine.
O que dizem as autoridades?
Em nota, a Prefeitura de São Paulo destacou a criação do comitê intersecretarial #TodosPeloCentro, que permite a cooperação entre as secretarias. O poder municipal também explicou que as prioridades para a recuperação da região são “segurança, habitação, social, requalificação urbana e mobilidade, atração de investimentos, meio ambiente e lazer e cultura”.
A prefeitura também informou que aumentou o patrulhamento comunitário e preventivo na região central com 1.200 agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana), que realizam patrulhamentos periódicos 24 horas por dia.
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A partir da Deac (Diária de Atividade Complementar), o poder municipal de São Paulo conta com o reforço de 1.500 agentes no efetivo da GCM. A gestão Ricardo Nunes (MDB) promete instalar ainda 2.500 câmeras de monitoramento no centro.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, por sua vez, afirmou que a Polícia Civil se reuniu com comerciantes da região para estabelecer estratégias de atuação na área. A pasta também informou a prisão de dez pessoas por furto na “área de entorno do fluxo de usuários no centro de São Paulo” entre 10 e 16 de abril.
A prefeitura e o governo lançaram em janeiro uma estratégia para tentar acabar com a Cracolândia que envolve as forças de segurança, além de ações em áreas como saúde, habitação e assistência social.
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