Sem planejamento, blocos nas ruas devem impactar trânsito, segurança e limpeza das vias de SP
Às vésperas da festa, marcada para o feriadão de Tiradentes, número de desfiles é incerto. Prefeitura quer mudança de data
São Paulo|Joyce Ribeiro, do R7
Os organizadores do Carnaval de rua garantem que ao menos 5% dos 800 blocos cadastrados vão ocupar as ruas de São Paulo durante o feriado prolongado de Tiradentes. Às vésperas, ainda é incerto o número de desfiles e se haverá algum tipo de apoio da prefeitura na infraestrutura. A preocupação de moradores e especialistas é com os impactos na cidade, como limpeza urbana, trânsito, segurança e transporte.
Nabil Bonduki é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo. Foi na gestão dele, entre 2015 e 2016, que o Carnaval de rua tomou forma e explodiu.
"A prefeitura, de maneira irresponsável, não fez o planejamento. A organização depende do número de blocos e o tamanho deles. A prefeitura poderia fazer em um prazo bastante curto. Deveria ter tido diálogo com os blocos, mas, desde que a organização saiu da Secretaria Municipal de Cultura e foi para a Secretaria de Subprefeituras, se interrompeu esse diálogo", afirma.
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O ex-secretário criticou o fato de a prefeitura ter acertado o adiamento dos desfiles das escolas de samba para os próximos dias 22 e 23, sem ter levado em conta os blocos de rua.
"Estamos no escuro. Se criar clima de Carnaval em abril, as pessoas vão buscar os blocos que estão saindo. O bloco pode ser pequeno, mas o folião não tem fidelidade a um. Ele vai onde tiver, e o que era pequeno, pode crescer", ressalta Nabil Bonduki.
A prefeitura alegou não ter tempo hábil para organizar os desfiles ainda neste mês e se negou a oferecer a infraestrutura necessária. A questão virou alvo de um ofício da Defensoria Pública.
A cidade está se apequenando em relação ao Carnaval no momento que a pandemia deu uma arrefecida%2C e não atende à festa%2C que é popular
Mas na quinta-feira (14), em reunião da subcomissão de Cultura na Câmara Municipal, a secretária-adjunta de Cultura de São Paulo, Andrea Souza, afirmou que não haverá repressão aos blocos por parte da prefeitura e deu a entender que a gestão municipal estava tomando providências, mas não disse quais.
"Repressão não. Não há necessidade que tenhamos medo do prefeito Ricardo Nunes. Não é o modus operandi dele. O prefeito está organizando o acolhimento para que esses 5% [de blocos] brinquem com liberdade. Identidade cultural não vai ser reprimida nunca, não por esta prefeitura. Tempo hábil é cuidado, não é irresponsabilidade ou descaso", ressaltou a secretária.
Impasse
A discussão sobre o tema sempre foi conturbada. De início, não houve diálogo e, quando houve o encontro entre a prefeitura e as entidades do Carnaval de rua no último dia 8, o encontro terminou sem acordo.
Os organizadores mantiveram os desfiles mesmo sem poder contar com a infraestrutura da gestão municipal. A insegurança na organização é uma das precupações da arquiteta e urbanista Lucila Lacreta, fundadora do Movimento Defenda São Paulo.
"Está muito no ar. Temo que vire bagunça se não houver organização oficial, com controle de quem vai desfilar. Aglomeração, bebida livre, é tudo imprevisível demais. Não temos conhecimento de nada, não fomos procurados por blocos e associação de moradores, embora sejamos formados por associações", diz.
Segundo ela, há uma diferença de planejamento entre os eventos oficiais e os espontâneos. "Uma coisa é o Sambódromo, local adequado para isso, com uma estrutura específica para abrigar um evento com grande número de participantes. Lá vai ter polícia, ambulâncias. Na rua, nós nem sabemos quantos blocos vão participar. Imprevisibilidade gera insegurança", defende.
Tem coisas que dá para fazer sem contratos novos%2C licitação%2C como a limpeza pública. Se não%2C vai restar lixo e garrafas nas ruas
Para o assessor de mobilização da Rede Nossa São Paulo, Igor Pantoja, a prefeitura mostra despreparo em lidar com o Carnaval de rua ao ignorar os blocos e focar apenas os desfiles das escolas de samba no Sambódromo.
"Parece que a prefeitura está lavando as mãos para esta festa enorme, que atrai investimentos para o município. A cidade está se apequenando em relação ao Carnaval no momento que a pandemia deu uma arrefecida, e não atende à festa, que é popular. A prefeitura ao se eximir, como está fazendo, vai se complicar ainda mais, aumentando a impopularidade do prefeito Ricardo Nunes", acredita.
Organização dos blocos
De acordo com os organizadores, não haverá trio elétrico, os carros serão de tração manual, os músicos deverão ir no chão e seguir devagar. Como não haverá divulgação dos locais de concentração e horários, são esperados menos foliões e mais moradores da região.
"Vamos instruir blocos sobre as melhores práticas. Se a prefeitura não fechar a rua, a recomendação é seguir a mão da rua, não fazer desfiles extensos, que façam trânsito ou impeçam circulação de ambulâncias e bombeiros", ressalta José Cury, um dos fundadores e coordenador do Fórum de Blocos de São Paulo.
Será preciso também fazer adaptações nos trajetos para minimizar o impacto no trânsito, evitando avenidas e ruas de duas mãos.
Para recolher o lixo, os blocos pretendem contratar varredores para a concentração e fazer parcerias com catadores de recicláveis.
O não auxílio da prefeitura na limpeza das vias, em fornecer banheiros químicos ou com suporte financeiro aos blocos menores virou tema de um ofício da Defensoria Pública enviado à prefeitura no dia 12.
No documento, o orgão pede que sejam adotadas as providências necessárias para garantir que as forças policiais e de segurança municipal não atuem na repressão "considerando seu caráter público e comunitário".
Possibilidades
Mas existem outras alternativas. Se a prefeitura decidisse auxiliar minimamente na organização, poderia deslocar equipes de limpeza para os locais de desfiles.
"Tem coisas que dá para fazer sem contratos novos, licitação, como a limpeza pública. É convocar equipes extras. O contrato prevê essa possibilidade e é comum acontecer. Senão, vai restar lixo, garrafas nas ruas e a prefeitura vai ser avisada por moradores após a passagem dos blocos", explica o ex-secretário de Cultura.
Já Igor Pantoja teme que haja conflitos no trânsito caso as vias não estejam sinalizadas. "Sem o fechamento adequado de ruas, gera risco ao folião, que pode entrar em conflito com motos, carros e entregadores que quiserem passar pelos blocos. O ideal seria sinalizar em uma espécie de corredor de blocos e não na cidade toda", enfatiza.
A ideia também é defendida por Nabil Bonduki: a criação de uma central de serviços em um local específico na cidade para a concentração dos blocos. Segundo ele, nessas estações estariam banheiros químicos e ambulâncias, acionadas em parceria com as OSS (Organizações Sociais de Saúde).
"Fazer a coisa como deve ser feita, não dá mais tempo, mas dá para fazer planos com a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em determinadas áreas da cidade, mas a prefeitura prefere dizer que não dá para fazer. A gestão pode mostrar que quer dar alegria à população, mas as pessoas vão ver ruas sujas, caos no trânsito e conflitos", conclui Igor Pantoja.
O que diz a prefeitura
Em nota, a Secretaria Municipal da Cultura reafirmou que, na reunião realizada na Câmara Municipal, "a gestão da cidade nunca utilizou de métodos repressivos contra qualquer manifestação cultural, tanto é que os eventos e festas da cidade de São Paulo estão entre as maiores do Brasil e atraem pessoas de todas as regiões e de outros países".
A prefeitura ressaltou que o carnaval de rua atrai grande público justamente por causa do "planejamento competente, organização, serviços de saúde, sistema de transporte e segurança garantida pela Guarda Civil Metropolitana e pela Polícia Militar".
Mais uma vez, a administração municipal disse se manter disposta ao diálogo com as entidades de blocos e "continuar empenhada em encontrar uma data consensual com tempo hábil para planejar o evento e, assim, garantir a segurança e a infraestrutura necessárias".
A prefeitura lembrou que o Carnaval de rua foi cancelado em função da variante Ômicron e da impossibilidade de cumprir os protocolos sanitários diante da expectativa de público de 15 milhões de pessoas.
A administração municipal insiste que o planejamento é grandioso por envolver roteiros, alterações no sistema viário e transporte público, infraestrutura, policiamento e serviços médicos.
Segundo a prefeitura, a regra específica prevê que a realização de eventos dos blocos, cordões, bandas e demais manifestações do Carnaval deve ser previamente autorizada pelos órgãos competentes com informações sobre organizadores, horário, locais e períodos de duração.
A gestão cita o decreto nº 49.969/2008, que regulamenta a expedição de alvará de autorização para eventos públicos e temporários, e estabelece antecedência mínima de 30 dias da data de realização do evento.