Tensão e tristeza: como foi a 1ª noite dos moradores vítimas do incêndio
Moradores do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, enfrentam as primeiras 24 horas após o incêndio
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
Em meio ao forte cheiro de fumaça, moradores do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, enfrentam as primeiras 24 horas de tensão, estresse e profunda tristeza. "É muita humilhação. A gente não dorme com aqueles momentos gravados na mente", diz Neusa Cavalcante de Souza, 55 anos, moradora do andar térreo do edifício ocupado que desabou.
O semblante dos moradores que viviam no prédio amanhece fechado. Alguns não falavam uma palavra sequer. Outros, apenas observavam os jatos de água que tentavam diminuir a fumaça vinda dos escombros metros à frente de onde as famílias estão alojadas. "Os governantes acham que qualquer coisa serve para nós, mas queremos uma moradia digna", afirma Neusa, que desde 1998 vive em prédios ocupados no centro da cidade.
Atualmente desempregada, Neusa aguarda na fila de distribuição de remédios para ser atendida pelas equipes da saúde. "Estou só com o colchão na rua. Para tomar banho, tive que ir até o prédio em que meu filho mora, também ocupado." Outro homem desalojado afirma "ninguém conseguiu dormir aqui." Na manhã desta quarta-feira (2), além do desalento, a atmosfera é de nervosismo com a falta de perspectiva.
"Os governantes acham que qualquer coisa serve para nós"
A maior parte das pessoas desalojadas não quer ser encaminhada aos albergues da Prefeitura de São Paulo. "Já fiquei em albergue, precisamos de um lugar para morar. Albergue é uma passagem. Lá não se faz nada. Temos que acordar e sair. Quero ter minhas coisinhas para cuidar. Nós também temos nossos objetivos", diz Neusa.
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Há dois anos e meio no edifício que desabou, Neusa veio de Minas Gerais para São Paulo em busca de melhores condições de vida, porém, segundo ela, até hoje a batalha continua. "Mesmo no prédio não tinha muito sossego, deitava para dormir e pensava no que seria da minha vida."
Segundo Neusa, a sensação no momento do desabamento foi de pavor e pânico. "Escutei um estrondo por volta das 1h30 da madrugada e até pensei que fosse tiro, quando vi um rapaz quebrando o vidro de uma janela para conseguir sair." Sem perspectivas do que fazer, Neusa aguarda medicamentos para dor de cabeça, presão alta e tontura.
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Moradores do edifício e das ruas estão alojados no mesmo espaço, nos arredores do Largo do Paissandu. "Isso de problema ontem, teve um pouco do briga", Ana Lúcia, 57 anos. "A gente não consegue mais dormir desse jeito. Também não tive condições de tomar banho, estou cheirando mal", relatou.
Ela conta que morava no segundo andar do prédio que desabou e não conseguiu salvar nenhum de seus pertences. "Sai correndo só com a bolsa", diz com os olhos marejados. "Tive que correr se não morria." Ana Lúcia também diz não sentir vontade de viver em um albergue. "Já tenho mais idade, lá os horários são muito rígidos, é muito ruim. Não é isso que a gente quer. Queremos uma moradia ou um auxílio moradia para nos ajudar."
"Passamos o tempo todo aqui com os moradores de rua"
A empregada doméstica Janaina Gomes, 35 anos, dobra e organiza roupas que chegam por meio de doações. Da calçada, ela tenta observar os três filhos de 4, 12 e 15 anos que viviam com ela no edifício e agora dormem nas ruas do Largo do Paissandu. "Passamos o tempo todo aqui com os moradores de rua. Não tenho a menor ideia do que fazer. Estou vivendo da ajuda das pessoas que passam", diz ela. Janaina também não quer ir para um albergue. Segundo ela, para quem trabalha fora, os horários do albergue são muito exaustivos. "Não tem folga para quem trabalha o dia todo."
Janaina e os filhos dormiam quando ouviram uma gritaria no prédio e uma movimentação intensa. "Todos começaram a descer quando desabou", diz. "Sentia a morte de perto."