Todos os homens têm de melhorar, diz Iza Penna, deputada assediada
Parlamentar da Alesp diz que acredita na mudança por meio da pressão social. "Há homens que reproduzem o machismo e outros que assediam"
São Paulo|Fabíola Perez, do R7
Dias após ter sido vítima de assédio sexual na Assembleia Legislativa de São Paulo, a deputada Isa Penna (PSOL), de 29 anos, afirma que ainda sente repulsa e tristeza ao ter de rever o vídeo que registrou o momento em que o parlamentar Fernando Cury (Cidadania) se posiciona por trás da deputada, coloca a mão na altura de seu seio e em sua cintura, tentando abordá-la.
“O que sinto agora é que preciso falar sobre isso, por mais que doa, seja porque é chato falar sobre a mesma coisa, seja porque é dolorido lembrar”, afirmou a deputada ao R7. “Há homens que reproduzem o machismo e outros que assediam. Mas todos os homens têm de melhorar porque a nossa cultura é assim. Tenho muita esperança na mudança, mas acredito que ocorra com a pressão social.”
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A deputada foi assediada na sessão extraordinária que votava a aprovação do orçamento da cidade na quarta-feira (16). Um vídeo gravado por uma câmera da Alesp registrou o momento em que o deputado se aproxima da parlamentar, quando ela está próxima à mesa da presidência. A reação de Isa Penna ao empurrá-lo foi imediata. Cury insiste e ela volta a afastá-lo.
"Há homens que reproduzem o machismo e outros que assediam. Mas todos têm de melhorar"
“Fiquei acordada até as 4h30 da manhã quando cheguei em casa, chorei. Meu marido já estava dormindo. Fiquei em posição fetal, chorando de raiva e tristeza, lembrando do que vi com outras mulheres, quando eu era advogada. É uma cultura muito enraizada.”
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Na sexta-feira (18), Fernando Cury foi afastado pelo partido de todas as funções exercidas em nome da legenda, inclusive na Alesp. O parlamentar, por sua vez, rebateu a acusação. “Não houve de forma alguma tentativa de assédio, de importunação ou de qualquer outra coisa com nome semelhante a este. Nunca fiz isso na minha vida toda. Se a deputada Isa Penna se sentir ofendida pelo abraço que dei, peço desculpa por isso”, afirmou o deputado em sessão parlamentar.
"Tenho muita esperança na mudança%2C mas acredito que ocorra com a pressão social"
A procuradoria Geral da Justiça em São Paulo vai intimidar o deputado Fernando Cury a depor por crime de importunação sexual no início de janeiro. A Comissão de Ética da Alesp também debaterá o tema no início do ano. Entretanto, a mesa é formada por nove deputados e somente uma parlamentar.
Isa Penna se diz esperançosa quanto ao processo. “Nesse caso, vai ser a pressão social. Vi a solidariedade das mulheres juristas e em todas as categorias profissionais. Estou colocando minhas esperanças em cada uma dessas mulheres.”
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A deputada entrou com uma representação no conselho de ética da Assembleia Legislativa de São Paulo e um BO eletrônico. Na quinta-feira (17), Isa Penna registrou boletim de ocorrência sobre o caso e, na sexta-feira (18), junto às advogadas de defesa Mariana Serrano e Danyelle Galvão, foram ao Ministério Público na sexta-feira (18), para que a Deputada fosse ouvida.
A seguir, leia a íntegra da entrevista da deputada Isa Penna ao R7.
R7 - A Procuradoria Geral de Justiça SP vai intimar o deputado do Fernando Cury (Cidadania) a depor pelo crime de importunação sexual. O que você espera da Justiça?
Isa Penna - Recentemente tivemos uma sentença da Justiça que mencionava a expressão “estupro culposo”. Sabemos que o judiciário brasileiro tem uma série de limitações, mas nesse caso a tenho esperança porque vi a solidariedade das mulheres juristas e em todas as categorias profissionais. Estou colocando minhas esperanças em cada uma dessas mulheres. Nossa força está aí.
R7 - As imagens mostram sua pronta reação ao ser assediada pelo deputado Fernando Cury. O que você pensou na hora?
Isa Penna - Acredito que tive uma boa reação, toda mulher tem que se sentir no direito de afastar, inclusive fisicamente, até em função de seu direito de legitima defesa. Na hora fiquei em choque e comecei a gritar: “Você está louco? O que você está fazendo? As fichas foram caindo, mas como já trabalhei em muitos casos de violência contra a mulher, fui ganhando coragem, inclusive para enxergar a prepotência masculina como uma fragilidade, vulnerabilidade. No minuto que a gente peita, eles ficam em silêncio, como todos estão: João Doria, Fernando Cury, Cauê Macris.
R7 - Como era a relação de trabalho entre vocês?
Isa Penna - Essa relação era inexistente, não sabia nem o nome dele. Perguntei o nome dele para o líder do governo e só então fiquei sabendo.
"Fui ganhando coragem para enxergar a prepotência masculina como uma fragilidade%2C uma vulnerabilidade"
R7 - Além da votação do orçamento, você enfrentou também um crime de importunação sexual. Como passou a primeira noite após este acontecimento?
Isa Penna - Fiquei acordada até as 4h30 da manhã, chorei. Meu marido já estava dormindo. Fiquei em posição fetal, chorando de raiva e tristeza, lembrando do que vi com outras mulheres, quando eu era advogada. É uma cultura muito enraizada. A gente se sente impotente, mas isso mudou. Estava me fazendo muito mal ver o vídeo, mas tive que ver e recontar isso várias vezes. O que sinto agora é que preciso falar sobre isso, por mais que doa, seja porque é chato falar sobre a mesma coisa, seja porque é dolorido lembrar da mão dele no meu peito. Isso fez com que muitas mulheres falassem. Recebi milhares de mensagens dizendo coisas do tipo “você lavou minha alma.”
R7 - Você afirma ter perguntado ao presidente da Alesp sobre quantos projetos ainda seriam discutidos. O que mais vocês conversavam naquele momento?
Isa Penna - O que deu ensejo foi o fato de ter sido aprovado o orçamento desse governo, do qual eu sou oposição, fui perguntar quantos projetos vão ser aprovados. Depois, perguntei “Cauê, você tem filha?" Sabia que ele tinha um casal de gêmeos. Como eu sabia que ele tinha filhos, pensei que ele fosse mais acessível no sentido de reconhecer que o machismo existe nas estruturas sociais. Mas acredito que quanto mais tentarem desacreditar, pior vai ficar. O vídeo que começou a circular em que eu estava dançando funk faz parte desse contexto. Essa é a grande questão: imagine se houvesse um vídeo desse teor com um homem. Infelizmente, é algo [assédio] tão corriqueiro, mas ainda é um tabu na sociedade.
R7 - O que vocês conversavam e o que Fernando Cury tinha a dizer naquele momento?
Isa Penna - Ele não me falou nada, não teve tempo, quando senti o toque dele, antes que ele pudesse falar alguma coisa fiquei gritando e ele só balbuciou algumas coisas.
"Isso fez com que muitas mulheres falassem. Recebi milhares de mensagens dizendo coisas do tipo%3A você lavou minha alma”
R7 - Havia sofrido algum outro tipo de assédio ou violência em sua trajetória política?
Isa Penna - A situação que mais me impactou desde que comecei a ter a vida política desde 2009 foi essa, porque como feministas temos mais noção dos nossos direitos. Ainda que o machismo estrutural esteja introjetado, entendemos melhor porque essas coisas acontecem. Me lembro que aos 10 anos, um taxista chegou a colocar a mão na minha coxa. Na minha vida profissional, como advogada, meu chefe me deu um selinho e fiquei muito assustada.
R7 - A Alesp negou que tenha havido confraternização no plenário. A confraternização ocorreu no gabinete dele?
Isa Penna - A confraternização estava acontecendo, mas não era oficial. Ele estava cheirando a álcool. Provavelmente, aconteceu no gabinete dele.
R7 - Qual a relação de um vídeo seu dançando e o fato do assédio? Como você viu a repercussão desse vídeo?
Isa Penna - O deputado Carlão Pignatari, líder do governo, recebeu o vídeo, o presidente da Alesp, Cauê Macris disse que a mulher dele recebeu e o deputado Douglas Garcia (PTB) espalhou para diversos sites, falando que eu tinha pedido votos para o então candidato Guilherme Boulos (PSOL) com o vídeo, enquanto, na verdade, o vídeo era por uma comemoração pelo fim da campanha.
R7 - Você já presenciou outros casos de violência contra a mulher na Alesp?
Isa Penna - Acontecem casos todos os dias. Eu já fui advertida por declarar um poema feminista na Alesp, veja como é algo provocador.
"Me lembro que aos 10 anos%2C um taxista chegou a colocar a mão na minha coxa"
R7 - A Comissão de Ética só voltará a se reunir em fevereiro e terá apenas uma mulher entre os nove integrantes. Como você imagina que ocorra esse debate?
Isa Penna - Por um lado, é necessário entender que a questão da representatividade é um problema estrutural do sistema político brasileiro. Por outro lado, não quero fazer uma generalização. Todos os homens têm de melhorar porque a nossa cultura é assim. Mas há homens que reproduzem o machismo e outros que assediam. Tenho muita esperança, mas vai ser a pressão social. Nesse caso, está tudo gravado em vídeo: o fato é que eu fui assediada.
R7 - O que esse vídeo e esse ato demonstram acerca do tratamento dado às mulheres inseridas na política institucional no país?
Isa Penna - Para todos aqueles que dizem que não há mais desigualdade entre homens e mulheres calarem a boca.