Três anos após morte de Rafael Miguel, Cupertino não tem data para ser julgado; entenda processo
Crime ocorreu em 9 de junho de 2019 e apenas em 16 de maio de 2022 o empresário foi capturado. Ele está em prisão preventiva
São Paulo|Isabelle Amaral*, do R7
O empresário Paulo Matias Cupertino, acusado de matar o ator Rafael Miguel, de 22 anos, e os pais dele, João Alcisio Miguel e Miriam Selma Miguel, há exatos três anos, aguarda preso desde maio o julgamento do caso. Ele foi detido apenas no último dia 16, e, apesar de já ter virado réu na Justiça sob acusação de triplo homicídio, o processo está em fase de instrução e não há data para a realização de um possível tribunal do júri. O processo tramita em segredo de Justiça.
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) confirmou ao R7 que a audiência de instrução do acusado foi marcada e ocorrerá no dia 22 de agosto às 16h. Dois amigos dele, que são suspeitos de ajudá-lo durante a fuga também serão ouvidos. Eles são acusados de favorecimento pessoal.
Nessa fase do processo, Cupertino será interrogado, precisará explicar o que aconteceu no dia e, junto a um defensor, se defender. À polícia, ele disse que é inocente.
Cupertino era o "número um" entre os procurados da polícia de São Paulo quando foi preso em um hotel na zona sul. Ao longo de três anos, investigadores foram a mais de cem endereços e fizeram buscas até no Paraguai, sem conseguir detê-lo. Após a prisão, Cupertino foi levado para um centro de detenção provisória e, na terça-feira (7), foi transferido para a Penitenciária I de Presidente Venceslau.
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Conforme denúncia feita pelo Ministério Público e aceita pela Justiça enquanto Cupertino estava foragido, o réu responde por triplo homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e sem dar possibilidade de defesa às vítimas.
O advogado criminalista e professor de direito e processo penal André Lozano Andrade explicou ao R7 que, neste momento, ele foi denunciado, mas não pronunciado, ou seja, Cupertino ainda pode argumentar em relação à acusação para que, enfim, ocorra o julgamento ou não e sentença de prisão. O empresário alega ser inocente e chegou a recusar o trabalho de advogados de defesa.
Nesse caso, Andrade afirma que a defesa é obrigatória. "Ele pode não aceitar o defensor, mas terá que nomear um advogado. Se ele falar que não quer defesa técnica, o juiz nomeará um defensor independentemente da vontade dele", explicou. Isso ocorre porque sem a defesa técnica (de um defensor público ou advogado), o processo é inválido.
Segundo André Lozano, o julgamento deve ocorrer apenas no fim deste ano ou no começo do ano que vem, momento em que a sentença de pronúncia, que vai mandá-lo ao júri popular, será decretada. Ele explica, ainda, que o tempo para o julgamento é extenso, mesmo que tenha sido um crime de repercussão nacional, devido ao fato de que há outros processos na frente. "É uma fila", disse.
Mesmo assim, o advogado ainda acredita que, se o julgamento ocorrer no período em que estima, pode-se considerar que esse caso tenha passado na frente de outros. Além disso, ele entende que, por Cupertino estar preso, a Justiça deve adiantar o processo.
Caso seja condenado, o réu deverá cumprir pena máxima de até 30 anos e terá direito às "saidinhas" temporárias da prisão se progredir para o regime semiaberto. O motivo é a data do triplo homicídio pelo qual Cupertino responde, que ocorreu meses antes da sanção do pacote anticrime, em dezembro de 2019. A legislação veta saídas temporárias por crimes hediondos e aumentou o tempo máximo de cumprimento de pena de 30 para 40 anos, mas não retroage para tornar mais rígidas condenações por crimes anteriores.
Impacto na vida de Isabela
No momento da prisão do pai, Isabela Tibcherani, hoje com 21 anos, publicou um story no Instagram informando que soube da captura de Cupertino, disse que precisava de espaço e estava "sem condições de falar". A jovem que, por muitos anos, sentiu culpa pela morte do namorado e dos sogros pôde, por um momento, ter uma mínima sensação de alívio com a prisão do pai.
Em entrevista ao programa Repórter Record Investigação, em 2020, Isabela revelou detalhes da infância. "É muito difícil buscar uma imagem afetiva de pai. Eu tenho muito mais lembranças dele como pessoa agressiva do que como pai.” Em uma entrevista mais recente, também à Record TV, após a prisão de Cupertino, ela afirmou que não o considera mais parte da família.
Isabela teve não apenas o lado psicológico abalado, por presenciar o pai matar o namorado e os pais dele, mas também sua vida pessoal e profissional afetada. Ela conta que até hoje tem problemas para conseguir emprego por ser filha de Cupertino e pelo envolvimento no caso. Segundo ela, nenhuma empresa quer contratar uma pessoa que, apesar de capacitada, "tem a cara estampada em todos os lugares".
Ainda na entrevista, ela revelou um momento em que o homem chegou a quebrar um prato de vidro em sua cabeça quando era mais nova, além de controlar as vezes em que podia sair de casa. Ao Repórter Record Investigação, ela afirmou que ele a proibia de se arrumar, usar brincos ou maquiagens ou mesmo de encontrar os amigos, com os quais ela só conseguia se socializar na escola. “Era tapão na cabeça, soco nas costas [...] e eu não podia chorar, senão apanhava mais”, afirmou à época. Esse sentimento de posse, segundo ela, teria motivado o crime cometido pelo pai.
Sobre o tempo em que Cupertino ficou foragido, ela disse não ter tido medo de ele aparecer em casa e, talvez, cometer um outro crime. "Nada me impressiona mais".
Na noite de terça-feira (7), Isabela postou uma caixa de perguntas no perfil do Instagram, onde vem compartilhando aguns momentos da vida. Ela foi questionada sobre o motivo de não aparecer em stories ou fotos com a mãe e o irmão e afirmou que não fala da família para privá-los da exposição.
A filha de Cupertino disse, ainda, que sente certa dificuldade em se ver digna e realmente feliz, mas passou por atendimento psicológico e está tentando, aos poucos, retomar a vida. "O trauma de tudo que foi visto e vivido, desde aquele dia, é muito mais intenso do que as pessoas imaginam. São sequelas que vou levar para vida", revelou.
Sobre o julgamento, ela afirmou esperar que a "Justiça seja feita". Durante esses anos, segundo ela, o sentimento foi de "muita dor, mágoa e angústia".
Motivação do crime
O crime ocorreu durante um encontro de famílias. Cupertino não aprovava o namoro da filha com o ator e, por isso, a família dele decidiu se reunir com a da jovem para que o pai dela finalmente pudesse conhecê-los.
Na época, Isabela tinha 18 anos e morava com a mãe e o irmão. O pai da jovem vivia com outra família e, mesmo assim, quando soube do namoro, não aprovou o relacionamento e proibiu a filha de se encontrar com o ator.
Eles chegaram a ficar seis meses sem se encontrar por medo de Cupertino e a última vez em que tinham saído juntos foi uma noite antes do crime. Na manhã seguinte, Isabela teve uma crise de ansiedade e pediu para encontrar Rafael em uma praça na região onde moravam, o pai dela ficou sabendo e não gostou.
Isabela não queria voltar para casa, então Rafael a levou para a residência onde vivia com os pais. Lá, os dois conversaram sobre a falta de aprovação de Paulo Cupertino, entãoMiriam e João, pais do ator,decidiram ajudar e pediram um encontro das famílias.
O objetivo, segundo familiares das vítimas, era que o homem pudesse conhecer não apenas Rafael, mas também os pais dele, para conversar sobre o namoro e, segundo eles, mostrar a índole da família. No dia do crime, ao chegarem à casa da namorada de Rafael, eles foram recebidos pela mãe dela.
Pouco tempo depois, Cupertino chegou, pediu que as vítimas saíssem, obrigou a filha a ficar dentro de casa e teria disparado contra os três. Um laudo elaborado pela Polícia Técnico-Científica de São Paulo mostrou que o atirador disparou 13 vezes.
Desses, sete tiros atingiram Rafael, sendo um na cabeça, outro no peito, três nas costas e dois no braço esquerdo. O pai dele foi baleado quatro vezes, no peito e nos braços e a mãe levou dois tiros, no peito e no ombro. Após assassinar a família, o homem fugiu e foi encontrado apenas quase três anos depois.
Disfarces e fugas do criminoso mais procurado de São Paulo
Antes de ser preso, Paulo Matias Cupertino era o criminoso mais procurado pela Polícia Civil de São Paulo e, de acordo com a corporação, ele passou por mais de 300 endereços durante os anos de fuga. As pistas sobre o paradeiro dele foram checadas em diversas cidades do interior paulista, estados do país e até no exterior.
Em 16 de julho de 2019, pouco mais de um mês após o crime, um delegado de Ibiporã, no Paraná, descobriu que Cupertino teria emitido um RG com o nome de Manoel Machado da Silva. Com o novo documento, ele conseguiria receber remessas de dinheiro para se manter durante o período de fuga. O único funcionário do instituto de identificação, que emitiu o documento em uma cidade vizinha, chegou a prestar depoimento.
Depois disso, em novembro de 2020, a polícia recebeu uma denúncia de que Cupertino estaria frequentando constantemente um salão de beleza na cidade de Eldorado, no Mato Grosso do Sul. O motivo das visitas ao estabelecimento, segundo as autoridades, seria para fazer a manutenção dos disfarces utilizados. No decorrer das investigações, ele teria deixado a região e fugido mais uma vez.
Em dezembro do mesmo ano, o empresário teria se escondido em uma fazenda de soja na cidade de Yataity Del, no Paraguai. Ele teria pegado um avião no Mato Grosso do Sul, pilotado por um amigo e dono de um sítio no município paraguaio, onde ficou escondido por cerca de 15 meses com a identidade falsa.
Cupertino chegou a passar por diversos outros endereços, até mesmo em locais próximos de onde cometeu o assassinato. Visitas a lanchonetes, barbearias e lojas de conveniência eram constantes. Um motorista de aplicativo afirmou ter transportado o criminoso ainda no Mato Grosso do Sul.
Imagens de câmeras de segurança, cedidas para a investigação, mostram que o homem estava sempre disfarçado de diferentes formas: usava bengala, chapéus, além de mudar a aparência. No momento da prisão, em maio deste ano, em um endereço próximo da casa de Isabela, Paulo Cupertino afirmou que a polícia o havia procurado em "lugares errados".
A investigação do assassinato da família de Rafael Miguel foi encaminhada à equipe do 98º DP (Jardim Míriam), na época responsável pela região onde o crime foi realizado. Mas, após o suspeito ter fugido, a polícia encaminhou o caso ao departamento especializado na busca de fugitivos da Justiça — Decade (Departamento de Capturas e Delegacias Especializadas).
* Estagiária sob supervisão de Fabíola Perez