Uma semana após incêndio, moradores ainda vivem tragédia
Prédio Wilton Paes Oliveira pegou fogo e desabou na terça-feira (1°), no Largo do Paissandu. Corpo de Bombeiros trabalham em busca de desaparecidos
São Paulo|Plínio Aguiar, do R7
O clima no entorno do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, que pegou fogo e desabou há uma semana, permanece de preocupação e incertezas.
Os olhos dos jovens e adultos são vistos marejados e tristes.“Perdemos tudo. A vida acabou. Não tenho palavras”, afirma Eliofábia Rodrigues da Silva, de 35 anos, moradora do edifício.
O abatimento acertou em cheio o acampamento improvisado. “Não temos nem onde morrer. Se morrer, vamos morrer aqui”, avalia a moradora, que há oito dias dorme em uma barraca no sereno. A maioria dos moradores do Wilton Paes ergueram barracas na praça em frente ao local da tragédia.
A sensação de alegria é vista, somente, entre as crianças. “Eles não têm muita noção do que está acontecendo, então brincam por aí”, acrescenta. No entanto, a filha de Eliofábia não é uma delas: a menina de oito anos contraiu uma infecção na boca transmitida por ratos. “Hoje de manhã comprei um remédio. Vamos ver se ela melhora, mas desse jeito eu duvido muito”, diz.
Os voluntários criaram uma cozinha comunitária, onde os desalojados realizam, em média, três refeições por dia — com a ajuda de doações feitas por civis e entidades. “Meu chefe, minha família, meus amigos vieram aqui e trouxeram coisas para nós. Estão nos ajudando, mas ninguém do governo fez nada”, conta.
Poder Público
A Prefeitura de São Paulo disponibilizou albergues para a dormida dos moradores desalojados, como o Centro Acolhida de Pedroso (rua Pedroso, número 111). Eliofábia disse que alguns foram ao albergue para banho e para dormir, no entanto, o espaço não os agradou. “Tem muita sujeira, não tem colchão, tem gente usando droga e, inclusive, furtando”, relatou.
Questionada a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) informou que o Espaço Sociocultural CISARTE conta com uma estrutura que dispõe de sete chuveiros e nove sanitários masculinos, quatro chuveiros e sete sanitários femininos, além do espaço para refeições e 150 leitos nos dormitórios. E afirmou que os serviços de limpeza serão reforçados.
A partir desta terça-feira (8), o Governo do Estado disponibilizou o saque do auxílio-moradia para os moradores do edifício que ruiu. A quantia, de R$ 1.200 no primeiro e mês e R$ 400 nos seguintes, é paga pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento e Urbano). O benefício é dado até a liberação de um imóvel para as famílias.
Banheiros
A saída dos moradores para realizarem as necessidades físicas é usarem banheiros de estabelecimentos próximos ao local, como o 'Ao Seu Bar e Lanches', na esquina da avenida São João com o Largo do Paissandu. De acordo com o proprietário, Marcelo Ferreira, de 55 anos, os desalojados formam filas que "espantam os clientes".
"Temos que ser solidário nesse momento, então eles vem e usam. Mas a responsabilidade financeira é somente minha", disse. A prefeitura, segundo ele, deveria "tomar atitude e disponibilizar banheiros públicos".
O proprietário, que está no local há 27 anos, conta que desde terça-feira passada que a clientela teve baixa. "E aí, como que eu vou pagar minhas contas?", questiona. "Espero que seja passageiro."
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Vítimas
O tenente Guilherme Derrite do Corpo de Bombeiros informou que desde o primeiro dia de trabalho foram retiradas 200 toneladas por dia de lixo dos escombros. Ainda segundo ele, pelo menos 500 bombeiros passaram pela operação, bem como o uso de mais de cinco máquinas pesadas
Na manhã desta terça-feira (8), os bombeiros encontraram fragmentos ósseos no meio do local do desabamento. "Corpo de pequeno porte, aparentemente de uma criança e com sinais de carbonização", disse o tenente Derrite. Há suspeitas de que outras vítimas estejam na mesma região.
O corpo foi encontrado com auxílio da cadela Sarah, que farejou o local na noite de segunda-feira (7). O seu condutor, o cabo Gérson Ferreira, disse em entrevista ao R7 que o cão cavou com a pata a região e deu sinal de que ali havia algo. Para testá-la, o bombeiro a chamou para outro lugar, mas ela andava e voltara para o lugar que a tinha incomodado inicialmente. No momento seguinte, os bombeiros começaram o trabalho manual mais minucioso. Cerca de nove horas depois, partes do corpo foram localizadas.
Oficialmente, as equipes de resgate ainda buscam por sete vítimas nos escombros, entre elas duas crianças, os gêmeos Welder e Wender, ambos de 9 anos, que são filhos de Selma Almeida, também desaparecida. A lista segue com Eva Barbosa, de 42 anos, Valmir Souza, de 47 anos, Francisco Lemos Dantas, de 56 anos e Artur Hector de Paula.
À reportagem, a moradoria Eliofábia disse que existiam estrangeiros morando na ocupação. Segundo ela, diversos haitianos habitavam o local — no total, 380 pessoas viviam no edifício. "Ninguém fala deles, só porque não possuem família aqui?" indaga. "Nós queremos Justiça".
Ricardo
Quatro dias após a tragédia, o primeiro corpo foi encontrado pelo Corpo de Bombeiros. Identificado pelo IRGD (Instituto de Identificação da Polícia Civil) como Ricardo Pinheiro, o homem que ajudou no resgate de vítimas. Ele foi a primeira vítima oficialmente considerada desaparecida na tragédia — o morador desapareceu em meio ao desabamento e às chamas do edifício e não pode ser resgatado a tempo.
Momentos antes de desaparecer, Pinheiro pediu ajuda para a Polícia Militar. De acordo com a gravação do telefonema, o homem disse que estava na cobertura do prédio e, no momento, o fogo já consumia o edifício. "Eu tô no prédio. Eu tô no último andar. O fogo já tá aqui em cima", afirmou. O morador informou, ainda, que estava sozinho no local: "Teve gente que não conseguiu subir por causa da fumaça. É muito tóxica". Pinheiro finaliza a ligação para a PM solicitando ajuda: "Por favor, manda o helicóptero. Me tira daqui!"