Vistoria de imóveis é primeiro passo para salvar centro degradado de SP
Segundo especialistas, investimentos podem salvar patrimônio histórico, evitar novas tragédias e melhorar oferta habitacional e de serviços
São Paulo|Cristina Charão, do R7
A vistoria de imóveis ocupados por sem-teto no centro de São Paulo é apenas um pequeno passo na imensa tarefa de evitar que mais prédios no centro da capital paulista tornem-se o endereço de tragédias como a do Largo do Paissandu. Especialistas ouvidos pelo R7 dizem que, apesar de complexa, a recuperação dos muitos prédios em estado avançado de degradação localizados na região central é tão possível quanto urgente.
“Quem ocupa estes prédios é a população mais vulnerável da cidade. Se hoje alguns acabam morrendo num incêndio e desabamento, outros tantos morrem de doenças tratáveis, de contaminação por substâncias tóxicas”, diz o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo, Fernando Túlio Rocha Franco.
Para ele o investimento urgente na recuperação dos imóveis degradados não pode ser avaliado apenas pela questão financeira, mas precisa considerar o custo humano e cultural envolvido.
“Cada dia que passa com estes imóveis sem uso, eles ficam mais degradados e a recuperação vai ficando mais difícil”, comenta Danielle Klintowitx, coordenadora de Projetos Urbanos do Instituto Pólis. Com a degradação crescente dos imóveis, a possibilidade de novas tragédias também aumenta.
Riscos crescentes
As ocupações irregulares não necessariamente causam os problemas, mas na maioria dos casos agravam a situação. Isso porque pode haver sobrepeso em estruturas que não foram planejadas para, por exemplo, receber moradias, além do uso de material inadequado. Mas o maior problema é a falta de manutenção dos prédios no longo prazo.
Danielle chama a atenção para o que os arquitetos chamam de “patologias construtivas”, ou seja, danos que vão comprometendo as estruturas a ponto delas chegarem ao colapso. “Risco de incêndio e desabamento existe em muitos prédios”, diz.
A coordenadora do Pólis frisa que o prejuízo arquitetônico e histórico tende a ser imenso. “O Centro de São Paulo tem uma paisagem interessante e que está em risco”, diz Danielle. “Nós temos ali um número grande de edificações do final do século XIX e início do século XX. Temos também muitos prédios modernistas, como o que desabou.”
Vistoria nas ocupações
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, existem 206 ocupações habitacionais irregulares na capital, sendo 70 em prédios no centro da cidade e que serão vistoriados nos próximos dias.
Mas os imóveis ocupados irregularmente são apenas uma fração das edificações abandonadas em São Paulo. Segundo Franco, do IAB-SP, sabe-se que cerca de 1 mil imóveis privados já foram notificados pela Prefeitura por “não cumprirem função social” — ou seja, não ter uso nem habitacional, nem de serviços. “São pelo menos 2 milhões de metros quadrados de imóveis sem uso em São Paulo — incluindo terrenos. Isso sem contar os prédios públicos, sobre os quais não temos um número exato”, diz ele.
Se não se sabe o número exato de edificações abandonadas, tampouco se sabe o nível de degradação de cada uma delas. Por isso, o levantamento do estado físico de cada prédio seria o primeiro passo de um projeto de recuperação.
Em seguida, é preciso avaliar as características de cada prédio para definir como podem ser usados. “Estes imóveis podem ajudar a diminuir o déficit habitacional, mas também o de serviços públicos”, diz Franco.
Prédios públicos e privados
Segundo ele, a política de notificação de imóveis privados sem uso tem funcionado e é preciso pensar em maneiras de incentivar que os proprietários se envolvam na recuperação, como por exemplo fazendo consórcios imobiliários.
Já os prédios públicos, como o que pegou fogo no Largo do Paissandu, poderiam ser mais facilmente incluídos num plano de ocupação. Na prática, no entanto, isso não tem acontecido.
Para Danielle, do Instituto Pólis, a chave de uma política que possa evitar tragédias humanas e perda de patrimônio histórico em São Paulo passa por dar uso real aos imóveis. “A solução não é demolir”, diz. “Demolir custa mais caro do que reformar.”
Recursos para recuperação
E há recursos para isso? Segundo Danielle, sim. “Tem recursos esquecidos, por exemplo, nas políticas de patrimônio histórico”, diz.
A coordenadora do Pólis ressalta que o Brasil não tem a cultura de usar prédios históricos para diferentes finalidades, o que é possível e desejável para dar conta das demandas por habitação, escolas, postos de saúde e tantos outros serviços, especialmente nas regiões centrais das grandes cidades.